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Novo fóssil de pterossauro é o mais completo já encontrado na América do Sul

Fóssil de animal que viveu há cerca de 100 milhões de anos era parte de um carregamento de contrabando apreendido pela Polícia Federal em 2014.
Pterossauro

Representação do Tupandactylus navigans obtido através do estudo do fóssil de pterossauro encontrado na Chapada do Araripe. Créditos: Victor Beccari

Durante a pré-história, o Brasil foi lar de uma enorme diversidade de animais. O território brasileiro já abrigou desde tigres dente-de -sabre, grandes carnívoros da Era Cenozoica, e ancestrais dos crocodilos que conhecemos hoje até, ao menos, 27 espécies diferentes de dinossauros. Agora, mais uma peça foi adicionada a esse quebra-cabeça pré-histórico. 

Obtido em uma operação policial que apreendeu mais de 3 mil itens que estavam sendo transportados ilegalmente para fora do pais, o fóssil de pterossauro mais completo e preservado já encontrado foi descrito em um artigo publicado na última semana na revista científica PLOS One. O material teve sua origem rastreada para a Chapada do Araripe, sítio paleontológico na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. 

Participaram do trabalho Fabiana Costa, paleontóloga da Universidade Federal do ABC e coordenadora do artigo, Victor Beccari,da Universidade de São Paulo  (USP) e NOVA School of Science and Technology, em Portugal, e primeiro autor, do estudo, Felipe Lima Pinheiro, da Universidae do Pampa, Ivan Nunes, do Laboratório de Herpetologia (LHERP) e professor da  Universidade Estadual Paulista (UNESP), Luiz Eduardo Anelli, da Universidade de São Paulo, e Octávio Mateus, da NOVA School of Science and Technology. 

O que são os pterossauros? 

Ao contrário do que muitos podem pensar, os pterossauros não são os “dinossauros que voavam”. Eles sequer fazem parte do grupo dinosauria, ao qual pertencem os famosos lagartos que andaram pela Terra há mais de 200 milhões de anos. 

Os pterossauros, na verdade, são parentes próximos dos dinossauros, sendo ambos répteis que habitaram o planeta por volta do mesmo período. Essa coexistência, inclusive, é um dos motivos por trás da confusão que atribui os animais alados ao grupo dos dinosauria

Conforme esclarece Ivan Nunes, “o pterossauro veio da época do Cretáceo, há cerca de 66 a 145 milhões de anos. E essa é uma época em que os dinossauros também já estavam bastante espalhados pelo mundo”. Nunes participou do trabalho como especialista na área de sistemática, que classifica os seres vivos através do estudo comparativo de suas características. 

Portanto, quando se pensa na reconstituição do ambiente Cretáceo, os dinossauros e pterossauros aparecem juntos, convivendo em um mesmo espaço, fazendo com que se possa pensar que eles pertencem todos ao mesmo grupo de répteis. 

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“Eles estão todos ali: o dinossauro no chão e o pterossauro voando. Então, as pessoas tendem a colocar tudo no mesmo pacote. Existe uma certa confusão por eles existirem na mesma época, no mesmo ambiente e por serem todos os répteis”, explica Fabiana Costa.

No entanto, há uma diferença crucial em termos de evolução entre esses animais. Enquanto a linhagem dos dinossauros permanece viva nas em aves, por exemplo, os répteis alados foram completamente extintos, algo que dificulta o seu estudo

“Não existem mais representantes vivos dos pterossauros. Estão todos extintos. E, além de não terem representantes viventes, este é um grupo com uma morfologia muito particular, com características muito peculiares. Então isso tudo o torna o um grupo bastante interessante e desafiador de ser estudado”, acrescenta Costa. 

O espécime mais completo já encontrado na América do Sul  

Encontrado no sítio arqueológico da Chapada do Araripe, o animal descrito no artigo pertence à espécie Tupandactylus navigans, da família tapejaridae de pterossauros. Membros desse grupo são conhecidos por duas principais características: por seu rostro, parte frontal do crânio, sem dentes e também pelas grandes cristas cefálicas que ocupavam até 75% da superfície do crânio. Estes, de fato, são os elementos que mais chamam atenção quando se fala de fósseis de tapejarídeos. 

Por meio de análises sobre a morfologia do animal, é possível obter uma grande quantidade de informações sobre seu comportamento. Por exemplo, a falta de dentes indica os tapejarideos possuíam hábitos frugívoros, ou seja, se alimentavam basicamente de sementes e frutas. A fim de quebrar as sementes mais duras, assim como os papagaios nos dias de hoje, eles eram capazes de exercer uma enorme força. Já a função das cristas ainda é debatida por estudiosos. Segundo Fabiana Costa, uma das principais hipóteses sobre seu papel é que elas estariam relacionadas ao voo do animal

Exemplares de tapejarideos já foram encontrados em algumas regiões do mundo, como China, Espanha e Marrocos e, até mesmo, no próprio Brasil. No entanto, os fósseis descobertos anteriormente na região do nosso país consistiam em apenas alguns fragmentos do esqueleto e crânio. Essa é a primeira vez que um esqueleto tão completo do animal é descoberto no território da América do Sul, trazendo novos detalhes importantes sobre essa espécie, e a população de pterossauros em geral.  

Pterossauro

Reconstrução do crânio do Tupandactylus navigans. Em vermelho, estão destacados seu rostro e crista.

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“Esse é um grupo que, para a América do Sul, não se tinha informação sobre o pós crânio. Eram encontrados apenas o crânios desses animais e algum outro fragmento do restante do corpo. Mas este espécime aqui é bem completo, é um fóssil lindo”, disse Ivan Nunes. “O grupo tapejaridae tem outros representantes em outros lugares do mundo, como a China, com fósseis bastante completos. Então, já se tinha ideia de como deveria ser as características do corpo desses animais aqui, mas não era uma certeza. Agora, esse animal todo articulado e completíssmo trouxe o que faltava para avançarmos nos estudos de toda uma região“.

Para Nunes, a descoberta deverá ser um divisor de águas para as pesquisas sobre pterossauros na América do Sul. “Toda vez que alguém for referenciar detalhes mais específicos, vai precisar visitar este espécime aqui, como se ele fosse um representante para todo o grupo”. 

O bom estado de preservação do animal permitiu que os pesquisadores concluíssem que ele possuía mais de dois metros e meio de envergadura, com uma crista de cerca de meio metro de altura no topo da cabeça

O espécime de pterossauro, conforme foi possível concluir com base em análises de sua anatomia e comparações com outros fósseis descobertos anteriormente, que o navigans não era um bom voador e passava a maior parte do tempo em terra firme. Além disso, os pesquisadores especulam que algumas variações em suas características marcantes podem estar associadas ao dimorfismo sexual da espécie.

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Um dos maiores destaques do fóssil é o grau de preservação de seu tecido mole. A região que costuma ser preenchida majoritariamente por cartilagem, como é o caso da crista do animal, normalmente é umas das primeira a se deteriorar durante a decomposição. No espécime, esse material sofreu um processo de mineralização, ficando como uma rocha no mesmo formato que o tecido tinha há milhões de anos atrás, quando o animal ainda era vivo.

“O crânio está bastante completo e articulado. Ele traz informações não só para a espécie, mas também para o grupo como um todo. Este é um espécime maravilhoso e muito bem preservado”, aponta Fabiana Costa. “Eu gosto de dizer que é como se a gente tivesse ganhado na loteria, porque achar um animal com esse nível de preservação tão completo é algo tão raro”.  

A geração de fósseis por si só já é algo difícil de acontecer. Quando um animal morre há milhões anos, para que seus vestígios sejam conservados, é preciso que ele fique o menor tempo possível exposto, a fim de evitar sua degradação gradual. A primeira coisa a ser perdida é o justamente o tecido mole e, após o desaparecimento das articulações que prendem os ossos uns aos outros, o esqueleto costuma a se espalhar

Pterossauro

Ilustração que mostra esqueleto completo do Tupandactylus navigans.

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O espécime encontrado na Chapada do Araripe, portanto, deve ter sido soterrado pouco tempo depois da morte do animal.  “Alguma coisa aconteceu ali para tirar ele das condições que poderiam degradá-lo.Ele não pode ter ficado muito tempo exposto, porque a gente tem aqui a preservação do tecido mole da crista que é algo é bem delicado. Isso é algo bastante excepcional”, explicou Costa. 

Áreas com o potencial de preservar tão bem um matérial fóssil são raras. A Chapada do Araripe é um dos 56 locais em todo o mundo que são definidos como lagerstätte. A palavra de origem alemã é usada para denominar regiões com uma preservação excepcional de fósseis

“Essa região é conhecida por conservar muito bem o material e, muitas vezes, preservá-lo tridimensionalmente. Isso traz um nível de informação a mais que é bastante precioso”, destacou Nunes. “A Chapada do Araripe é um dos melhores lugares para você pesquisar fósseis“. 

Material quase perdido

No entanto, a busca por fósseis no Brasil é afetada por um grande problema, que atinge em especial local onde o navigans foi encontrado: o tráfico de fósseis.

Conforme já foi citado anteriormente, o material foi apreendido pela Polícia Federal. Em 2014, no Porto de Santos (SP), a operação recuperou mais 3 mil itens que iriam ser contrabandeados para fora do país em um naivo de carga. No Brasil, fósseis são bens da União, porém nem todos os lugares possuem as mesmas leis que regem o patrimônio fossilífero. Em outros países, fósseis podem ser negociados e vendidos para museus ou acervos particulares

“Então, a gente acaba perdendo esse material que sai de várias maneiras e só vai se dar conta depois, caso esse material chegue a ser publicado por pesquisadores estrangeiros”, disse Fabiana Costa. “Ainda bem que não perdemos esse pterossauro, mas sabemos que isso acontece com muitos outros espécimes, o que é uma lástima”. 

Publicado em 07/09/2021

Nathália Giannetti

 

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