Principal especialista em doenças infecciosas dos EUA explica como acabar com a pandemia de COVID-19
Anthony Fauci liderou o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas durante 36 anos, e enfrentou uma sucessão de epidemias virais: HIV/AIDS, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), Ebola e Zika, entre outras. O Presidente eleito, Joe Biden, recentemente apontou Fauci como seu conselheiro médico chefe. Uma das vozes da razão na força tarefa para o novo coronavírus na administração de Trump, o médico falou com a Scientific American sobre os próximos passos na resposta à pandemia de COVID-19. Durante a discussão, Fauci ressaltou uma carência importante nas opções de tratamento para pessoas infectadas recentemente; mais medicamentos antivirais ainda são necessários para tratar casos iniciais da doença. Se bem-sucedidos, esses medicamentos poderiam ser usados para debelar, no futuro, outros surtos causados por coronavírus emergentes.
[ Segue uma transcrição editada da entrevista]
As infecções pelo novo coronavírus estão ocorrendo em quantidade exponencial. Ainda podemos controlá-las?
Sim, com certeza. Eu digo isso todos os dias. Se nós, de maneira uniforme por todo o país, implementarmos diretrizes de saúde pública — o uso de máscaras, manter o distanciamento social, evitar situações de aglomeração, fazer atividades ao ar livre mais do que em locais fechados, e lavar as mãos com frequência — eu acredito que veremos um efeito. Sabemos por experiências anteriores que estados, cidades ou países que adotaram essas práticas sempre conseguiram mitigar o crescimento de curvas tão ascendentes quanto essa.
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Quais suas prioridades a curto-prazo para 2021?
Elas passam por tudo que eu venho falando desde o começo: controlar o surto através da adesão uniforme a medidas fundamentais de saúde pública e seguir com o desenvolvimento e a implementação de um programa de vacinação. Eu acredito que as vacinas, que logo estarão disponíveis, em conjunto com medidas de saúde pública, serão o mecanismo que porá um fim a esse surto.
Quais as suas principais preocupações com a distribuição da vacina?
Esperamos vacinar a grande maioria das pessoas desse país. A logística está a cargo da Operação Warp Speed e do general Gustave Perna (oficial chefe de operações da Operação Warp Speed), e serão usados caminhões, trens, aviões e qualquer meio necessário para que a vacina chegue aonde for preciso. Mas, a partir daí, as equipes locais de saúde pública precisarão da capacidade e dos recursos para distribuir a vacina de forma igualitária. Será uma tarefa difícil vacinar mais de 300 milhões de pessoas, um projeto muito extraordinário.
Você imagina que as grandes aglomerações de pessoas possam ser autorizadas apenas para pessoas que já foram vacinadas?
Eu não quero tomar essa decisão agora. As decisões relativas a diretrizes serão adotadas depois que o programa de vacinas esteja em andamento, e provavelmente farei parte dessa discussão.
Você acredita que medicamentos para casos iniciais de COVID-19 serão necessários agora que a vacina está chegando? E se sim, por que?
Com certeza. Muitas pessoas ainda ficarão doentes até que consigamos um nível de imunidade de rebanho com a vacina para basicamente eliminar essa doença. Até lá, precisaremos de medicamentos para cada estágio da doença: inicial, intermediário e final. Esses medicamentos também podem ser utilizados contra outras pandemias causadas por coronavírus. Lembre-se, essa é a terceira pandemia de coronavírus com que estamos lidando nos últimos 18 anos. Começou com o surto de SARS em 2002, depois houve a MERS [Síndrome Respiratória do Oriente Médio] em 2012, e agora a COVID-19.
Quais tipos de medicamentos parecem promissores para os estágios iniciais da Covid-19?
Minha preferência absoluta é para agentes antivirais que atuam diretamente, que podem ser administrados oralmente. Nós poderíamos ministrar esses medicamentos, provavelmente em combinações, por cinco ou seis dias, ou uma semana, para suprimir quase completamente o vírus. Para mim, essa é a principal prioridade.
E um medicamento de espectro amplo contra doenças virais, quase como um antibiótico?
Se você está falando de um antiviral que proteja contra todas as viroses, então eu acho que ainda estamos muito longe disso. Mas poderia existir um antiviral de amplo espectro que seja bom contra todos os tipos de coronavírus. E talvez outro medicamento que funcione para outra família de vírus. Um antiviral que funciona contra qualquer forma de coronavírus seria altamente desejado. Se conseguirmos nos livrar da perspectiva de outra pandemia por um coronavírus emergente, seria um grande avanço.
Quais medidas os Estados Unidos devem seguir para prevenir a próxima pandemia?
Achávamos que estaríamos preparados antes dessa pandemia, e obviamente, houve muito mais sofrimento, infecções e mortes do que havíamos antecipado. Então precisamos melhorar. Precisamos de uma interconectividade global, uma agenda de segurança de saúde global, recursos adequados e ciência. Uma parte da preparação contra pandemias que foi bem sucedida, e eu acredito que devemos reconhecer isso, foi o investimento nas tecnologias que agora estão disponíveis no campo da vacinologia que nos permitiram identificar um novo vírus em janeiro e ter uma vacina pronta para ser administrada para as pessoas em menos de um ano. Esse é um ritmo de avanço científico que seria inimaginável 10 anos atrás. A implementação de algumas medidas de saúde pública obviamente não foram tão bem sucedidas.
O país esteve tão dividido. Você acredita que podemos superar nossas diferenças para enfrentar a pandemia no próximo ano?
Eu não tenho uma resposta fácil para isso porque claramente existe um grau considerável de divisão na sociedade. Eu acredito que unir as pessoas será um desafio para a nova administração. Eu espero que consigam fazer isso, porque quando se trata de saúde pública, todos precisam estar juntos.
Você tem planos para uma autobiografia quando a pandemia acabar?
[Risadas] Se eu tenho plano de autobiografia? Sim, mas estou muito ocupado no momento, eu não consigo nem dormir! Então acho que isso terá de esperar.
Charles Schmidt
Publicado em 16/12/2020