Chegada de sonda chinesa à superfície de Marte coloca país na linha de frente da exploração do planeta
Na sexta, a China anunciou que, pela primeira vez, conseguiu pousar, em segurança, uma sonda em Marte, e logo na primeira tentativa. Com isso, torna-se a segunda nação do planeta, junto com os EUA, a realizar tal façanha. Seu rover Zhurong, nome que homenageia um deus do fogo do folclore chinês, pousou com sucesso em Utopia Planitia por volta das 20h11, horário de Brasília, como parte da missão Tianwen-1, de acordo com a Administração Espacial Nacional da China. Em breve, o rover deve descer a rampa de sua plataforma de pouso, pronto para explorar seus arredores sobrenaturais. Se havia alguma dúvida sobre as proezas da exploração espacial chinesa, elas foram dissipadas agora que a nação conseguiu pousar com sucesso em Marte, algo notoriamente difícil, diz Roger Launius, ex-historiador-chefe da Nasa “Este é realmente um grande feito.”
A sonda Tianwen-1 foi lançado em julho de 2020, e fazia parte de uma espécie de esquadrilha de naves destinadas a Marte que também incluiu o lançamento do rover Perseverance, da Nasa, e do orbitador Hope, dos Emirados Árabes Unidos. Todas as três missões chegaram a Marte em fevereiro. Mas enquanto o Perseverance desceu direto para a superfície, a Tianwen-1 entrou em uma órbita elíptica ao redor do planeta para dar a seus cientistas uma visão do olho de Deus para patrulhar o local de pouso planejado em Utopia Planitia, uma imensa bacia de impacto em Marte. “A China não tinha seus próprios mapas detalhados de Marte”, diz Brian Harvey, um escritor que cobre o programa espacial daquele país. Pelo menos, esse era o caso até sexta, quando os controladores da Tianwen-1 decidiram que tinham visto o suficiente para iniciar com confiança a ousada descida da espaçonave.
Empacotado dentro de uma concha protetora em forma de cone, o Zhurong e sua plataforma de pouso movida a retrofoguetes se separaram do orbitador, desceram em direção a Marte e começaram o mergulho de fogo através da atmosfera superior do planeta. Depois de se desligar da concha protetora mais abaixo na atmosfera, a espaçonave liberou o páraquedas para desacelerar a descida antes de acionar os propulsores para um pouso suave na superfície. Isso foi “muito semelhante” às aterrissagens motorizadas que a China usou em suas missões Chang’e à Lua, diz Andrew Jones, um jornalista espacial que segue o programa espacial chinês. A mais recente dessas missões trouxe para a Terra amostras lunares em 2020.
Outras nações tentaram e não conseguiram pousar em Marte, mas o sucesso da China mostra como o país rapidamente está alcançando muitas outras nações espaciais, e talvez até deixando-as para trás. A União Soviética tentou diversas vezes pousar lá durante a década de 1970, e a tentativa que mais chegou perto foi a sonda Mars 3, que pousou no planeta, mas parou de funcionar momentos depois. O Reino Unido atingiu a superfície com seu módulo de pouso Beagle 2 em 2003. A antena de comunicação da nave não funcionou, condenando a missão. A Agência Espacial Europeia (ESA) e a Rússia também chegaram perto com sua sonda Schiaparelli – até que caiu em Marte em 2016. A ESA tentará novamente com seu rover Rosalind Franklin em 2022. Até hoje, apenas os Estados Unidos haviam operado com sucesso alguma espaçonave em Marte por um período significativo de tempo, começando com as sondas Viking de 1976 e estendendo-se às várias sondas e rovers do país que estão explorando a superfície hoje. A China agora se junta a este clube mais elitista e exclusivo. “É um grande dia para a China”, disse Mark McCaughrean, consultor científico sênior para ciência e exploração da ESA. “Sabemos melhor do que ninguém como pode ser difícil chegar com segurança à superfície.”
A China agora vai esperar um período de tempo não revelado, que pode ser um dia ou talvez até uma semana, antes de conduzir o rover Zhurong por uma rampa do módulo de pouso até a superfície. O veículo de seis rodas movido a energia solar tem uma vida útil planejada de 90 dias marcianos e estima-se que tenha uma velocidade máxima de 200 metros por hora, diz Jones, embora provavelmente vá explorar muito mais lentamente. A China enviará comandos para o rover por meio de seu orbitador Tianwen-1, e satélite Mars Express, da ESA, vai servir como reserva. O rover, então, executará tarefas na superfície de forma maneira autônoma, semelhante aos protocolos operacionais que a Nasa usa para sua própria frota de robôs exploradores em Marte.
Foi também na região de Utopia Planitia que pousou a sonda Viking 2, da Nasa, em 1976. É uma extensão bastante insípida de areia rochosa – boda para pousar uma sonda, mas decididamente abaixo da média para abordar questões de pesquisa de ponta, como a possibilidade de existência de vida em Marte no passado ou mesmo no presente. “[A China] não está procurando bioassinaturas”, diz Agnes Cousin, cientista planetária do Instituto de Pesquisa em Astrofísica e Planetologia da França, que aconselhou os cientistas da Tianwen-1. No entanto, ainda se espera que o Zhurong faça importantes contribuições científicas na superfície do planeta vermelho. “Sempre temos surpresas quando chegamos à superfície”, diz Cousin. “Para conhecer as características geológicas gerais de Marte, é muito bom ter um novo local para fazer comparações.”
O rover é equipado com um conjunto de seis instrumentos e câmeras para estudar a superfície. Eles incluem um radar de penetração no solo que pode procurar por água e gelo até 100 metros abaixo da superfície (o Perseverance, da Nasa, possui um instrumento semelhante).
O Zhurong também tem um magnetômetro, o primeiro enviado a Marte por um rover. Juntamente com um instrumento semelhante que está a bordo do satélite Tianwen-1, que continuará estudando o planeta à distância, o magnetômetro do rover poderia revelar os detalhes de como Marte perdeu seu campo magnético – e, conseqüentemente, sua atmosfera e água – bilhões de anos atrás. “É concebível que este instrumento possa ajudar a resolver essa questão”, diz David Flannery, astrobiólogo da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, que está familiarizado com as atividades espaciais da China. “Juntos, os instrumentos nos dirão mais sobre como o campo magnético marciano opera hoje.”
Outro instrumento digno de nota é o Mars Surface Composition Detector (MarSCoDe), um dispositivo semelhante ao ChemCam no rover Curiosity da Nasa e ao SuperCam que está no rover Perseverance, que usará um laser para vaporizar espécimes de rocha na superfície, revelando sua composição. Cousin faz parte das equipes dos instrumentos ChemCam e SuperCam, e ela atuou também junto a um grupo de colaboradores europeus que ajudaram a China a desenvolver sua ferramenta. Ela viajou para Xangai em 2019 para trocar informações com os cientistas da Tianwen-1 sobre tópicos como técnicas de processamento de dados e alvos para calibração a serem incluídos no rover para testar o instrumento em Marte. “Eles queriam grandes alvos de calibração” para o MarSCoDe, diz Cousin. “Então demos a eles um”: um quadrado de dois centímetros de largura de uma rocha ígnea chamada norita, que é um dos 12 alvos do veículo espacial.
Embora os objetivos científicos do rover possam ser um tanto modestos, também se espera que seja uma demonstração de tecnologia para um projeto futuro muito mais ambicioso. Em 2028 ou 2030, a China espera enviar uma missão de retorno de amostra a Marte para trazer rochas marcianas imaculadas de volta à Terra. Essa janela de tempo estará perto, ou até mesmo venha a se revelar anterior, às missões previstas da Nasa e da ESA para coletar e trazer à Terra amostras geológicas marcianas. “Será que a China conseguirá ser a primeira a retornar material de Marte para a Terra, ou a NASA e a ESA serão as primeiras?” diz Jacqueline Myrrhe, jornalista afiliada ao site espacial chinês Go Taikonauts! “Esta pode ser uma pergunta muito boa.”
De qualquer forma, o pouso em Marte é a mais recente grande conquista na lista que a China possui de atividades espaciais ambiciosas a serem realizadas. Mas a nação já mais do que provou seu valor. Ele conduziu inúmeras missões à Lua e iniciou a construção de uma estação espacial na órbita da Terra. A nação pode enviar um par de espaçonaves aos confins do Sistema Solar daqui a alguns anos, e lançar uma missão a Júpiter até o final da década. Agora que a Tianwen-1 mostrou que a China é um explorador interplanetário adepto, projetos ainda mais audaciosos podem estar no horizonte. “É o primeiro passo para muito mais”, diz Myrrhe.
Publicado em 16/05/2021