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Pesquisadores coletam DNA do ar para estudar biodiversidade

Pesquisadores coletam DNA ambiental do ar, técnica promissora que pode revelar quais espécies estão presentes em um ambiente de forma ampla e veloz.
DNA.

Pesquisadores coletam vastas amostras de DNA do ar. A foto em macro mostra os olhos compostos, comuns a muitos insetos. Crédito: Virvoreanu-Laurentiu/Pixabay

Há duas décadas, biólogos e historiadores naturais de vários lugares do mundo lançaram projetos para criar inventários da biodiversidade do planeta. Afinal, argumentaram, não se pode salvar o que ainda não sabemos que existe. Mesmo estimativas otimistas sugerem que somente 25% das espécies na Terra são conhecidas pela ciência, gerando preocupações sobre as ainda não identificadas em meio às crescentes taxas de extinção.

Esses programas avançaram devagar devido ao minucioso trabalho de identificar e descrever espécies. Assim como, em muitos casos, coletar amostras dos organismos para sequenciamento de DNA. Agora, uma nova abordagem para catalogar seres vivos promete facilitar o processo: aspirar DNA do ar rarefeito.

A técnica é uma variação de um método já usado na água, no solo e em outros meios, na qual cientistas coletam e sequenciam DNA ambiental (eDNA, em inglês), o material genético contido em células descamadas por espécies locais. Extrair eDNA do ar propiciaria uma ampla imagem dos habitantes de dado local. O sistema também poderia ser de grande utilidade no caso de organismos como insetos, notoriamente difíceis de monitorar. (E que muitas vezes são mortos em práticas tradicionais de sequenciamento de DNA). Analisar eDNA é mais rápido e menos caro do que coletar e sequenciar animais individuais, além de poder  capturar dados de muitas espécies de uma vez — mesmo em ambientes difíceis de acessar.

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Dois novos artigos publicados em Current Biology submeteram eDNA extraído do ar a testes. Um grupo de pesquisadores trabalhou no Zoológico de Copenhague e outro no Parque Zoológico de Hamerton, no Reino Unido — lugares perfeitos para avaliar esse tipo de coleta de amostras porque os cientistas sabiam exatamente quais espécies e quantos indivíduos de cada uma delas havia nos dois sítios.

As duas turmas usaram diferentes métodos para aspirar ar através de um filtro para extrair DNA. Uma vez  amplificado e sequenciado, as equipes detectaram espécies presentes no zoológico — inclusive as alojadas dentro de edifícios ou a centenas de metros dos locais de coleta — e até algumas espécies de fora, como porcos-espinhos eurasianos, vulneráveis à extinção na Inglaterra.

Segundo os pesquisadores, o eDNA é revolucionário para monitorar a biodiversidade, porque outras técnicas demandam presença física dos animais.  “Se você tem uma armadilha fotográfica, eles precisam passar bem na frente de sua câmera — se passarem por trás,  você jamais saberá”, observa Elizabeth Clare, ecologista molecular na Universidade de York e coautora do estudo do Reino Unido. “Se estiver fazendo gravações acústicas ou [conduzindo] levantamentos visuais, o animal tem que estar lá. Mas o DNA ambiental é como uma pegada, de modo que é muito mais provável captar coisas raras.”

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Um recente estudo de prova de conceito de eDNA suspenso no ar, apresentado na conferência de 2021 Ecology Across Borders (Ecologia Através de Fronteiras), da Sociedade Ecológica Britânica, levou técnicas similares para a natureza a fim de identificar insetos com base em amostras de ar de três lugares no sul da Suécia. O cientista conservacionista Fabian Roger e seus colegas da Universidade de Lund (Suécia) encontraram traços de DNA e os identificaram com 85 espécies, inclusive borboletas, besouros, formigas e moscas, assim como nove espécies não entomológicas, como anuros e aves. Quando comparado com resultados de um levantamento convencional, o processo de eDNA não identificou algumas espécies, mas encontrou outras não captadas pelo método tradicional.

Roger, agora no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ), conta que sua inspiração para tentar amostrar eDNA aéreo veio depois de monitorar ecossistemas aquáticos em busca de novas espécies. “Me dei conta de quão difícil era obter bons dados sobre populações.” E acrescenta: “Dado que recentes pesquisas mostram uma redução de 70% na biomassa de insetos, temos uma crucial falta de dados”.

Pesquisadores calculam que cientistas descreveram só um milhão dos 5,5 milhões de espécies de insetos do mundo, então, monitorar a biodiversidade pelo ar é uma possibilidade empolgante que pode acelerar os esforços conservacionistas. “O momento é propício para o eDNA assumir esse novo substrato”, observa Kristine Bohmann, ecologista na Universidade de Copenhague e coautora do estudo dinamarquês. Ela já trabalhou com eDNA de amostras fecais, e outros investigaram porções de solo, água e até flores — para descobrir quais espécies polinizadoras pousaram nelas.

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Uma das perguntas persistentes sobre o eDNA do ar é sobre seu tempo de permanência. Estudos encontraram DNA intacto no permafrost até 10.000 anos depois da morte de seus organismos-fontes. Mas em outras condições essa molécula se degrada rapidamente.

Outra grande interrogação está na abundância. Mais DNA de uma determinada espécie indica a presença de muitos indivíduos, ou de apenas um, perto do sítio de amostragem? Este é um dos tópicos mais acalorados nos círculos de pesquisa, informa Clare. “Você não conseguirá saber a abundância”, explica ela “a menos que tenha condições controladas.”

Ainda assim, as implicações de usar eDNA do ar para monitorar a biodiversidade são enormes. Uma rede global de estações coletoras de ar avisaria agricultores sobre seres invasores em suas áreas ou informaria conservacionistas se uma ave ameaçada ainda vive em certa área, argumentam os pesquisadores. Essa rede também propiciaria um vislumbre do que existe aí afora, sem a necessidade de coletas de amostras em lugares de difícil acesso. Bohmann certa vez caminhou penosamente por Madagascar para atrair sanguessugas — e mais tarde analisou o DNA nos estômagos dos anelídeos para aprender sobre os habitantes da floresta. “Se eu pudesse evitar ser uma isca humana e conseguisse resultados transmitidos direto para meu computador”, diz ela, “isso seria incrível.”

Katharine Gammon

Publicado originalmente na edição de abril da Scientific American Brasil; aqui em 10/05/2022.

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