Preparativos para a primeira aventura chinesa em Marte entram na reta final
Aos poucos, a China está finalizando os preparativos para a primeira missão marciana inteiramente sua. Na ilha de Hainan, localizada no Sul do país, um foguete de cinco metros de largura e 57 metros de altura espera. Quando a janela para o lançamento se abrir, no meio de julho, os cientistas chineses tentarão enviar uma sonda a um planeta no passado muito confundiu seus ancestrais, com suas alterações constantes de luminosidade e de posição no céu.
A missão, chamada Tianwen-1, ou a “Jornada para a Verdade Celestial”, carregará 13 instrumentos científicos para examinar o planeta vermelha, tanto a partir da sua órbita como em superfície. O Tianwen-1 vai investigar a distribuição de água congelada em Marte, assim como a evolução física do planeta e de sua habitabilidade com o tempo. A missão, que consiste de um orbitador, de um módulo de pouso, ou lander, e de um rover, ou jipê robô, é “a iniciativa mais ambiciosa que alguém poderia empreender em uma primeira tentativa”, diz John Logsdon, especialista de política espacial na Universidade George Washington.
Um histórico de falhas e problemas
As chances de que uma missão para lá ocorra sem nenhum erro são pequenas. Das dezenas que foram enviadas para orbitar ou pousar em Marte até hoje, apenas metade obteve sucesso. Após alguns contratempos caros, NASA lançou cinco landers, quatro rovers e múltiplos orbitadores que trouxeram o mundo a vida para cientistas e também ao público. Mas as experiências espaciais da China para além da órbita da Terra limitam-se a diversas missões robóticas na Lua, e a um orbitador que pegou carona em uma missão russa para a lua marciana Fobos que deu errado em 2011.
Dois riscos principais confrontam o foguete da Tianwen-1 de cinco toneladas, diz Logsdon. Primeiro, o foguete mais poderoso e pesado da China, o Longa Marcha 5, apenas foi lançado três vezes — incluindo um grade fracasso em 2017, quando o foguete começou a funcionar mal logo após sua decolagem. Levou mais de dois anos para que os cientistas consertassem o problema principal no centro da engenharia do Longa Marcha 5 e conseguir um lançamento com sucesso no final de 2019. Entretanto, seu registro de vôo deixa os observadores nervosos.
Em segundo, o módulo de pouso do Tianwen-1 deve atravessar a desafiadora atmosfera de Marte, que é grossa o suficiente para gerar um aquecimento na sonda, mas fina demais para desacelerá-la o suficiente. A tecnologia de entrada, descida e pouso da espaçonave se utiliza de um escudo de calor, um paraquedas e um retromotor para desacelerar sua descida, um conjunto que se assemelha às missões antigas dos Estados Unidos. Ainda assim, quando a sonda estiver apenas a 100 metros acima da superfície, ela irá parar, tirar fotos rápidas da área e rapidamente calcular o melhor local de pouso. Então, irá se deslocar horizontalmente até ficar acima do novo local e cuidadosamente tocar o solo com as quatro pernas do módulo.
Em novembro de 2019, a China testou essa parte do procedimento de pouso, que a nação já havia utilizado anteriormente com sucesso em seus pousos lunares, na província de Hebei. Estrangeiros foram convidados para assistir ao teste no local. Foi o último grande evento público para o Tianwen-1, entretanto. Desde então, A Administração Espacial Nacional Chinesa (CNSA) se manteve discreta, e os cientistas da missão recusaram ou ignoraram quase todos os pedidos por entrevistas.
Oportunidades científicas
Se o Tianwen-1 pousar com sucesso, sua pesquisa poderia iluminar novos aspectos de Marte. Por exemplo, tanto o orbitador quanto o rover estão equipados com um radar que penetra o solo para mapear camadas geológicas de baixo de sua superfície. A “visão”do radar no orbitador pode chegar até alguns milhares de metros, enquanto o instrumento no rover possui uma visão mais limitada, porém com resolução na escala de centímetros. “O objetivo principal da China [com esses radares] é explorar a camada de água congelada” debaixo da superfície do planeta, diz Wlodek Kofman do Instituto de Ciências Planetárias e Astrofísica de Grenoble na França.
A capacidade da Tianwen-1 para medir o campo magnético de Marte empolga Jim Bell, da Universidade do Estado de Arizona, que é o pesquisador-chefe da câmera principal do rover Perseverance da Nasa. Uma hipótese hoje predominante é que o planeta vermelho teria um campo magnético global como a Terra, ele disse. Quando seu núcleo de ferro menor esfriou, entretanto, Marte gradualmente perdeu esse escudo, expondo-se a ventos solares e radiação, que moldaram sua atmosfera e condenaram qualquer água que pode ter aparecido em sua superfície. Desde 2014, a missão da Evolução Volátil e Atmosférica (MAVEN) da Nasa encontrou amplas evidências que apoiam esse cenário, mas os cientistas anseiam por uma imagem mais completa. “A Tianwen-1 será muito útil ao fornecer mais informações coletadas em solo e numa órbita diferente”, diz Bell. Ele espera que a equipe chinesa compartilhe os dados com a comunidade internacional, junto as informações sobre a evolução ambiental de Marte.
Embora a CNSA seja discreta quanto aos detalhes, o Tianwen-1 provavelmente tentará pousar na parte sul da Utopia Planitia, uma grande área plana entre 25 e 30 graus ao norte do equador de Marte. Geólogos suspeitaram que tal região está coberta os remanescentes de antigos fluxos de lama, ao que sugere a existência de um reservatório de água no passado. “É um local interessante para se investigar a potencial habitabilidade abaixo da superfície”, diz Alfred McEwen, geólogo planetário da Universidade de Arizona.
Primeiro de uma série
As chances de que o rover encontre água de baixo de Marte podem ser limitadas por sua latitude, nota McEwen. Como depende de painéis solares para obter energia, ele deve ficar próximo ao Equador. Hoje, os pesquisadores acreditam que a água congelada sob a superfície do planeta esteja localizada principalmente em latitudes mais altas e geladas.
A dependência da Tianwen-1 do Sol levou sua equipe a projetar instrumentos resistentes, diz Rong Shu do Instituto de Shanghai de Física Técnica e da Academia Chinesa de Ciências. “Como nosso rover não possui energia radioisotópica, todos os instrumentos precisam suportar temperaturas tão baixas como -90 graus Celsius enquanto descansam, e operar no intervalo entre -40 à -30 graus Celsius”, ele acrescenta.
A carga do rover inclui o Detector de Componentes da Superfície Marciana (MarSCoDe), cujo projeto foi liderado por Shu. Similar ao ChemCam no rover Curiosity da NASA, o MarSCoDe pode atirar pequenos pulsos de laser para vaporizar as superfícies de rochas a alguns metros de distância. O instrumento irá “cheirar” o gás ionizado produzidos por essas miniexplosões e determinar o tipo e a quantidade de elementos químicos nas rochas.
Espera-se que o Tianwen-1 chegue a Marte em fevereiro de 2021. Ele passará cerca de dois meses em uma órbita estacionária, esperando para o melhor momento e as melhores condições na superfície para pousar. A crescente rede de radiotelescópios emissores e receptores da China irá prover a comunicação entre a Terra e a sonda.
Atualmente, cientistas chineses já estão preparando para mais missões na série Tianwen, incluindo a coleta e o retorno à Terra de amostras de rochas vindas de Marte e de um asteróide, um sobrevôo a Júpiter e a exploração de setores da vasta heliosfera solar. Mas, se a Tianwen-1 alcançar Marte como planejado, Logsdon diz, “será um gigantesco impulso para a exploração espacial chinesa”.
Ling Xin
Publicado em 16/07/2020