Produção de estrutura semelhante a embrião a partir de células-tronco pode oferecer alternativa a testes em animais

Imagem mostra corpo embrióides formado de células de rato. As células-tronco foram marcadas de verde, as vermelhas indicam os trechos se diferenciando em placenta e o branco a diferenciação em membrana. Crédito © Photo: Jan Langkabel/University of Bonn
Cientistas descobriram um novo método para criar estruturas semelhantes e embriões em um estudo utilizando células de ratos. Essas estruturas, conhecidas como “corpos embrióides”, são aglomerados esféricos de células-tronco que se comportam de forma semelhante a embriões reais em desenvolvimento e, portanto, poderiam ser utilizados para substituir animais em testes relacionados à fertilidade e à malformação de órgãos.
Apesar dos avanços nos estudos de células-tronco, o desenvolvimento de seres multicelulares como os humanos ainda é pouco compreendido. As bilhões de células de um adulto são geneticamente idênticas ao zigoto — a primeira célula fecundada — que o originou. Assim, a princípio, deveriam ter as mesmas capacidades — mas não é o que ocorre.
Conforme o embrião de qualquer animal se desenvolve, as células que antes poderiam se transformar em qualquer outro tecido (células-tronco totipotentes) passam a se “diferenciar”, ou se especializar em um tipo celular presente em adultos. Neurônios, músculos, órgãos, etc são exemplos desses tipos. Este processo ao mesmo tempo permite com que elas se tornem úteis e desempenhem funções complexas, mas também as faz perder a flexibilidade de se tornar qualquer tecido a partir dos sinais químicos que recebe. A explicação para essa perda na flexibilidade é a ativação de certos programas genéticos, que colocam as células do embrião em um caminho de desenvolvimento sem volta.
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Para que esse processo ocorra sem problemas, é necessária muita coordenação interna. O que antes era um conjunto de células-tronco precisa formar olhos, braços e pernas, órgãos internos, o sistema nervoso e muitas outras estruturas todas no lugar certo em relação umas às outras. E não há um coordenador geral que as oriente nesse processo. “O desenvolvimento de embriões é em grande parte baseado na auto-organização”, explica Hubert Schorle, coautor do estudo e professor do Instituto de Patologias na Universidade de Bonn. “Cada célula libera substâncias químicas mensageiras ao seu redor, ajudando a determinar o destino de suas vizinhas”. A melhor analogia seria uma orquestra sem maestro: os músicos tentam apenas acompanhar uns aos outros, de forma independente.
As células-tronco do estudo
É justamente esse complicado processo que o estudo, publicado no periódico Nature Communications, ajuda a compreender. Os pesquisadores trabalharam com células-tronco embrionárias (pluripotentes) de ratos, um tipo intermediário de células-tronco: não são tão flexíveis quanto as totipotentes características do início do desenvolvimento do embrião, nem são tão diferenciadas quanto as células-tronco multipotentes — presentes em adultos e capazes de tornar-se apenas células do tecido do qual se originaram.
Essas células-tronco embrionárias (ou células ES, na sigla em inglês) podem se tornar diversos outros tecidos, mas nem todos. Schorle destaca que elas não podem formar nem a membrana que envolve o embrião, nem a parte da placenta gerada por ele. Essas estruturas, chamadas de “tecidos extraembrionários” vêm apenas de células-tronco totipotentes. Ao contrário das células ES, as totipotentes deixam de existir rapidamente com o crescimento, e não há meios de reverter células diferenciadas para este estágio inicial.
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Portanto, ao reunir um grupo de células ES, elas não serão capazes de funcionar como um embrião. Elas estão muito diferenciadas para isso, e não poderão formar os tecidos extraembrionários, essenciais para o desenvolvimento. Mas há uma alternativa: “nós modificamos geneticamente algumas células ES no nosso estudo”, explica Jan Langkabel, colega de Schorle e coautor do trabalho. Ele é pesquisador no Centro Alemão de Doenças Degenerativas e no Instituto LIMES da Universidade de Bonn. “Depois disso, algumas células ES foram capazes de formar a membrana, e outras puderam formar a parte embrionária da placenta”, explica ele.
Em seguida, os pesquisadores juntaram os dois grupos de células ES modificadas (mas ainda não diferenciadas) com as células ES originais. A partir daí, elas puderam se organizar de forma independente, de forma semelhante a um embrião, se diferenciando até formar um corpo embrióide. “Ele se parecia com um embrião de rato de 5 dias de vida,” afirma Horne. “Portanto, a mistura desordenada de três tipos celulares evoluiu em uma estrutura rigorosamente ordenada, muito parecida com uma que emerge normalmente de um zigoto”.
A atividade genética dos embriões confirmou essa conclusão. Os grupos diferenciados de células do corpo embrióide possuíam um comportamento semelhante ao que se esperava das células correspondentes em um embrião.
Um possível substituto para testes em animais?
Produzir corpos embrióides que se comportassem dessa maneira já era possível. Mas o processo era muito mais trabalhoso, caro e demorado. Ele consistia em cultivar diversas linhagens de células ES, orientando-as para formar cada uma das estruturas necessárias. Estas, por sua vez, eram posteriormente “montadas” para formá-lo.
Agora, ao utilizar as capacidades de auto-organização e coordenação das próprias células, o procedimento é muito mais simples. “Nós trabalhamos em apenas uma cultura”, explica Schorle. “Então ligamos o ‘programa’ da placenta depois de um certo tempo em uma parte das células, e o da membrana em outra parte. O resto apenas acontece, do jeito que está e por si mesmo, através da auto-organização”.
O próximo passo dos pesquisadores é tentar fazer o mesmo processo, mas com células de macacos. Como a sua produção é muito mais fácil, se o projeto for bem-sucedido, eles poderiam oferecer alternativas aos experimentos em animais, especialmente em testes de toxicidade. Se a substância é tóxica para o corpo embrióide ou lhe causa alguma má formação, ela deve fazer o mesmo com embriões reais. “O uso destes embrióides poderia substituir ao menos alguns desses”, afirma Schultze.
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