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Novo fóssil reforça imagem do Brasil como paraíso dos antepassados pré-históricos dos crocodilos

Descoberta do Caipirasuchus attenborough ajuda pesquisadores a investigar as razões da abundância desses animais durante o período Cretáceo.

 

Desenho do Caipirasuchus attenborough

A nova espécie descoberta recebu o nome Caipirasuchus attenboroughi, que siginifica crocodilo caipira de Attenborough, em homenagem ao famoso naturalista e documentarista britânico. Créditos: Juan Vítor Ruiz

É bastante comum associar pesquisas na área de paleontologia à descoberta de fósseis de dinossauros. No entanto, o campo inclui muito mais do que  tiranossauros e velociraptors, principalmente quando falamos dos grandes animais que habitaram o território brasileiro durante o período cretáceo. Por motivos ainda desconhecidos, o Brasil foi lar de uma população reduzida de Dinosauria, enquanto as espécies de crocodilomorfos, que atualmente englobam jacarés, crocodilos e gaviais, eram maioria. 

“Em comparação com outras regiões do mundo na mesma época, havia poucos dinossauros e muitos crocodilomorfos. Não se sabe ainda o motivo. É uma das grandes perguntas da paleontologia. Acredita-se que talvez, como os dinossauros eram menos abundantes aqui, os nichos vagos foram ocupados por esses bichos. Mas essa  hipótese é difícil de ser testada, e deve ser mais trabalhada ao longo dos próximos anos”, disse Juan Vítor Ruiz, mestre em Biologia Animal pela UNESP. 

Em seu trabalho de mestrado, ele fez a descrição de uma nova espécie pré-histórica de crocodilo, nomeada Caipirasuchus attenboroughi. A descoberta e análise dos fósseis encontrados em Ribeirão Preto traz uma nova luz sobre como viviam esses animais. 

Também participaram do trabalho publicado em abril no Journal of Systematic Palaeontology os pesquisadores Mario Bronzati, Gabriel Ferreira, Kawan Martins, Marcos Queiroz, Max Langer e Felipe Montefeltro, orientador do mestrado. 

O que são os crocodilos pré-históricos? 

Apesar de receberem esse nome, os crocodilomorfos do período cretáceo pouco tem a ver com as espécies de hoje. Os fósseis encontrados especialmente na região do noroeste paulista e  do Triângulo Mineiro apresentam uma enorme variedade de tamanhos, hábitos alimentares e características físicas

As espécies de hoje são uma pequena amostra do que já foi a diversidade de crocodilomorfos. É uma linhagem muito especializada. “Aquela frase ‘crocodilos e jacarés são fósseis vivos’ é balela. Fala-se que eles são pré-históricos como os dinossauros e mudaram pouco. Mas as formas de hoje, como o jacaré, são extremamente especializadas, para uma vida de predação e ambiente semiaquático. Se você observar todos os crocodilomorfos, vai encontrar bichos marinhos e terrestres. Havia uma diversidade muito grande. Nesse sentido eles se diferenciam, os crocodiliformes como um todo são grupos de várias linhagens”, explicou Ruiz.  

Dinossauros, aves e crocodilos pertencem ao grupo de vertebrados conhecido como Archosauria.  Ao abrimos examinarmos as subdivisões do grupo Crocodylomorpha, os crocodilomorfos, que englobam os crocodilos atuais e outros parentes já extintos, nos deparamos com sua história evolutiva, expressa em várias linhagens e ramificações.

 Dentro dos crocodilomorfos, podemos encontrar os crocodiliformes, tradicionalmente conhecido como crocodolianos, que ao se especializarem ainda mais no clado Mesoeucrocodylia dão origem a duas importantes ramificações de subordens: os Eusuchia e os Notosuchia. Os Eusuchia são os únicos crocodilomorfos que existem vivos até hoje. Aqui nesse grupo temos os crocodilos, os jacarés e os gaviais. “Todo o resto dessa grande diversidade do passado foi extinta”, disse o pesquisador.

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O conhecimento a respeito dos Notosuchia é essencial para o mapeamento da vida pré-histórica, pois, ao terem sido bastante comuns no Brasil de 70 milhões de anos atrás, contêm uma das maiores variedades de bichos crocodilomorfos daquele período. 

Embora hoje nos associemos  bichos crocodilomorfos a animais de patas curtas, rosto comprido e hábitos semiaquáticos, os Notosuchia, de maioria terrestre, se irradiavam em uma enorme multiplicidade de formas. A família Baurusuchidae, que contém espécies dos gêneros Baurusuchus e Prestosuchus, era composta por predadores de grande porte, chegando a 3 metros de comprimento, e hipercarnívoros, com dentes que lembravam navalhas de tão afiados.  Já os Peirosauridae abrigavam desde seres de hábitos carnívoros e tamanho médio até algumas semelhantes às de hoje. Haviam também espécies estranhas, com estruturas que lembram chifres, como os Sphagesaurus, e dotadas de carapaças, como os Armadillosuchus, apelidados de Jacaré-Tatu.  

Caipirasuchus attenboroughi 

Pertencente ao gênero Caipirasuchus, a nova espécie é o quinto animal do grupo a ser descoberta . Anteriormente, já haviam sido encontrados o Caipirasuchus paulistanus em Monte Alto, No noroeste paulista; o Caipirasuchus montealtensis, em Monte Alto e em  Catanduva; o Caipirasuchus stenognathus, em General Salgado; e o Caipirasuchus Mineirus, a primeira espécie encontrada fora do Estado de São Paulo. 

Os fósseis de Caipirasuchus attenboroughi também foram descobertos em General Salgado, porém em outra região. Seu nome é uma homenagem ao famoso naturalista documentarista britânico Sir David Attenborough

“Eu sempre fui muito fã do David Attenborough. Desde criança assisto os documentários dele e posso dizer que entrei na biologia em parte pelo que aprendi com  os programas. Quando estava na graduação, pensei: se eu puder dar nome a alguma espécie vou homenageá-lo. Eu sequer sonhava em trabalhar com paleontologia na época”, diz  Ruiz. Para facilitar as referências ao fóssil durante o  trabalho, os pesquisadores o apelidaram de “Davidizinho”. 

A espécie recebeu recebeu a classificação de Caipirasuchus devido a semelhanças com achados prévios. Sua dentição, que indica hábitos herbívoros, tem formato de gota. Os dentes de cima são virados para um lado, enquanto os de baixo possuem direção oposta. Ao entrarem em contato, eles fecham perfeitamente, não sendo afiados o suficiente para cortar carne. Acredita-se que ajudassem na mastigação de matéria vegetal.  

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Essa identificação do fóssil como parte de uma espécie já existente ou de uma inteiramente nova é feita basicamente pela sua análise morfológica, uma vez que ele não possui DNA e a análise molecular é impossível.  É, então, estudado aspectos como o comprimento da mandíbula do bicho em relação ao crânio, formato e disposição dos dentes e várias outras características que podem ser comparadas com outros fósseis previamente estudados. Assim, a partir das semelhanças e diferenças, pode-se concluir a que gênero e espécie pertence o bicho. 

“No caso, uma das características do Caipirasuchus é justamente o formato e disposição da dentição, além da quantidade de dentes e junção dos ossos mandibulares“, explicou.  Esta última, em específico, é uma característica marcante. A do animal mandíbula parece formar um Y. “Só isso já foi suficiente para classificar os fósseis como pertencentes a um Caipirasuchus. O próximo passo foi saber se ele é novo ou já foi descrito. Ou seja, identificar o conjunto de características que fazem com que a gente identifique ele como uma espécie nova”.  

Entre as características únicas do Davidizinho estão a crista desenvolvida na parte de trás de seu crânio do animal e a divergência dos ossos mandibulares após seu encontro. Eles, em vez de ficarem paralelos, continuam divergindo, sendo mais abertos

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Apesar de ainda não poder inferir muita coisa sobre o comportamento do Caipirasuchus attenboroughi, já que os fósseis descobertos consistem em apenas alguns dentes e parte da mandíbula, do palato e da base do crânio, a equipe do Laboratório de Paleontologia e Evolução da UNESP foi capaz de tirar certas conclusões sobre o animal. 

Com a ajuda de outros estudos, sabe-se que o “Davidizinho”, assim como o guaxinim brasileiro, o mão-pelada, era um animal generalista, nem totalmente herbívoro ou hipercarnívoro. De tamanho pequeno, tendo entre 80 cm a, no máximo, 1 metro de comprimento, os Caipirasuchus attenboroughi provavelmente eram vítimas de predadores maiores.  Em 2014, por exemplo, uma equipe da USP de Ribeirão Preto encontrou um fóssil que continha parte do corpo de um Aplestosuchus, membro do grupo Baurusuchidae. Na região da barriga, havia outro fóssil menor que pertencia aos Sphagesauridae, parente do Davidizinho.

“Com apenas o nosso fóssil não é possível saber muitas informações sobre o comportamento, mas quando compilamos tudo que sabemos e temos na literatura científica sobre esses animais, conseguimos traçar melhor como era a dinâmica dessa comunidade”, explicou Ruiz.  

O que essa descoberta do Caipirasuchus attenboroughi significa sobre os estudos de paleontologia?  

Uma das maiores contribuições do artigo para as pesquisas da área é o modo como ela colabora no mapeamento do período cretáceo. Análises sobre idades e distribuição geográfica dos fósseis são de extrema importância para entender como viviam os animais pré-históricos. 

Descobrir uma espécie nova é fundamental para que possamos colocar cada vez mais peças no nosso quebra cabeça. Um ponto muito interessante é o geológico. Fósseis nãos são encontrados em qualquer lugar . Não é possível sair para um passeio, começar a cavar e encontrar material. Existem lugares específicos da superfície terrestre onde, por diversos motivos, as rochas conseguiram ser preservadas ao longo do tempo”. 

Aqui no Brasil, temos a Bacia Bauru, uma grande bacia do período cretáceo data de 120 até 70 milhões de anos atrás. Ela ocupa boa parte do território brasileiro meridional: Paraná, parte do Mato Grosso do Sul e de Goiás, Triângulo Mineiro e praticamente todo o noroeste paulista. A Bacia é dividida em dois grupos: o Caiuá e o grupo Bauru. Estes são subdivididos em formações, como a Formação. Adamantina, pertencente ao grupo Bauru, na qual foram descobertos a maior parte dos animais pré-históricos. Por outro lado, há o grupo Caiuá, pobre em registro de vertebrados. Até então, não havia nenhuma descoberta de crocodilomorfos nesta região. A primeira vez que isso aconteceu foi devido ao Caipirasuchus attenboroughi, encontrado na Formação Santo Anastácio.  

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“Na literatura há uma certa corrente entre os pesquisadores que diz que o grupo Caiuá é muito mais antigo que o Bauru. Ou seja, se descobrimos que o animal é comum tanto na a Formação Adamantina mais recente e como na mais antiga de Santo Anastácio, nós respondemos perguntas não só sobre a sua distribuição geográfica, como sobre a distribuição temporal. Já que não sabemos exatamente o motivo do número desse animais ter explodido aqui, se começarmos a pegar registros mais antigos, é possível traçar melhor a origem dessa diversidade. Por enquanto, é só inferência, mas esperamos que, futuramente com datações melhores, consigamos entender se o grupo Caiuá realmente é mais antigo e quais são as imposições para isso”. 

Além disso, há a importância da descoberta para a pesquisa mundial, algo que pouco se fala aqui no Brasil. A predominância de espécies como o Caipirasuchus attenboroughi acontece, com intensidade menor, em outras partes da América do Sul, na África e também em Madagascar. Então pesquisadores do mundo inteiro tentam encontrar os motivos que levam a esse fenômeno.

 

Publicado em 24/05/2021

Nathalia Giannetti  

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