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Por que a varíola dos macacos está evoluindo tão rapidamente?

O vírus do surto atual é semelhante a uma cepa que circulou em 2017 na Nigéria e análises indicam que sofreu mutações 50 vezes nos últimos quatro anos.
Varíola dos macacos.

Partículas do vírus da varíola dos macacos em microscópio eletrônico de transmissão, colorizado. Crédito: NIAID

Os casos de varíola dos macacos (monkeypox) continuam a aumentar em todo o mundo, com mais de 13.000 relatados até agora. O vírus, que raramente é letal mas causa feridas dolorosas na pele, normalmente reside em roedores e outros animais, mas agora está se espalhando rapidamente entre humanos em todo o mundo.

Os surtos de varíola dos macacos ocorreram várias vezes desde a década de 1970. Um surto na Nigéria em 2017 infectou cerca de 122 pessoas. E uma versão mais mortal do vírus da África Central pode ter infectado quase 19.000 pessoas na região durante a última década.

Um artigo recente publicado na Nature Medicine mostra que o vírus atual — um descendente da cepa que circulou na Nigéria — vem passando por uma evolução acelerada nos últimos anos, sofrendo mutações com muito mais frequência do que o esperado. Não está claro até agora se elas são apenas mutações inofensivas em humanos ou se ele tornou-se melhor em nos infectar. Mas especialistas dizem que, à medida que o número de infecções aumenta, também aumenta a chance de o vírus melhorar sua capacidade de infectar ou de ser transmitido entre humanos. “Uma vez que você tenha um vírus em uma população, ele continuará mudando para se adaptar a essa espécie”, diz Rachel Roper, virologista da Universidade Carolina do Leste. “Não há outra opção.”

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O vírus da Varíola dos Macacos é de DNA, que tende a sofrer mutações com menos frequência do que o RNA em vírus como o SARS-CoV-2, que causa a COVID. Em média, os poxvírus — uma família que inclui orthopoxvírus como o da varíola dos macacos e da varíola humana — tendem a sofrer mutações uma vez por ano, escreveu o biofísico Richard Neher, da Universidade de Basel, na Suíça, no Twitter.

Mas no novo estudo, quando os pesquisadores de genômica microbiana João Paulo Gomes e Ricardo Jorge, do INSA (Instituto Nacional de Saúde de Portugal),  e seus colegas compararam 15 amostras de vírus do surto atual com vírus isolados de pessoas que viajaram para a África Ocidental em 2018 e 2019, eles descobriram que a versão atual havia sofrido cerca de 50 mutações em apenas quatro anos.

O padrão dessas mutações forneceu dicas de como e quando o vírus saltou de um hospedeiro animal para humanos. Como todo DNA, o genoma da varíola dos macacos contém quatro “letras” — representando bases A, C, G e T — que codificam as proteínas. A equipe de Gomes descobriu que as novas sequências de varíola dos macacos tendiam a conter muito mais As e Ts do que as sequências mais antigas.

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Esse padrão sugeriu que o vírus estava sendo editado por uma proteína humana chamada APOBEC3, que tende a mudar os Cs para Ts. A APOBEC3 pode editar os genomas de muitos vírus, incluindo o SARS-CoV-2, e o grande número de edições indicou que essa proteína humana vinha aprimorando o vírus da varíola dos macacos há muito tempo. Isso se alinha com outras evidências sugerindo que a doença estava se espalhando entre humanos na África ou na Europa anos antes que os surtos fossem detectados no continente europeu em maio de 2022.

Como todas as novas amostras de varíola dos macacos sequenciadas até agora são geneticamente semelhantes, a equipe de Gomes acha que o surto atual surgiu de uma única origem. A cepa atual também é semelhante às cepas observadas no surto de 2017 na Nigéria, mas eventos de super disseminação podem ter permitido que a nova versão infectasse mais pessoas que viajavam pelo país.

Até agora, escreveu Neher no Twitter, não há indicação de que as mutações tenham ajudado o vírus a se adaptar aos humanos. Na verdade, a maioria das mutações aleatórias não faz absolutamente nada, então as novas mudanças no genoma da varíola dos macacos podem ser apenas marcadores de infecção humana e não a causa. A maioria das mutações que a equipe de Gomes identificou era pequena, embora um gene tenha sido deletado.

Os orthopoxvírus parecem ser capazes de sobreviver a muitas mutações. Um estudo que analisou a varíola nos esqueletos dos vikings do século VI encontrou vários genes que são inativados em cepas modernas de varíola, sugerindo que deletar genes é uma parte normal de como os orthopoxvírus e as espécies hospedeiras se adaptam umas às outras.

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Essa observação não significa que mutações que ajudam o vírus da varíola dos macacos a infectar e se espalhar em humanos não aparecerão no futuro, diz Geoffrey Smith, virologista da Universidade Cambridge. Vários dos genes identificados pela equipe de Gomes ocorreram em proteínas que interagem com o sistema imunológico humano, embora não haja evidências de que essas proteínas tenham fortalecido o vírus.

Roper não tem tanta certeza. “Acredito que mudou de alguma forma no início deste salto para se tornar mais transmissível em humanos”, diz ela. Roper suspeita que uma dessas formas mais aptas do vírus acabou em um evento de super disseminação. O HIV seguiu um padrão semelhante: saltou de animais para pessoas várias vezes antes de se espalhar. “Desta vez [a varíola dos macacos] realmente se firmou”, diz ela.

Se as mutações que ajudaram o vírus tivessem desaparecido, diz Smith, os cientistas seriam capazes de identificá-las. Ele e muitos outros passaram décadas estudando o genoma da varíola humana, cuja região central é 96% idêntica à da varíola dos macacos. Eles sabem quais proteínas permitem que o vírus escape do sistema imunológico, por exemplo, ou se espalhe mais facilmente. “Sabemos o que procurar e ainda não vimos nada”, diz Smith.

Ainda assim, Roper acha que provavelmente levará anos até que os cientistas possam identificar quais das mutações que ocorreram são importantes e por quê. “Esses experimentos são realmente difíceis de fazer”, diz ela. Com o SARS-CoV-2, por exemplo, certas combinações de mutações parecem afetar a capacidade do vírus de se espalhar, enquanto outras combinações não.

Possíveis tratamentos para varíola dos macacos

Na varíola dos macacos, uma proteína de potencial interesse é a F13, que ajuda a envolver o vírus em sua casca protetora (chamada de capsídeo). A proteína F13 é o alvo de um medicamento chamado tecovirimat (TPOXX), que é aprovado para o tratamento da varíola. Os EUA estocaram tecovirimat para o caso de um surto de varíola e agora o medicamento está sendo testado em ensaios clínicos como tratamento para a varíola dos macacos. Se a F13 começar a sofrer mutação, isso pode indicar que o vírus está ativamente desenvolvendo resistência à droga.

Apesar do número crescente de casos de varíola, Smith diz que é improvável que se torne uma pandemia tão devastadora quanto a COVID. O vírus atualmente em circulação parece ser menos mortal e menos facilmente disseminado do que o SARS-CoV-2, e os medicamentos e vacinas existentes são eficazes contra ele.

“O que não queremos é que esse [surto] continue por muito tempo”, diz Smith. Quanto mais a epidemia continuar, ele diz, maior a chance de que o vírus comece a sofrer mutações que o ajudem a infectar e se espalhar entre os humanos.

Sara Reardon

Sara Reardon é uma jornalista freelance baseada em Bozeman, Mont. Ela é ex-repórter da Nature, New Scientist e Science e tem mestrado em biologia molecular.

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 20/07/2022; aqui em 25/07/2022.

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