Diferença de gravidade dos sintomas da COVID-19 poderia ser explicada pelo sistema imunológico
Desde o início da pandemia de COVID-19, no ano passado, pesquisadores de todo o planeta têm constatado com supresa a grande variedade de sintomas que pode ser suscitada pela ação do Sars-Cov-2, o vírus que já causou três milhões de mortes e infectou 144 milhões de pessoas em todo planeta. Os efeitos observados nas pessoas diagnosticadas com a doença vão desde tosse leve até grave dificuldade respiratória, coágulos sanguíneos e falência de órgãos.
Embora algumas pesquisas já tenham reportado a complexidade da resposta do sistema imunológico à infecção pelos vírus, as diferenças existentes em cada caso de COVID-19 permaneciam inexplicáveis, e ignorava-se o modo como o organismo coordena sua reposta ao coronavírus.
Mas, resultados de um novo estudo realizado no Reino Unido sustenta pacientes assintomáticos e pacientes que apresentam sintomas graves apresentam diferenças importantes no que diz respeito às suas respostas imunológicas. A pesquisa foi publicada na revista Nature Medicine.
A equipe que desenvolveu o estudo envolveu especialistas do Wellcome Sanger Institute, das Universidades de Newcastle, College London e Cambridge. Colaboraram também membros do Instituto Europeu de Bioinformática (EMBL-EBI).
Este estudo colaborativo em grande escala é um dos poucos a incluir pessoas que não apresentam sintomas de coronavírus . Ele faz parte da iniciativa Human Cell Atlas, que tem como objetivo mapear casa tipo de célula do corpo humano, de maneira a transformar a forma como compreendemos a saúde, as infecções e as doenças.
Como atua o sistema imunológico no combate à COVID
Os cientistas estudaram o sangue de 130 pessoas que contraíram COVID-19. Os pacientes vieram de três centros diferentes do Reino Unido (Newcastle, Cambridge e Londres) e os casos analisados variaram, indo de quadros assintomáticos até estados graves.
O estudo identificou níveis elevados de células imunológicas específicas em pessoas que não apresentaram sintomas. Isso representou uma diferença importante em relação ao que foi observado nos casos graves, cujos pacientes na verdade perderam esse tipo de célula protetora, ao mesmo tempo em que ganharam células inflamatórias.
O levantamento foi possível devido ao método empregado pela equipe, que realizou o sequenciamento celular individual de aproximadamente 800 mil células do sistema imunológico. Além disso, foi feita uma análise detalhada das proteínas presentes na superfície celular e dos receptores de antígenos encontrados nas células imunes.
Os participantes sem sintomas registram níveis elevados de células B. Elas são produtoras dos anticorpos encontrados em passagens onde há muco, como as narinas, e provavelmente compõem a primeira linha de defesa do nosso organismo contra a COVID-19. No entanto, essas células estavam ausentes em pessoas com sintomas graves. Isso indica a importância de uma resposta imune eficaz associada a anticorpos nasais e outras passagens mucosas.
Dessa maneira, os especialistas puderam concluir que, enquanto os pacientes com sintomas leves a moderados possuem altos níveis de linfócitos B e T auxiliares, essenciais no combate à infecção, aqueles com sintomas graves perderam muitas dessas células imunológicas. A conclusão foi que, no caso das pessoas que apresentaram quadros graves, parte do sistema imunológico falhou.
Por outro lado, as pessoas hospitalizadas com sintomas mais sérios ainda tiveram um aumento descontrolado de monócitos e linfócitos NKT, cujos níveis elevados podem levar à inflamação pulmonar. Elas também apresentaram altas quantidades de células produtoras de plaquetas, que coagulam o sangue a coagular.
O que isso significa?
A descoberta acerca das variações na resposta imune é um importante avanço no combate ao coronavírus. “Ela irá nos ajudar a entender por que alguns pacientes reagem de maneira diferente à infecção por COVID-19, além de poder explicar sintomas como inflamação pulmonar e coágulos sanguíneos. Assim como uma orquestra, composta por diversos instrumentos, o sistema imunológico contém vários grupos diferentes de células. Para entender a resposta imunológica coordenada, é necessário observar todas essas células juntas“, disse Muzlifah Haniffa, imunologista e professora da Universidade de Newcastle.
Embora ainda não se saiba exatamente como a infecção estimula a reação do organismo, a pesquisa é um grande passo para a compreensão do aumento os riscos de coagulação do sangue, e de inflamação nos pulmões, causados pelo coronavirus. Ela também revela novos focos terapêuticos em potencial, que devem ajudar a proteger os pacientes contra inflamações e doenças graves. Por exemplo, talvez seja possível desenvolver tratamentos que diminuam a produção de plaquetas ou reduzam o número de linfócitos NKT produzidos. Para isso, entretanto, mais pesquisas são necessárias.
Outro benefício proporcionado pelo estudo é o melhor entendimento de casos assintomáticos. Segundo Menna Clatworthy, pesquisadora de imunologia da Universidade de Cambridge e do Wellcome Sanger Institute, “por ser um dos estudos mais detalhados de respostas imunológicas à COVID-19 até o momento, ele é essencial para que consigamos entender como acontecem os casos graves e assintomáticos.”
Além disso, a pesquisa poderá, futuramente, também colaborar na identificação de pacientes que têm maior propensão a desenvolverem a doença de forma moderada ou grave. Algo permitido pela observação dos níveis de células imunológicas no sangue.
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O estudo usou amostras de três centros no Reino Unido e descobriu que algumas respostas de anticorpos eram semelhantes em indivíduos de determinada área geográfica, divergindo daqueles vindos de outras regiões, algo que sugere que parte da resposta imune possa estar adaptada a diferentes variantes do vírus .
Sarah Teichmann, copresidente do Comitê Organizador do Human Cell Atlas, destacou que “este é um ótimo exemplo de como usar a inciativa para entender a COVID-19 e identificar quais células são fundamentais no seu combate e tratamento. Essas informações podem ser usadas para entender como algumas pessoas reagem ao coronavírus de formas diferentes. Os dados são acessíveis e fornecem uma base para o desenvolvimento de novas terapias. Colaborando, assim, na redução da disseminação do vírus e proteção daqueles em estágios mais graves da doença. ”
Publicado em 21/04/2021