Decolou! Entenda como primeiro voo de robô em Marte pode impactar exploração espacial
![primeiro voo de robô em Marte](https://sciam.com.br/wp-content/uploads/2021/04/ingenuity-300x225.jpeg)
Foto da superfície de Marte capturada pelo helicóptero robô Ingenuity durante seu primeiro voo. Crédito: Nasa e JPL-Caltech.
A Nasa, a agência espacial dos EUA, conseguiu realizar a primeira experiência de voo de um veículo com motor em outro planeta. O Ingenuity, um helicóptero robô que faz parte da missão Perseverance, decolou da superfície de Marte em 19 de abril e fez um breve vôo de 40 segundos que já é um marco da aviação interplanetária.
“Agora podemos dizer que a humanidade conseguiu fazer voar um helicóptero em outro planeta”, diz MiMi Aung, a engenheira chefe do projeto no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) em Pasadena, Califórnia.
O curto voo de teste da Ingenuity é o equivalente extraterrestre ao dos irmãos Wright. Eles pilotaram seu avião acima das dunas costeiras na Carolina do Norte, em 1903. Em homenagem àquele feito, o helicóptero robô carrega parte do avião original dos irmãos Wright. Um pequeno pedaço de tecido de musselina, do tamanho de um selo postal.
O voo ocorreu após um atraso de uma semana. Isso porque problemas de software impediram o helicóptero de fazer a transição para o modo de voo dois dias antes de uma primeira tentativa, planejada para 11 de abril. Ontem, às 16h34 no horário de Brasília, a Ingenuity girou com sucesso suas lâminas de fibra de carbono a mais de 2.400 rotações por minuto, de modo a dar a sustentação necessária para subir 3 metros no ar. O drone de US $ 85 milhões pairou e depois, fazendo uma manobra planejada, virou 90 graus e desceu em segurança de volta à superfície marciana. “Este é apenas um grande vôo inicial”, diz Aung.
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Quatro voos adicionais, cada um com duração de até 90 segundos, estão planejados para as próximas semanas. Nestes, o Ingenuity deverá subir 5 metros acima da superfície, e viajar a até 300 metros do ponto de decolagem. Gradualmente, cada voo exigirá mais um pouco das capacidades do Ingenuity, para que os engenheiros possam avaliar como o drone se comporta na fina atmosfera de Marte, cuja densidade equivale a apenas 1% da atmosfera a da Terra.
No passado, outras agências espaciais já haviam enviado veículo voadores para outros planetas; por exemplo, as missões Vega 1 e Vega 2, da União Soviética, liberaram balões que voaram pela atmosfera de Vênus em 1985. Mas o robô voador Ingenuity fez o primeiro vôo controlado em outro planeta.
O objetivo é testar a possibilidade de uso de helicópteros na exploração de outros mundos. À medida que o drone se desloca, captura imagens em preto e branco da superfície que está abaixo dele, além de imagens coloridas no plano horizontal. No futuro, helicópteros podem ajudar os rovers, ou mesmo astronautas, a percorrerem seu caminho pela superfície, indo à frente monitorando áreas interessantes e retransmitindo imagens da paisagem.
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Grandes helicópteros também podem penetrar em áreas inacessíveis aos robôs que se deslocam pelo solo, diz Anubhav Datta, engenheiro aeroespacial da Universidade de Maryland. Ele trabalha, há décadas, com o conceito de uso de helicópteros de Marte. “Se levarmos a sério a realização de missões humanas em Marte, devemos levar a sério também o envio de grandes helicópteros para explorar verdadeiramente o que nos espera lá”, diz ele. “Os lugares mais interessantes que queremos explorar não ficam em terreno plano. Mas nas encostas, nas falésias, onde é preciso descer às crateras e entrar nas cavernas.”. Câmeras e outros instrumentos transportados por helicópteros poderiam capturar informações sobre eles.
A Nasa já está construindo um helicóptero com oito hélices do tamanho de um carro, chamado Dragonfly, para enviar a Titã, uma lua de Saturno. Com lançamento previsto para 2027, o helicóptero exploraria a atmosfera de Titã, que é quatro vezes mais densa do que a da Terra, e rica em compostos orgânicos primordiais. Será um ambiente muito diferente do que o Ingenuity enfrenta em Marte. Mas as primeiras lições de voo da Ingenuity serão aplicadas no projeto do Dragonfly. “Estamos ansiosos para aprender com a experiência da equipe da Ingenuity em voar num céu extraterrestre”, disse Elizabeth Turtle, cientista planetária do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins em Laurel, Maryland, que é a cientista chefe do Dragonfly.
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O Ingenuity chegou à cratera Jezero em fevereiro, carregado sob a barriga do rover Perseverance. Saindo do ponto onde pousou, o Perseverance se deslocou para uma espécie de ‘campo de aviação’ plano na cratera, que é relativamente livre de rochas, e depositou lá o Ingenuity. O rover depois avançou para uma ligeira elevação a 65 metros de distância, e de lá assistiu e filmou a decolagem e o vôo do Ingenuity.
O maior desafio no projeto do Ingenuity era torná-lo suficientemente pequeno e leve para que pudesse ser carregado sob a barriga do Perseverance e ainda assim ser capaz de voar, diz Aung. O helicóptero acabou pesando apenas 1,8 quilo. Ele foi testado na Terra, dentro de uma câmara especial no JPL, da qual sugou-se quase todo o ar para simular a fina atmosfera marciana.
Em comparação com um helicóptero de tamanho semelhante projetado para voar na Terra, o Ingenuity tem lâminas maiores; Elas giram muito mais rápido a fim de erguê-lo no rarefeito ar marciano. Datta diz que estará aguardando ansiosamente as informações sobre quanta potência é necessária para que o helicóptero consiga pairar; esse conhecimento ajudará os engenheiros a entender melhor a aerodinâmica em Marte.
Outro pesquisador, William Farrell, do Goddard Space Flight Center da Nasa, está de dedos cruzados, na expectativa de que o Ingenuity ajude os cientistas a desenvolver uma ideia melhor das propriedades elétricas da atmosfera marciana. Para fazer isso, seria preciso que o aparelho voasse – ou pelo menos girasse suas hélices – perto do momento do anoitecer em Marte.
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Recentemente, Farrell e seus colegas calcularam que as pás do helicóptero em movimento poderiam ficar eletricamente carregadas por meio do contato com a poeira no ar ao redor, da mesma forma que pás de helicópteros na Terra podem acumular carga durante tempestades de areia. Isso poderia causar um leve brilho azul-arroxeado ao longo das hélices, que seria mais fácil de ser enxergado l na luz fraca do crepúsculo. Farrell perguntou à equipe do Ingenuity se seria possível mover as hélices durante o crepúsculo, e se isso acontecer, ele estará observando de perto.
A fina atmosfera de Marte significa que os ventos não são particularmente fortes. O Ingenuity pode lidar com ventos de pouco mais de 10 metros por segundo durante o vôo. Quando está pousado no solo, sua capacidade é ainda maior e ele deve aguentar ventos muito mais fortes. Painéis solares fornecem a eletricidade necessária para mantê-lo aquecido durante as noites geladas de Marte, quando as temperaturas podem cair para -90 ºC na cratera de Jezero.
O Ingenuity foi projetado para ter atividade durante apenas 30 dias marcianos, e o período se encerra em 4 de maio. Depois, mesmo que o helicóptero ainda esteja funcional, ele terá cumprido sua missão. E, assim, os cientistas da equipe irão voltar suas atenções para o rover em cuja barriga ele viajou até Marte. O Ingenuity permanecerá perpetuamente na cratera de Jezero enquanto o Perseverance dará início a sua missão principal de coletar amostras de rochas para um eventual retorno à Terra.
Alexandra Witze
Publicado em 20/04/2021
Publicado originalmente em Nature. Reprodução autorizada.