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Primeiro helicóptero espacial está pronto para iniciar jornada até Marte

O Ingenuity será o primeiro veículo com propulsão a percorrer os céus de um mundo alienígena

Os membros da equipe inspecionam o Ingenuity, um helicóptero que será enviado para Marte, durante testes dentro de uma câmara de vácuo no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA em fevereiro de 2019. Crédito: NASA / JPL-Caltech

O Perseverance, um jipe robô (ou rover) que tem o tamanho de um carro SUV e que será lançado ao espaço esta semana, terá um ajudante: um helicóptero esbelto, de quase dois quilos, dotado de quatro lâminas com 120 centímetros de comprimento que são leves como penas. Esse aparelho tentará realizar o primeiro voo autopropulsado em outro planeta, uma inovação que poderá ter impactos no modo como exploramos o espaço profundo. 

Se tudo ocorrer como planejado, depois que o rover Perseverance pousar no interior da cratera Jezero, no início de 2021, o primeiro passo da missão Marte 2020 será a liberação do helicóptero, que está guardado dentro do jipe robô. Construído como plataforma de testes para a tecnologia, o drone, denominado Ingenuity, tentará realizar cinco vôos sustentados no fino ar marciano, que possui menos de 1% da densidade da atmosfera da Terra. 

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Esses voos serão rápidos, cada um durando cerca de 90 segundos desde a decolagem até a aterrissagem, o que corresponde à duração da bateria do Ingenuity. Para dar impulso, suas lâminas vão precisar girar a cerca de 2800 revoluções por minuto — dez vezes mais rápido do que um helicóptero na Terra — de forma que cada voo vai requerer uma potência total de 350 watts. As baterias de energia solar precisarão de um dia marciano inteiro (um pouco mais que um dia terrestre) para se recarregarem entre vôos. O pico de altitude da nave será somente de cerca de 5 metros, mas as condições que irá enfrentar nestas condições serão comparáveis aquelas encontradas a cerca de 30 quilômetros de altitude na Terra, o que é mais do que o dobro da maior altitude já alcançada por qualquer helicóptero.

 O planejamento dessa aventura teve início  mais de seis anos atrás, na divisão de sistemas autônomos do Jet Propulsion Laboratory (JPL), da Nasa, que pesquisa inovações para o campo da exploração espacial. A equipe, liderada pela engenheira MiMi Aung, recebeu o desafio de criar um veículo voador que funcione no planeta vermelho. 

Se a máquina for bem-sucedida,  ela  levaria  instrumentos científicos capazes de avaliar quais lugares os rovers podem visitar ou não, tais como escarpas de gelo expostas nas laterais de falésias ou nas paredes internas  de crateras. A aeronave poderia carregar câmeras para caçar novas  localizações a serem exploradas por  rovers futuros — e, um dia, por astronautas. Isso permitiria a obtenção de  imagens muito mais detalhadas do que as que possuímos atualmente. “Imagine possuir imagens de possíveis destinos com uma resolução a nível de centímetros”, diz Aung. 

Ideias para futuros drones  incluem enxames de naves capazes de  voarem juntas e trabalharem cooperativamente, ou um drone maior,  que poderia viajar sozinho de uma região para outra, o que permitiria  um novo tipo de exploração. O JPL está estudando projetos de helicópteros que pesariam até 15 quilos, capazes de  carregar cargas de até 1,5 quilo. A Nasa também está desenvolvendo uma missão mais ambiciosa baseada em helicópteros, chamada Dragonfly, para explorar a rica química orgânica existente na maior lua de Saturno, Titã.  O satélite natural possui uma atmosfera densa e lagos e rios de metano líquido que correm debaixo de uma atmosfera densa feita de hidrocarbonetos, além de um oceano subterrâneo, o que faz dele um mundo promissor na busca por vida alienígena. 

 “O que realmente mudou nos últimos anos foi a revolução dos drones, o salto tecnológico que eles tiveram”, diz a cientista planetária Elizabeth Turtle, investigadora chefe  do Dragonfly  no Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins. “Quando estávamos tentando desenhar  missões que fossem capazes de  explorar Titã, percebemos que agora temos todos os meios para isso.” 

Mas, primeiro, será preciso provar que é possível fazer um vôo sustentado em Marte. E esse é o único objetivo da missão Ingenuity , que vai custar 85 milhões de dólares. 

O helicóptero é um pequeno,  com exceção de suas quatro lâminas de fibras de carbono, dispostas em dois rotores que giram em sentidos opostos e que se sustenta em quatro pernas, cada uma com 38 centímetros de comprimento. O drone  carrega equipamentos de aviação e de comunicação, uma câmera de navegação, um único painel solar e baterias recarregáveis de íons de lítio — além de aquecedores para manter os componentes eletrônicos aquecidos  durante as noites frias  de Marte. Não existem instrumentos científicos a bordo; apenas um instrumento para conseguir imagens em alta resolução. 

O desenvolvimento do helicóptero demandou  inovação em todos os aspectos da engenharia aeroespacial — térmica, mecânica, estrutural, de energia, e por aí vai. “Nós tivemos que avançar em todas as áreas”, diz Aung. “ 

O Ingenuity irá se movimentar por Marte junto ao rover Perseverance e protegido por um escudo para protegê-lo de detritos que possam atingi-lo durante a descida à superfície do planeta. O lançamento está marcado para o dia 30 de julho entre as 8:50 e 10:50 da manhã no horário de Brasília, na Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral na Flórida. Espera-se que o Perseverance pouse em Marte em 18 de fevereiro de 2021. 

  Quando o rover começar a transmitir dados que permitirão que os cientistas analisem a Cratera Jezero, o local para a quinta e mais ambiciosa missão em Marte, Aung e sua equipe irão definir um quadrado de 10 metros de lado para ser o campo experimental para os testes de vôo do Ingenuity, que estão marcados para começarem em Maio. 

 O Ingenuity não será a primeira espaçonave a voar na atmosfera de outro planeta. Esse feito coube a um par de balões que viajaram pelos céus de Vênus, em 1985, que coletaram dados climáticos como parte das missões Vega da era soviética. Mas o Ingenuity será o primeiro a tentar um vôo sustentado em outro planeta, um momento de inovação para o século 21. 

Após deixar o helicóptero, o Perseverance irá recuar pelo menos 91 metros de distância — o suficiente para evitar ser atingido caso Ingenuity caia, mas próximo o suficiente para comunicações em rádio. Seus cinco voos irão ocorrer durante um período de 30 dias marcianos, após isso, o rover se voltará a sua missão principal: avaliar a habilidade da Cratera Jezero e captar amostras de rochas e solos que possam conter microfósseis ou outra evidência de microorganismos antigos. 

Durante o teste final, o Ingenuity poderia voar até 45 metros de altura, talvez atingindo sua altitude máxima antes de retornar a seu ponto de partida. “Como ele é um desbravador, não temos um sistema para detectar e evitar ameaças”, diz Aung. “Isso seria essencial para futuros helicópteros, porque logo antes de pousar, você gostaria de um mapa tridimensional com elevação digital para conseguir evitar qualquer ameaça”. 

O primeiro teste de vôo em Marte será o mais importante, porque irá replicar outro conduzido anteriormente dentro de uma câmera de vácuo no JPL. “Ele decola, faz  um vôo lateral modesto, volta e pousa” diz Aung. “É extremamente importante, porque isso vai confirmar todos os nossos modelos — todos os testes que fizemos na Terra”. 

  Após esse batismo, os voos de Ingenuity devem ficar um pouco mais ousados, e a aeronave deve chegar  mais alto e mais longe, lateralmente, antes de retornar para pousar. “Há um ditado na comunicação da aviação de que a única coisa mais empolgante do que decolar uma aeronave é pousar com ela novamente”, diz Håvard Grip, piloto principal do Ingenuity. “Eu acredito que esse é o caso aqui”. 

O Ingenuity é uma das três plataformas de demonstração tecnológica planejadas para a missão Marte 2020. A segunda é um sistema autônomo de navegação para evitar ameaças que o Perseverance utilizará durante seu pouso na Cratera Jezero de 45 quilômetros de comprimento. E a terceira é um instrumento chamado Mars Oxygen In-Situ Resource Utilization Experiment (MOXIE), que tentará converter dióxido de carbono da atmosfera em oxigênio, um recurso para missões humanas futuras em Marte. 

Irene Klotz

Publicado em 28/07/2020