Uma nova jornada para o Homo sapiens
Novas evidências arqueológicas e a reavaliação de descobertas anteriores fazem pesquisadores retraçarem a jornada do Homo sapiens para fora do continente africado, onde surgiu há mais de 150 mil anos. O clássico modelo Out of Africa, que explica a saída em apenas uma leva, há 50 mil anos, já não mais se sustenta – em vez disso, saímos do continente em muitas migrações, provavelmente antes deste marco.
Em um artigo exclusivo para Scientific American Brasil intitulado “Uma outra jornada para o sapiens”, os pesquisadores Gabriel Rocha e Walter Neves – este conhecido por seu extenso trabalho de divulgação científica e pelo trabalho pioneiro com Luzia, o fóssil mais antigo de H. sapiens encontrado na América do Sul – descrevem essa mudança de perspectiva na arqueologia e paleoantropologia modernas.
Segundo a dupla, tanto evidências genéticas quanto arqueológicas concordam quanto ao surgimento de nossa espécie nas planícies africanas. A data precisa ainda é alvo de constantes debates, pois as datações dos fósseis encontrados não são definitivas, e ainda existe a possibilidade de confundir achados de outras espécies do gênero Homo com a nossa, como é o caso de e Jebel Irhoud 1, crânio encontrado em Marrocos, datado em 315 mil anos.
No entanto, nossa história não fica menos complicado depois do surgimento. De acordo com o modelo Out of Africa, popular até o ano 2000, a única grande leva migratória para fora do continente se deu há 50 mil anos, durante a explosão tecnológica do Paleolítico Superior, a partir do qual fomos substituindo todas as espécies humanas que encontrávamos.
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Já existiam evidências fósseis que colocavam pequenas rachaduras nessa teoria, como Qafzeh e Skull, encontrados em Israel e datados em 100 mil anos. Porém, ela ainda se manteve de pé, explicando a presença do Homo sapiens no Oriente Médio através de uma leva migratória muito pontual. Além disso, o registro fóssil europeu ainda parecia sustentar a teoria, com achados que não passam de 47 mil anos de idade – algo que, em linhas gerais, se mantém até hoje.
Entretanto, com o passar do tempo, as evidências contrárias foram se acumulando. A partir dos anos 2000, o continente asiático revelou uma riqueza de descobertas muito mais antigas do que se esperava: o sítio chinês Liujiang continha Homo sapiens datados em 120 mil anos, ainda que a datação seja questionada. Outro exemplo são fragmentos de mandíbula e dois dentes encontrados em 2010 na caverna de Zhiren, também na China, e datados entre 130 e 100 mil anos. Assim, os autores trazem ainda muitos outros exemplos, mostrando um repertório arqueológico que até hoje continua a ser desvendado.
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Além disso, as evidências vão além de restos humanos. Análises líticas, de técnicas utilizadas para produção de ferramentas, traçam um paralelo entre as produzidas na África e no Oriente Médio há 100 mil anos, ambas associadas ao Homo sapiens. Ademais, o DNA também contribui para derrubar o modelo clássico: antes um dos alicerces do Out of Africa, análises mais precisas do material genético das populações não africanas atuais indicam o início das saídas de seus ancestrais entre 80 e 50 mil anos atrás.
E o DNA também ajuda a derrubar outro aspecto do Out of Africa – de que nossa espécie avançou eliminando todas as outras em seu caminho. Em vez disso, as pesquisas indicam cruzamento (e não substituição) entre sapiens e neandertais há 100 mil anos. As saídas da África antes do marco de 50 mil anos, antes consideradas pontuais, agora se mostram como um levas migratórias importantes na história de nossa espécie, complexificando ainda mais nossa trajetória de dispersão.
Interessado em arqueologia, evolução humana e a jornada do H. sapiens? Então confira o artigo completo de Gabriel Rocha e Walter Neves na edição de maio de 2022 (nº 230) da Scientific American Brasil, disponível em versão digital e impressa, por compra avulsa ou assinatura de 1 ou 2 anos. Acesse a loja!
Publicado em 20/05/2022.