Novo ímã supercondutor abre caminho para a energia gerada por fusão nuclear
Após três anos em construção, pela primeira vez, um grande eletroímã supercondutor de alta temperatura atingiu uma intensidade de campo de 20 tesla. Este é o campo magnético mais poderoso desse tipo já criado na Terra. Além disso, de acordo com os líderes do projeto no MIT e na startup Commonwealth Fusion Systems (CFS), o sucesso do experimento ajuda a resolver a principal incerteza no planejamento da primeira usina de energia de fusão do mundo, capaz de produzir mais do que consome.
Esse avanço abre o caminho para a criação de usinas práticas, baratas e livres de carbono que poderiam ser essenciais na limitação dos efeitos da mudança climática global.
“A fusão é a melhor fonte de energia limpa“, disse Maria Zuber, vice-presidente de pesquisa do MIT. “A quantidade de energia disponível realmente muda o jogo.” O combustível usado para criar a energia de fusão vem da água, e “a Terra está cheia de água – é um recurso quase ilimitado. Só temos que descobrir como utilizá-lo”.
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O desenvolvimento deste novo ímã era visto como um grande obstáculo tecnológico. Sua operação bem-sucedida abre o caminho para a demonstração da energia de fusão em um laboratório na Terra. Agora, devido ao sucesso do experimento, a colaboração MIT-CFS está no caminho certo para construir o primeiro dispositivo de fusão do mundo capaz de criar e confinar um plasma que produz mais energia do que consome. O dispositivo de demonstração, denominado SPARC, deve ser concluído em 2025.
“Os desafios de fazer a fusão acontecer são técnicos e científicos“, disse Dennis Whyte, diretor do Plasma Science and Fusion Center do MIT. Ele está trabalhando com a CFS para desenvolver o SPARC. Segundo ele, uma vez que a tecnologia seja comprovada, ela se torna “uma fonte de energia inesgotável e independente de carbono que pode ser implantada em qualquer lugar e a qualquer hora. É realmente uma fonte de energia fundamentalmente nova”.
Whyte, que é o professor de engenharia da Hitachi America, diz que a demonstração representa um marco importante, ao abordar as principais questões remanescentes sobre a viabilidade do projeto SPARC. “É realmente um divisor de águas, acredito, para a ciência e tecnologia de fusão”, diz ele.
O sol engarrafado
A fusão é o processo que alimenta o Sol. Dois pequenos átomos se fundem para formar um maior, liberando enormes quantidades de energia. Mas o processo requer temperaturas muito além do que qualquer material sólido poderia suportar. Para capturar a fonte de energia do Sol aqui na Terra, é necessário encontrar uma maneira de capturar e conter algo tão quente – 100 milhões de graus ou mais – ao mesmo tempo em que o contato com qualquer coisa sólida é evitado.
Isso é feito por meio de campos magnéticos intensos. Estes formam uma espécie recipiente invisível que contém a mistura quente e rodopiante de prótons e elétrons, chamada plasma. Como as partículas têm carga elétrica, elas são fortemente controladas pelos campos magnéticos, e a configuração mais usada para contê-las é um dispositivo chamado tokamak. A maioria desses dispositivos produz seus campos magnéticos usando eletroímãs convencionais feitos de cobre. Mas sua versão mais recente e maior que está sendo construída na França, o ITER, utiliza supercondutores de baixa temperatura.
A principal inovação no projeto de fusão MIT-CFS é o uso de supercondutores de alta temperatura, que permitem um campo magnético muito mais forte em um espaço menor. O projeto foi possível devido a um novo tipo de material supercondutor disponbilizado comercialmente há alguns anos.
A ideia surgiu inicialmente como um projeto em uma aula de engenharia nuclear ministrada por Whyte. A ideia parecia tão promissora que continuou a ser desenvolvida pela classe, levando ao conceito de projeto de usina ARC no início de 2015. O SPARC, projetado para ter cerca de metade do tamanho do ARC, é um teste que tem como o objetivo provar conceitos teóricos antes da construção da usina de produção de energia em tamanho real.
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Anteriormente, havia uma única maneira de atingir os campos magnéticos poderosos o suficiente para criar uma “garrafa” capaz de conter plasma aquecido a centenas de milhões de graus. Era preciso usar espaços cada vez maiores. Porém, o novo material supercondutor de alta temperatura, feito na forma de uma fita plana, possibilita que um grande campo magnético seja atingido em um dispositivo menor, igualando o desempenho que seria alcançado em um aparelho 40 vezes maior em volume usando ímãs supercondutores convencionais de baixa temperatura. Esse salto em potência versus tamanho é o elemento-chave no design revolucionário do ARC.
O uso dos novos ímãs supercondutores de alta temperatura torna possível aplicar décadas de conhecimento experimental adquirido com a operação de experimentos do tokamak, incluindo a própria série Alcator do MIT. A nova abordagem usa um design conhecido, mas reduz tudo para cerca de metade do tamanho linear e ainda atinge as mesmas condições operacionais.
Uma série de artigos científicos publicados no ano passado delineou a base física e, através de simulações, confirmou a viabilidade do novo dispositivo de fusão. Os artigos mostraram que, se os ímãs funcionassem conforme o esperado, todo o sistema de fusão deveria de fato produzir potência líquida.
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Martin Greenwald, vice-diretor e cientista de pesquisa sênior do PSFC, diz que, ao contrário de alguns outros projetos para experimentos de fusão, “nós usamos a física convencional de plasma e projetos e engenharia de tokamak convencionais, mas os trouxemos para esta nova tecnologia de ímã . Portanto, não estávamos exigindo inovação em meia dúzia de áreas diferentes. Nós apenas inovaríamos no ímã e, em seguida, aplicaríamos a base de conhecimento do que foi aprendido nas últimas décadas. ”
Essa combinação de princípios de design cientificamente estabelecidos e força do campo magnético revolucionário é o que torna possível alcançar uma algo que pode ser economicamente viável e desenvolvido rapidamente. “É um grande momento”, disse Bob Mumgaard, CEO da CFS. “Agora temos uma plataforma que é cientificamente muito avançada, por causa das décadas de pesquisa , e também muito interessante comercialmente. O que ela faz é nos permitir construir dispositivos mais rápidos, menores e com menor custo”.
Provando conceitos
Trazer esse novo conceito de ímã para a realidade exigiu três anos de trabalho intensivo em seu design, estabelecimento de cadeias de suprimentos e elaboração de métodos de fabricação para ímãs que podem eventualmente precisar ser produzidos aos milhares.
“Construímos um ímã supercondutor inédito. Foi necessário muito trabalho para criar processos e equipamentos de fabricação exclusivos. Como resultado, agora estamos bem preparados para acelerar a produção SPARC”, disse Joy Joy Dunn, chefe de operações da CFS.
Neste teste, o novo ímã foi gradualmente ligado em uma série de etapas até atingir a meta de um campo magnético de 20 tesla – a maior intensidade de campo de todos os tempos para um ímã de fusão supercondutor de alta temperatura. O ímã é composto de 16 placas empilhadas, cada uma das quais, por si só, já seria um ímã supercondutor de alta temperatura mais poderoso do mundo.
“Três anos atrás, anunciamos um plano”, desse Mumgaard, “para construir um ímã de 20 tesla, que é o que precisaremos para futuras máquinas de fusão.” Essa meta agora foi alcançada, dentro do prazo, mesmo com a pandemia”.
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A próxima etapa será construir o SPARC, uma versão em escala menor da planejada usina ARC. A operação bem-sucedida do SPARC demonstrará que uma usina de fusão comercial em grande escala é prática. Isso abre caminho para um rápido planejamento e contrução do dispositivo pioneiro.
Zuber diz que “Agora estou genuinamente otimista de que o SPARC pode alcançar energia positiva líquida, com base no desempenho demonstrado dos ímãs. O próximo passo é aumentar a escala, construir uma usina de energia real. Ainda há muitos desafios pela frente, não o menos do que é desenvolver um projeto que permita uma operação confiável e sustentada. E percebendo que o objetivo aqui é a comercialização, outro grande desafio será econômico. Como você projeta essas usinas de modo que seja econômico construí-las e implantá-las? ”
“Acho que vamos olhar para trás e pensar sobre como chegamos lá, e acho que a demonstração da tecnologia do ímã, para mim, é o momento no qual acreditei que podemos realmente fazer isso. “, continuou ele sobre a possibilidade de, algum dia, haver milhares de usinas de fusão alimentando redes elétricas limpas em todo o mundo.
A criação bem-sucedida de um dispositivo de fusão para produção de energia seria uma grande conquista científica, observa Zuber. Mas esse não é o ponto principal. “Nenhum de nós está tentando ganhar troféus neste momento. Estamos tentando manter o planeta habitável.”
Publicado em 13/09/2021