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Supostas descobertas de DNA de dinossauro dividem especialistas

Fragmentos de material genético poderiam abrir nova janela para investigação paleontológica, mas ainda se discute a quem eles realmente pertenceram

Esqueleto de Hypacrosaurus – Wikimedia Commons

É um fóssil  pequeno: apenas um fragmento  de cartilagem do crânio de um bebê hadrossauro chamado Hypacrosaurus, que pereceu há mais de 70 milhões de anos. Mas esse fóssil das profundezas da era mesozóica pode conter algo nunca antes visto: os restos degradados do DNA de um dinossauro.

Material genético não consegue perdurar por longos  períodos de tempo. Já após a morte, o DNA começa a decair. As descobertas de um estudo de 2012 mostram que o material genético de um organismo se deteriora numa taxa tão alta que ele perde metade de seu conteúdo  a cada 521 anos. Essa velocidade significaria que os paleontólogos poderiam ter esperança de recuperar sequências de DNA reconhecíveis somente de criaturas que viveram e morreram nos últimos 6,8 milhões de anos – muito depois dos últimos dinossauros não-aviários.

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Mas há a cartilagem do Hypacrosaurus. Em um estudo publicado no início deste ano, a paleontóloga da Academia Chinesa de Ciências Alida Bailleul e seus colegas propuseram haver encontrado naquele fóssil não apenas evidências de proteínas originais e células criadoras de cartilagem, mas uma assinatura química consistente com o DNA.

Conseguir recuperar material genético tão antigo seria um grande feito. A partir do trabalho em criaturas que se extinguiram mais recentemente, tais como mamutes e preguiças gigantes, os paleontólogos foram capazes de revisar árvores genealógicas, explorar a inter-relação das espécies e até obter algumas idéias sobre certas características biológicas, como as variações na coloração. O DNA de dinossauros não-aviários traria grande riqueza de novas informações sobre a biologia dos “terríveis lagartos”. Um feito assim também estabeleceria a possibilidade de que o material genético possa permanecer detectável não apenas por um milhão de anos, mas por dezenas de milhões. O registro fóssil não seria composto apenas de ossos e pegadas: ele passaria a conter fragmentos do registro genético que une toda a vida na Terra.

No entanto, os paleontólogos primeiro precisam confirmar a autenticidade desses supostos traços genéticos. Esses potenciais fragmentos de DNA antigo não tem exatamente a mesma qualidade daquele que aparece no filme Jurassic Park. Na melhor das hipóteses, seus marcadores biológicos parecem ser restos degradados de genes que não podem ser lidos – componentes quebrados, em vez de partes intactas de uma sequência. Mesmo assim, esses potenciais fragmentos  do DNA antigo seriam muito mais antigos (em milhões de anos) do que outros vestígios de material genético degradado conhecidos no registro fóssil.

Se forem confirmadas, as descobertas de Bailleul e seus colegas indicariam que traços bioquímicos de organismos podem perdurar por dezenas de milhões de anos a mais do que se pensava antes. E isso implicaria na existência de todo um mundo de informações biológicas que os estudiosos estão apenas começando a descobrir. “Acho que esse tipo de preservação excepcional é realmente mais comum do que pensamos, porque ainda não examinamos fósseis suficientes”, diz Bailleul. “Nós devemos continuar procurando.”

A questão é saber se essas proteínas e outros traços são realmente o que parecem. Logo após o trabalho de Bailleul – e inspirando-se na controvérsia sobre o que representam as biomoléculas dentro dos ossos de dinossauros – uma outra equipe de pesquisadores, liderada pelo geocientista da Universidade de Princeton, Renxing Liang, informou recentemente ter descoberto  micróbios dentro de um fóssil de Centrosaurus, um dinossauro com chifres de similar idade ao Hipacrosaurus. Os pesquisadores declararam ter desenterrado o DNA dentro do osso, mas esse DNA pertencia a linhagens de bactérias e outros microorganismos que nunca haviam sido vistos anteriormente. O osso possuía seu próprio microbioma, o que poderia gerar  confusão quanto a quem pertenciam as proteínas e o possível material genético, se ao próprio dinossauro ou às bactérias que passaram a residir nele durante o processo de fossilização.

A descoberta de que  fósseis podem abrigar comunidades bacterianas que são diferentes das que podem ser encontradas nas rochas do entorno do fóssil complicam a busca por DNA, proteínas e outras biomoléculas  que tenham pertencido a dinossauros. O material moderno pode ser sobrepor a material antigo, criando uma imagem falsa. “Mesmo que algum vestígio orgânico possa ser preservado”, diz Liang, “os processos de identificação seriam tão desafiadores quanto encontrar uma agulha no palheiro e, portanto, provavelmente levarão a possíveis falsas alegações”.

“No momento, a paleontologia molecular é controversa”, diz Bailleul. O primeiro ponto de discórdia é que para procurar por traços de moléculas biológicas antigas, os pesquisadores usam tecnologias inventadas para buscar por traços  que foram degradados ou alterados durante grandes períodos de tempo. Além disso, ainda há muitos especialistas ignoram sobre como um osso de dinossauro muda, deixando de ser um tecido orgânico que pertencia a um animal vivo para um fóssil endurecido por minerais. “Ainda não descobrimos todos os mecanismos complexos da fossilização molecular através da química. E não sabemos o suficiente sobre os papéis que os micróbios desempenham “, diz Bailleul. Por exemplo, não está claro como os micróbios modernos, que ficam fora dos fósseis, podem interagir com aqueles que vivem dentro dos ossos.

Essas incógnitas, bem como os protocolos que ainda estão em desenvolvimento, alimentam o debate em andamento sobre o que representam os remanescentes biológicos encontrados dentro dos ossos de dinossauros. A pesquisa com a cartilagem do Hypacrosaurus investigou os detalhes microscópicos do objeto e usou substâncias químicas que se ligam ao DNA. Em contraste, o estudo sobre o osso do Centrosaurus utilizou o seqüenciamento de DNA para entender a natureza dos traços genéticos dentro dele, mas não analisou sua microestrutura.

Bailleul reconhece que, no caso do estudo da microbiologia dos ossos dos dinossauros, é importante considerar a existência de  microorganismos anteriormente desconhecidos. Mas crê ser improvável que as bactérias conseguissem penetrar em uma célula de cartilagem e, chegando lá,  imitar o núcleo delas com tal perfeição que conseguiriam confundir os pesquisadores, fazendo-os pensar que se trata de DNA de dinossauro. Mas, “sempre é bom ser o mais cético possível em relação aos seus próprios resultados”, diz o paleogeneticista e autor Ross Barnett, que não esteve envolvido nos dois estudos descritos acima.

Uma das maiores dificuldades no debate em andamento é a falta de replicação, diz Barnett. E a paleogenética já passou por esse problema: na época em que o filme Jurassic Park estreou em 1993, já havia pesquisas anunciando a descoberta de DNA do mesozóico. Essas alegações foram posteriormente  descartadas quando outras equipes de pesquisa não conseguiram replicar os mesmos resultados. Embora a ciência da paleogenética tenha mudado desde então, a necessidade de que vários laboratórios confirmem  o mesmo resultado permanece relevante. “Se um laboratório diferente pudesse , de forma independente, coletar fósseis no mesmo local, trabalhar com seus próprios anticorpos, fazer sua própria análise  e obter os mesmos resultados, isso tornaria as coisas mais confiáveis”, diz Barnett. Essa colaboração ainda precisa ocorrer, nos casos de algumas das supostas afirmações quanto à excepcional preservação  de material dos  dinossauros.

De qualquer modo,  a paleobiologia molecular está desenvolvendo seus padrões para evidências e protocolos, à medida que continua buscando pistas guardadas  em ossos antigos. “Espero que muitos paleontólogos ou biólogos, ou ambos, também estejam tentando fazer isso”, diz Bailleul. “Podemos descobrir as respostas mais rapidamente se todos trabalharmos juntos nisso”.

Mesmo que se conclua que o material orgânico supostamente atribuído aos dinossauros não é real, o esforço ainda pode gerar benefícios inesperados. Pensa-se que as comunidades bacterianas estejam envolvidas na preservação dos ossos e na sua substituição por minerais, colaborando para a fossilização dos restos dos dinossauros. “Futuros estudos sobre o antigo DNA de comunidades microbianas  que viviam dentro dos ossos de dinossauros poderiam lançar mais luz sobre os papéis dos microrganismos na fossilização e na preservação dos ossos ao longo do tempo geológico”, diz Liang.

“Essas são perguntas muito difíceis”, diz Bailleul. “Mas se continuarmos tentando, há esperança de que possamos descobrir a maioria das respostas.” Do modo como estão as coisas agora, não há nada definitivo, nada está escrito em pedra.”

 

 Riley Black

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