Regularidade de pulsos de ondas de rádio de altíssima energia vindos do espaço intriga astrônomos
Uma série de rajadas e repetitivas de ondas de rádio, vindas de uma fonte desconhecida situada a 500 milhões de anos-luz de distância, está intrigando os astrônomos. As rajadas rápidas de rádio (FRBs, na sigla em inglês) são feixes curtos e intensos de ondas de rádio que imagina-se serem produtos de objetos pequenos, distantes e extremamente densos — apesar de que ainda não saiba com precisão que tipo de objeto é exatamente esse. Os FRBs geralmente duram alguns milisegundos, durante os quais seu brilho pode ser superior ao de galáxias inteiras.
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Desde quando o primeiro FRB foi observado, em 2007, os astrônomos já catalogaram mais de 100 desses eventos vindos de fontes distantes fora de nossa própria galáxia e espalhadas pelo Universo. Na maior parte dos casos, essas detecções aconteceram apenas uma vez, onde os FRBs apareciam muito rapidamente e desapareciam por completo. Em poucos casos os astrônomos observaram FRBs vindo diversas vezes da mesma fonte, mas sem nenhum padrão reconhecível.
Essa nova fonte de FRB, que a equipe batizou como FRB 180916.J0158+65, é a primeira a produzir um padrão periódico e cíclico de rajadas rápidas de rádio. O padrão começa com uma janela com ruídos altos de quatro dias, durante o qual a fonte transmite rajadas aleatórias de ondas de rádio, seguido de um período de 12 dias de silêncio.
Os astrônomos observaram que esse padrão de FRBs de 16 dias ocorreram de forma consistente durante 500 dias de observação. “Essas FRBs que estamos relatando são como um relógio”, diz Kiyoshi Masui, professora assistente de física no Instituto Kavli para Astrofísica e Pesquisa Espacial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “É o padrão mais definido que nós já conseguimos observar em uma fonte deste tipo. E é uma grande pista que podemos utilizar para investigar a física por trás desses feixes claros, que ninguém consegue realmente entender”.
Masui é parte da colaboração CHIME/FRB, um grupo com mais de 50 cientistas liderados pela Universidade de British Columbia, Universidade McGill, Universidade de Toronto e o Conselho de Pesquisa Nacional do Canadá, que opera e analisa dados do Experimento de Mapeamento da Intensidade de Hidrogênio Canadense, ou CHIME, um telescópio de rádio na Colúmbia Britânica que foi o primeiro a captar sinais da nova fonte periódica de FRB.
A Colaboração CHIME/FRB publicou os detalhes da nova observação no dia 17 de junho na revista Nature.
Uma vista de rádio
Em 2017, o CHIME foi construído no Observatório de Astrofísica de Domínio de Rádio na Colúmbia Britânica, onde rapidamente começou a detectar FRBs vindos de galáxias pelo Universo, situadas a bilhões de anos luz da Terra.
O CHIME consiste de quatro antenas grandes, cada uma com o tamanho e o formato de uma rampa de snowboarding e foi projetada com nenhuma parte móvel. Ao invés de girar para focar em partes diferentes do céu, o CHIME encara fixamente o céu inteiro, utilizando processamento de sinal digital para localizar a região do espaço onde origina-se as ondas de rádio chegando.
Entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2020, o CHIME localizou 38 eventos de FRB vindos de uma única fonte, a FRB 180916.J0158+65, a qual os astrônomos localizaram num berçário de estrelas nos arredores de uma grande galáxia espiral, 500 milhões de anos luz da Terra. É a fonte de FRB mais ativa que o CHIME já detectou, e até recentemente, era a fonte de FRBs mais próxima da Terra.
Conforme os pesquisadores traçaram cada uma das 38 rajadas com o tempo, um padrão começou a emergir: uma ou duas rajadas ocorreriam em um período de quatro dias, seguido de um período de 12 dias sem nenhuma rajada: após isso o padrão se repete. Esse ciclo de 16 dias se repetiu pelos 500 dias em que se observou a fonte.
“Essas rajadas periódicas são algo que nós nunca vimos antes, e são um novo fenômeno na astrofísica”, diz Masui.
Cenários circulares
Ainda não se sabe exatamente qual é o fenômeno por trás desse novo “ritmo” extragaláctico. Apesar disso, a equipe explora algumas ideias em sua nova pesquisa. Uma possibilidade é que as FRBs sejam provenientes de um único objeto compacto, se este objeto estiver oscilando e fazendo um movimento de rotação, um fenômeno astrofísico conhecido com precessão. partindo do princípio de que as ondas de rádio estejam emanando de um lugar fico no objeto, se este objeto estiver girando ao longo de um eixo e este eixo só aponta na direção da Terra durante 4 dias em um período de 16 dias, então nós veríamos as ondas de rádio como rajadas periódicas.
Outra possibilidade envolve um sistema binário, como uma estrela de nêutrons orbitando outra estrela de nêutrons ou um buraco negro. Se a primeira estrela de nêutrons emite ondas de rádio, e está em uma órbita excêntrica que brevemente se aproxima do segundo objeto, as forças de maré entre os dois objetos poderiam ser fortes o suficiente para fazer com que a primeira estrela de nêutrons se deforme e solte uma rajada brevemente, antes de se esconder. Esse padrão se repetiria quando a estrela de nêutrons passasse novamente por este ponto da órbita.
Os pesquisadores consideraram um terceiro cenário, envolvendo uma fonte emissora de rádio que circula uma estrela central. Se a estrela emitir um vento, ou uma nuvem de gás, então toda vez que a fonte atravessasse a nuvem, o gás da nuvem poderia periodicamente amplificar as emissões de rádio da fonte.
“Talvez a fonte esteja sempre enviando essas rajadas, mas nós apenas as observamos quando estão passando por essas nuvens, porque as nuvens atuam como lentes”, diz Masui.
Talvez a possibilidade mais empolgante seja a ideia de que essa nova FRB, e mesmo aquelas que não são periódicas ou que estejam se repetindo, podem se originar a partir de um magnetar — um tipo de estrela de nêutrons que se acredita possuírem terem um campo magnético extremamente poderoso. As particularidades dos magnetares ainda são misteriosas, mas os astrônomos já observaram que elas podem ocasionalmente liberar quantidades grandes de radiação em diversos comprimentos do espectro eletromagnético, incluindo energia na faixa de rádio.
“As pessoas vem trabalhando para entender como que essas magnetares emitem rajadas rápidas de rádio, e essa periodicidade que nós observamos também está envolvida nesses modelos para entender como tudo isso se encaixa”, diz Masui.
Muito recentemente, o mesmo grupo realizou uma nova observação que apoia a ideia de que os magnetares podem de fato ser uma fonte viável para rajadas rápidas de rádio. No fim de Abril, o CHIME localizou um sinal que parecia com um FRB, a partir de uma magnetar situado a aproximadamente 30 mil anos luz da Terra. Se o sinal for confirmado, seria o primeiro FRB detectado dentro de nossa própria galáxia, assim como a evidência mais forte de que os magnetares podem ser a fonte dessas faíscas cósmicas misteriosas.
Instituto de Tecnologia de Massachusetts – MIT
Publicado em 24/06/2020