Notícias

Vacinas inovadoras contra COVID-19 esbarram na escassez de material e pessoal

Empresas enfrentam grandes dificuldades para obter insumos para produzir centenas de milhões de doses de um tipo de vacina que nunca foi produzido nessa escala antes

Testes de antígenos detectam coroas na superfície do SARS-CoV-2. Créditos: Getty Images

Há quase um ano, poucas pessoas fora da comunidade científica e das empresas já tinham ouvido falar da existência das  vacinas de Rna mensageiro, ou mRNA. Hoje, milhões depositam  suas esperanças nessa nova geração de imunizantes  baseados em genes, que possuem um papel central no combate a COVID-19. Mas a falta dos insumos e materiais necessários para a produção poderia gerar uma escassez  generalizada dessas vacinas, dizem alguns cientistas. 

As primeiras doses de vacinas de mRNA para a COVID-19 começaram a chegar a hospitais dos Estados Unidos e de diversos outros países em dezembro. Uma questão que todos estão se fazendo diz respeito à velocidade que as empresas conseguirão expandir sua produção para acompanhar a demanda mundial. Essa é a primeira vez que o uso de vacinas de mRNA foi autorizado fora dos ensaios clínicos. Elas funcionam ativando as próprias células do corpo para que produzam uma proteína viral que é capaz de originar reações imunológicas que combatem a doença. Até agora, os Estados Unidos garantiram a autorização emergencial para duas vacinas, produzidas pela empresas farmacêuticas Pfizer e BioNTech e pela empresa de biotecnologia Moderna, respectivamente, e ambas são baseadas em  mRNA. Uma terceira empresa chamada CureVac, localizada em Tübingen, na Alemanha, atualmente possui uma vacina mRNA que está nos estágios finais dos ensaios clínicos. O governo  Trump chegou a um acordo com a Pfizer no fim de dezembro para fornecer 100 milhões de doses adicionais para os Estados Unidos até o fim de julho, o que é o  dobro da quantidade que o governo solicitou originalmente. Junto com seu parceiro BioNTech, a Pfizer planeja produzir e distribuir 1,3 bilhões de doses ao redor do mundo no próximo ano. E a Moderna pretende produzir entre 500 milhões e 1 bilhão de doses, das quais 200 milhões já foram alocadas para os Estados Unidos. 

++ LEIA MAIS 

Nova mutação do coronavírus detectada no Reino Unido não é motivo para pânico

Vírus da COVID-19 é capaz de entrar no cérebro, indica pesquisa

Alcançar a esses números não será fácil. “Até agora não existem no planeta instalações capazes de produzir vacinas de mRNA nesta escala”, diz Maria Elena Bottazia, virologista da Faculdade Baylor de Medicina e do Hospital das Crianças do Texas, em Houston. A Pfizer e a Moderna estão desenvolvendo redes de abastecimento que possam deixar de atender pedidos em escala clínica e possam operar em grande escala. Mas cada passo no processo de produção necessita de insumos que, antes da COVID-19, só eram produzidos nas quantidades necessárias para atender à pesquisa clínica — “não uma produção contínua de  bilhões de doses”, diz Patrick Boyle, executivo responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento na empresa de sintéticos biológicos Ginkgo Bioworks, localizada em Boston. 

As vacinas de mRNA são criadas utilizando processos químicos muito mais velozes do que vacinas tradicionais, produzidas por versões enfraquecidas dos vírus  criadas em ovos de galinha. Os produtores começam com um sequenciamento digital dos “blocos construtores” genéticos da proteína spike do novo coronavírus, que é a proteína que o patógeno utiliza para invadir as células e infectá-las. Linhas de montagem automatizadas  transformam essa sequência primeiramente em um modelo de DNA e depois na substância que constituirá a vacina de mRNA.  Para proteger o mRNA, que é altamente instável, os produtores de vacina o encapsulam  dentro da nanopartícula de um lipídio óleo que também facilita a captação por células humanas. As células inoculadas passarão produzir  a proteína spike  viral, que se formará em sua superfície. Desta forma, o sistema imunológico pode aprender a reconhecer, o que lhe permitirá combatê-lo  depois. 

De acordo com um relatório feito em novembro pelo Gabinete de Contabilidade do Governo dos Estados Unidos (GAO), a maior parte do material necessário para a produção dessas vacinas está em falta. Durante entrevistas com membros da GOA, os trabalhadores das empresas fabricantes relataram dificuldades para obter  reagentes e certas substâncias químicas, além de frascos de vidros, seringas e outros materiais. Eles também citam a falta de instalações de finalização, onde as doses de vacina são acondicionadas em recipientes estéreis,  e escassez  de funcionários com as habilidades especializadas necessárias para conduzir  os processos de produção de mRNA. Essa escassez de recursos, conclui a GAO, poderia levar a problemas na produção. 

Boyle aponta a polimerase —  um tipo de enzima que converte o DNA em mRNA — e ingredientes utilizados para a produção de lipídios em nanopartículas como algumas das matérias-primas mais essenciais para a produção de vacinas. Ele também diz que os produtores precisam de mais acesso a uma substância rara chamada enzima de cobertura da vaccinia (VCE na sigla em inglês), que ajuda a impedir a degradação do mRNA, e dá a ele uma enganosa semelhança  humana para impedir que ele seja rejeitado pelo sistema de produção de proteínas nas células. A equipe de Boyle calculou que, para produzir os 4,5 quilogramas de VCE que são necessários para a produção de 100 milhões de doses de vacina rMA, o resultado seria uma sobrecarrega da capacidade limite dos bio-reatores (containers utilizados para realizar as reações bioquímicas) e um custo de US$ 1,4 bilhões. Contudo, o preço do VCE devem cair,  conforme os processos de produção e os esforços para aumentar a produção se desenvolvam, diz Boyle.   

O impacto dessa escassez de material foi evidente em novembro, quando a Pfizer e  a BioNTech diminuíram pela metade o número de doses que disseram que poderiam produzir ao redor do mundo em 2020, de 100 milhões para 50 milhões. A Pfizer explicou qual foi o fator que prejudicou  a produção. Mas Tanya Alcorn, vice-presidente da rede de abastecimento global da empresa, reconhece que houve um “pequeno problema de escala no começo do outono”, que ela diz que foi resolvido. “Quando se está desenvolvendo algo nesse ritmo, todos precisam expandir suas atividades  ao mesmo tempo”, diz Alcorn. “Precisamos receber mais de nossos fornecedores, e nossas unidades  precisam otimizar a performance também”. O New York Times noticiou o novo acordo da Pfizer com o governo dos Estados Unidos para garantir um acesso melhor a materiais especializados que não foram divulgados publicamente pela empresa. Mas Alcorn disse a Scientific American que os “novos e especiais  componentes necessários para nanopartículas de lipídios” são um fator limitante. A Moderna não respondeu a pedidos de uma declaração.  

Um fator desconhecido  que interfere na expansão da cadeia produtiva é a duração da proteção proporcionada pela vacina de mRNA. Corey Casper, CEO  do Instituto de Pesquisa de Doenças Infecciosas em Seattle, diz que os especialistas esperavam que as vacinas gerassem uma estimulação dos níveis de anticorpos entre 4 a 10 vezes maior do que a obtida por um processo de infecção natural.  “Isso não aconteceu”, ele diz. “As vacinas mRNA funcionam muito bem: [cerca de] 95% de proteção da doença [em ensaios clínicos]. Mas se os anticorpos caírem rapidamente para uma quantidade que não fornece proteção, então as pessoas precisarão de um reforço”, e para isso seria necessária a produção de mais vacinas. É possível que uma rede mais ampla de células imunológicas, incluindo células T, prolonguem  e sustentem a produção induzida pelo mRNA, mas esse cenário ainda é incerto. 

Felizmente, as vacinas de mRNA não são as únicas em jogo. Outras empresas — como a Johnson & Johnson e a AstraZeneca — estão produzindo vacinas para COVID-19 utilizando abordagens diferentes, e estão em estágios finais de ensaios clínicos. E, idealmente, esses esforços irão contribuir para milhões de novas doses — não apenas para países de alta renda que, até o momento, estão acumulando o suprimento para agora, mas também para países de baixa e média renda. A última categoria inclui 67 países onde somente uma em 10 pessoas pode ser imunizada no próximo ano, de acordo com uma análise feita pela Aliança de Vacinação da População, uma organização que inclui a Anistia Internacional e a Oxfam International. “Já foi dito muitas vezes antes, mas precisamos de muitas possibilidades”, diz Casper. 

Charles Scmidt

Publicado em 4 de janeiro de 2021

Utilizamos cookies essenciais para proporcionar uma melhor experiência. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de privacidade.

Política de privacidade