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Será que um buraco negro colossal influenciou a evolução da vida na Terra?

Talvez distanciamento do Sol em relação ao superburaco negro que existe no núcleo da Via Láctea tenha sido um elemento essencial para que a vida pudesse surgir em nosso planeta

Ilustração de um buraco negro supermassivo. Imagem: Scott Woods/Western University


Em 1939, Albert Einstein publicou uma pesquisa na revista
Annals of Mathematics argumentando que buracos negros não deveriam existir na natureza. Um quarto de século depois, Maarten Schmidt identificou os quasares como fontes poderosas de luz situadas a imensas distâncias de nós. Durante os anos 1960, de forma independente, Yakov Zel’dovich  e Ed Salpeter descreveram essas fontes enigmáticas, similares a pontos, como buracos negros supermassivos que se alimentam dos gases das galáxias onde eles estão hospedados. Quando o gás flui em direção ao buraco negro, ele faz um movimento de espiral, assim como a água numa pia quando se aproxima do ralo. À medida que o gás acelera, e se aproxima de uma fração da velocidade da luz quando alcança a órbita circular estável mais interna ao redor de um buraco negro, ele se aquece, devido ao atrito consigo mesmo graças à viscosidade em turbulência. 

O resultado é que o seu disco de acreção brilha, irradiando o equivalente a cerca de um décimo de sua massa em repouso, e excedendo em muito  a luminosidade total de todas as estrelas de sua galáxia hospedeira. Quando há muito gás disponível para alimentá-los, os quasares podem se tornar visíveis a nós mesmo que estejam situados nos extremos do Universo visível. Após algumas décadas de estudos,  os astrônomos descobriram que quase toda galáxia hospeda em seu núcleo um buraco negro supermassivo. Durante a maior parte do tempo ele “passa fome”,  mas esporadicamente ele irrompe numa grande explosão luminosa que dura apenas algumas dezenas de milhões de anos. Os quasares se assemelham a um bebê que ataca a comida tão logo ela lhe é servida à mesa, o que o torna extremamente  energizado. 

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E se o hipotético nono planeta for na verdade um buraco negro minúsculo?

Em 2020 o Prêmio Nobel em Física foi atribuído a Andrea Ghez e Reinhard Genzel, por fornecerem evidências conclusivas de que também existe um buraco negro supermassivo no centro de nossa própria galáxia, embora no momento ele esteja “faminto”. Esse monstro, que pesa quatro milhões de vezes o peso do Sol, agora está adormecido, e é identificado como a fraca fonte de ondas de rádio  Sagitário A (nome abreviado como SgrA). Essa fonte hoje  é bilhões de vezes mais fraca, em comparação ao tempo em que era um quasar com muito alimento disponível. 

Mesmo que  SgrA esteja fraco no momento, nós temos pistas de que no passado ele deve ter tido uma alimentação farta à disposição. Isso não nos surpreende, dado que uma nuvem de gás que eventualmente se aproximasse do centro da galáxia, ou uma estrela que passasse a uma distância aproximadamente  igual à que separa a Terra do Sol), seriam destruídos  à  forte força gravitacional, formando uma corrente gasosa capaz de disparar uma explosão de energia semelhante à gerada por um quasar.  

As principais evidências  que temos de que houve  episódios recentes em que  SgrA* se alimentou de  quantidades massivas de gás é que observamos  estrelas jovens ao redor da órbita de SgrA* movimentando-se em certos planos específicos. Isso implica que essas estrelas se formaram a partir de antigos discos de gás, assim como ocorreu com os planetas que estão no no plano do Sistema Solar, ou com as estrelas no disco da Via Láctea. Como a idade das estrelas próximas a SgrA*é menos de 1%  da idade  da Via Láctea, devem ter ocorrido centenas de episódios importantes de acreção , a partir da ruptura de nuvens de gás situadas ao redor da SgrA*, tomando-se por base o chamado  princípio copernicano  de que não há nada de  especial no tempo presente. De fato, um par de bolhas gigantes de gás quente, chamadas de bolhas Fermi, são observadas quando emanadas a partir do centro Galático ao longo do eixo de rotação da Via Láctea, o que sugere que houve um episódio recente de acreção ao redor da SgrA* que talvez tenha alimentado o buraco negro. Cálculos teóricos sugerem que, além da ruptura de nuvens gasosas massivas, há estrelas individuais situadas nas vizinhanças de um buraco negro, e a cada dez milhões de anos uma delas é destruída pela ação da gravidade.  Uma “alimentação” intensa, proporcionada pelos detritos remanescentes, poderia causar os feixes de energia mais intensos do SgrA*. Realmente, eventos semelhantes de destruição de estrelas por forças gravitacionais  são observados em outras galáxias, na taxa esperada. 

Esses feixes resultantes do SgrA* teriam alguma implicação para a vida na Terra? A princípio seria possível. Afinal, eles contém Raios-X e  raios ultravioleta (XUV), cuja radiação é  perigosa. Em colaboração com meu ex-orientando de pós-doutorado, John Forbes, nós mostramos em 2018 que a radiação XUV emitida em  tais feixes possui a capacidade de evaporar as atmosferas de Marte ou da Terra, caso o sistema Solar estivesse dez vezes mais próximo do centro da Via Láctea. Mas, mesmo em distâncias maiores, a radiação XUV poderia suprimir o crescimento da vida complexa, criando um efeito parecido com pisar na grama para impedir que ela cresça.  

Na atual localização do Sol, a vida terrestre está segura dos feixes de XUV da SgrA*. Entretanto, estudos recentes indicam que o local de nascimento do Sol pode ter sido significativamente mais próximo do centro da galáxia,  e que o Sol migrou para sua localização atual através de “empurrões”  gravitacionais. A exposição passada a feixes de XUV da SgrA* em distâncias mais próximas poderia prejudicar a vida complexa durante a evolução inicial da Terra. Isso poderia explicar o porquê dos níveis de oxigênio na atmosfera da Terra terem levado dois bilhões de anos para atingir seus valores atuais, talvez somente depois que a  Terra estivesse suficientemente distante  da SgrA*. Em colaboração com Manasvi Lingman, estou atualmente explorando essa possível conexão entre a vida terrestre e a migração do Sol para longe do centro da galáxia.  

Tradicionalmente, acreditava-se que o Sol é a única fonte astronômica de luz que afetou a vida na Terra. Mas também é possível que o buraco negro o SgrA* tenha desempenhado um papel importante para moldar a história de vida terrestre. Uma constatação assim surpreendente seria o equivalente a  descobrir  que um estranho poderia ter impactado a história da sua família antes que você tivesse  nascido. Se for possível estabelecer uma ligação entre o SgrA* e a vida na Terra,  então esse buraco negro supermassivo poderá ser a fonte de  um segundo Prêmio Nobel. 

  Avi Loeb

Publicado em 05/02/2021

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