Pergaminho medieval de 500 anos revela antigas práticas cristãs
Um pergaminho de 500 anos, até agora desconhecido da comunidade científica, foi descoberto em uma coleção privada. Ao ser analisado por especialistas, o documento revelou um texto e quatro iluminuras detalhando práticas religiosas cristãs na Inglaterra, antes da Reforma Anglicana.
Após ser adquirido nos anos 1970, o pergaminho residiu em uma coleção privada até ser redescoberto por historiadores. Um estudo feito a partir dele foi publicado no Journal of the British Archaeological Association.
O documento, escrito em inglês medieval, trata-se de um pergaminho pessoal de oração feito a partir da costura de dois pedaços de papel velino — um tipo especial de couro feito a partir de bois jovens ou fetos —, resultando em um rolo de um metro de comprimento por 13 cm de largura.
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Pergaminhos como esse tinham o propósito de inspirar seus donos nos momentos de reza e devoção. Isso pode ser notado pelas “marcas de uso” ao longo das iluminuras. “O pergaminho reflete um tempo em que os leigos (não-clérigos) tinham crenças tanto em inimigos visíveis como em invisíveis,” afirma Gail Turner, autora do estudo e ex-historiadora da arte no museu Tate Britain (Inglaterra). De acordo com a pesquisadora, essas marcas de uso são causadas pelos devotos repetidamente beijando e tocando nas imagens, como uma forma de “vivenciar a paixão de Cristo de forma mais direta e intensa”.
Esse tipo de documento era bastante comum entre católicos ingleses no século XVI, mas, com Reforma Anglicana, iniciada em 1534, eles foram progressivamente abandonados e destruídos. Nesse evento, inspirado pela Reforma Protestante, o rei inglês Henrique VIII rompeu com a autoridade do papa e da Igreja Católica Apostólica Romana, fundando sua própria vertente do cristianismo. Assim, devido a Reforma, muitos dos símbolos, práticas e sistemas hierárquicos católicos foram rejeitados pelos anglicanos, incluindo o uso desses pergaminhos. “A sobrevivência de um rolo de pergaminho tão magnífico por mais de 500 anos é, portanto, extraordinária,” afirma Turner.
O conteúdo do pergaminho
Para cumprir seu propósito, o conteúdo do pergaminho é rico em referências visuais e textuais ao monastério de Bromholm em Norfolk, Inglaterra, e às práticas cristãs comuns no local.
A menção de maior destaque é de uma relíquia chamada por historiadores de Cruz Sagrada de Bromholm, que supostamente continha um pedaço da cruz em que Jesus foi crucificado. O objeto é denominado no texto de “crosse of bromholme” e três das iluminuras o retratam como uma cruz preta com dois traços horizontais, contornada em dourado. Essa relíquia é mencionada em diversos outros documentos históricos da época — inclusive no livro Piers Plowman e pelo autor Geoffrey Chaucer. Dessa maneira, ela atraía peregrinos para o monastério de Bromholm, e era inspiração para algumas práticas religiosas exclusivas do local.
Além disso, outra menção importante é ao prior — nome dado ao líder do monastério — John Underwood. “John of Chalcedon”, como é chamado no texto, era devoto assíduo da Igreja Católica. Ele foi o penúltimo a comandar o monastério, antes de seu fechamento pela Reforma Anglicana, poucos anos depois. Outros registros históricos da época indicam que ele assumiu o cargo de bispo auxiliar de Norfolk em 1505 e perdeu a posição 30 anos depois. Esse período de tempo ajudou os historiadores a atribuírem uma data para o pergaminho. Portanto, ele deve ter sido produzido enquanto Underwood ainda era prior de Bromholm.
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Segundo o estudo, outras conexões com o prior também podem ser encontradas na iconografia usada para representar a Cruz. São os cinco pontos vermelhos representando os ferimentos de Jesus ao ser crucificado, que podem ser vistos abaixo. Esse tipo de simbologia era um ponto importante dos banquetes de “Paixão e Exaltação da Cruz”, rituais feitos pelos peregrinos para se conectar com a relíquia. Além disso, a imagem também pode ser vista no túmulo de Underwood, mas não era comum nas igrejas de Norfolk.
Dessa forma, isso levou os historiadores a acreditar que o autor e dono original do pergaminho medieval era um cristão devoto, bem familiarizado com os costumes do monastério de Bromholm e com Underwood. Assim, entre as sugestões de Turner para sua identidade, está um patrono do monastério, um membro de uma família de destaque da região ou um amigo próximo do prior.
Atualmente, o monastério de Bromholm está em ruínas, abandonado desde seu fechamento. Mas, sobre a Cruz Sagrada de Bromholm se tem mais notícias. A última menção dela é em uma carta enviada entre as famílias nobres de Norfolk, em1537. Conforme indica a carta, a Cruz provavelmente foi enviada para Londres após a Reforma Anglicana. A partir daí não há mais registros, mas, segundo Turner, ela “deve ter sido destruída em Londres ao lado de muitas outras relíquias [de associação católica], ainda que seu destino permaneça incerto”.
Publicado em 25/10/2021.