Terra pode ter sido integralmente coberta por água no passado
Hoje, os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra. Porém, é possível que, no passado, todo o nosso planeta estivesse debaixo d’água. É o que sugere estudo publicados este mês na revista AGU Advances.
A Terra possui três camadas geológicas principais: a crosta, da qual faz parte a superfície, o manto, que é a camada imediatamente abaixo, e o núcleo, que é a parte mais interna. Hoje, sabemos que as estruturas do manto podem conter parte do oxigênio e do hidrogênio que compõem a água do planeta. O que fez o grupo de autores do novo estudo, que foi liderado por Junjie Dong, estudante de pós-graduação da Universidade Harvard, foi analisar as condições de pressão e de temperatura que se verificavam no manto da Terra no período entre 4 e 3 bilhões de anos atrás. no passado. À época, a temperatura do manto era quatro vezes superior à que é verificada hoje. “Nossos resultados sugerem que a suposição tradicional de que o volume dos oceanos da superfície permaneceu quase constante ao longo do tempo geológico pode precisar ser reavaliada”, escrevem os autores.
Acredita-se que o subsolo terrestre abrigue grande quantidade de água armazenada na forma de compostos do grupo hidroxila, que são formados por átomos de oxigênio e de hidrogênio. Em particular, a água é armazenada em duas formas de alta pressão do mineral vulcânico olivina, chamadas de wadsleíta hidratada e ringwoodito. Cada amostra de wadsleíta no subsolo pode conter o equivalente a cerca de 3% de H2O em seu peso, e o ringwoodito, em torno de 1%.
Pesquisas anteriores sujeitaram amostras desses minerais às condições de temperatura e pressão que são encontradas atualmente no manto da Terra moderna para identificar essas capacidades de armazenamento. Já Dong e sua equipe buscaram compilar todos os dados disponíveis sobre a física de minerais para quantificar a capacidade de armazenamento de água da wadsleíta e do ringwoodito numa faixa mais ampla de temperaturas.
Os resultados mostraram que, quando submetidos a altas temperaturas, ambos os minerais apresentam queda na capacidade de armazenar água. Uma vez que a Terra primitiva era muito mais quente internamente, isso implica que a capacidade atual do manto para armazenar água seja maior do que antes. Além disso, à medida que, com o tempo, mais minerais de olivina se cristalizam a partir do magma, a capacidade de armazenamento de água também deve ter aumentado.
Embora a equipe tenha adotado uma abordagem conservadora, a análise sugere que a capacidade de armazenamento de água bruta do manto sólido da Terra foi significativamente afetada pelo resfriamento. “A capacidade de armazenamento de água do manto hoje é de 1,86 a 4,41 vezes a massa do oceano da superfície moderna”, escrevem os autores. Porém, durante o Éon arqueano, entre 2,5 e 4 bilhões de anos atrás, essa capacidade era menor. “Descobrimos que a capacidade de armazenamento de água no manto mente primordial pode ter sido menor do que a quantidade de água que o manto da Terra atualmente contém. Logo, a água adicional, que hoje está no manto, teria permanecido na superfície da Terra primitiva, e formado oceanos maiores”, concluem.
Se foi isso o que realmente aconteceu, a descoberta poderia ajudar a responder a perguntas candentes sobre outros aspectos da história da Terra, como, por exemplo, onde a vida surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos. Há um debate sobre se a vida se formou primeiro em oceanos de água salgada ou em lagoas de água doce em áreas secas. Se todo o planeta estivesse coberto por oceanos, o mistério estaria resolvido.
Além disso, a descoberta também pode nos ajudar na busca por vida extraterrestre. As evidências sugerem que os mundos oceânicos são abundantes em nosso Universo. Portanto, procurar assinaturas desses planetas oceânicos pode nos ajudar a identificar mundos potencialmente favoráveis à vida. E poderia fortalecer o argumento para que busquemos por vida em mundos oceânicos do próprio Sistema Solar, como Europa e Encélado.
Publicado em 24/03/2021