Pela primeira vez, cientistas detectam radiação vinda de trás de um buraco negro
Enquanto observava os raios-X lançados por um buraco negro supermassivo que está no centro de uma galáxia a 800 milhões de anos-luz de distância, o astrofísico da Universidade de Stanford Dan Wilkins percebeu um padrão intrigante. Após terem observado uma série de clarões de raios-X, os telescópios registraram algo inesperado: flashes adicionais de raios-X que eram menores e apresentavam “cores” diferentes dos clarões anteriores.
Segundo as previsões teóricas, estes “ecos” de radiação poderiam ser raios-X que foram refletidos pela parte de trás de um buraco negro. Porém, o conhecimento que temos sobre certas propriedades desses imensos objetos sugere que tal tipo de reflexão seria algo muito pouco provável de acontecer. “Qualquer luz que entra em um buraco negro não volta. Então não deveríamos ser capazes de ver algo por trás dele”, explicou Wilkins. Ele é um cientista pesquisador do Instituto Kavli para Astrofísica de Partículas e Cosmologia em Stanford e do SLAC National Accelerator Laboratory.
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No entanto, há outra estranha característica que poderia possibilitar a observação. ” Nós podemos ver os clarões porque aquele buraco negro está distorcendo o espaço, dobrando a luz e torcendo os campos magnéticos em torno de si mesmo”, explica o astrônomo.
A descoberta foi detalhada em um artigo publicado em 28 de julho na revista Nature. Trata-se da primeira observação direta da luz vinda de trás de um buraco negro, um cenário previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein, mas que, até o momento, não havia sido confirmado.
“Há cinquenta anos, quando os astrofísicos começaram a especular sobre como um campo magnético poderia se comportar perto de um buraco negro, eles não tinham ideia de que um dia poderíamos possuir as técnicas necessárias para observar isso diretamente e ver a teoria geral da relatividade de Einstein em ação”, disse Roger Blandford, coautor do artigo e professor de física de partículas.
Como observar um buraco negro
A motivação original da pesquisa era aprender mais sobre uma característica misteriosa de certos buracos negros: a chamada corona. O material que cai em um buraco negro supermassivo alimenta as fontes de luz contínuas mais brilhantes do universo e, dessa maneira, acaba formando uma corona ao redor do buraco negro. Essa luz – que é a luz de raios-X – pode ser analisada para mapear e caracterizar um buraco negro.
De acordo com a teoria mais aceita para explicar o fenômeno, a corona começa a se formar com o gás que está entrando no buraco negro, onde ele superaquece até alcançar milhões de graus. Nessa temperatura, os elétrons se separam de seus átomos, criando um plasma magnetizado. Preso na poderosa rotação do objeto, o campo magnético se arqueia para cima. Ele, então, gira tanto sobre si mesmo que eventualmente se quebra completamente. O evento é semelhante ao que acontece ao redor do nosso próprio Sol.
“Este campo magnético aquece tudo ao seu redor e produz elétrons de alta energia que, por sua vez, passam a produzir os raios X”, resumiu Wilkins.
Ao observar o fenômeno mais de perto para investigar a origem dos flashs, ele percebeu uma série de flashes menores. Os pesquisadores conseguiram comprovar que os flashes menores são na verdade os mesmos raios-X vistos da primeira vez, mas que foram refletidos pela parte de trás do disco, o que possibilitou um primeiro vislumbre da parte mais distante de um buraco negro.
“Há alguns anos, venho construindo previsões teóricas de como esses ecos apareceriam para nós”, disse Wilkins. “Então, assim que os observei pelo telescópio, pude descobrir a conexão.”
Observações futuras
Porém, a missão de caracterizar e compreender as coronas ainda exigirá mais observação. No futuro, ela poderá contar com o observatório de raios-X da Agência Espacial Europeia. O Athena (Telescópio Avançado para Astrofísica de Alta Energia) terá um instrumento denominado Wide Field Imager, desenvolvido por Wilkins.
“Ele tem um espelho muito maior do que jamais tivemos em um telescópio de raios-X e nos permitirá obter imagens de maior resolução em tempos de observação muito mais curtos”, explicou. “Portanto, a imagem que estamos só começando a obter dos dados nesse momento ficará muito mais clara com esses novos observatórios.”
Publicado em 29/07/2021