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Pela primeira vez, cientistas conseguem medir núcleo de Marte

Marte se torna o primeiro planeta o Sistema Solar, após a Terra, a ter seu núcleo medido. Sonda trabalha detectando "martemotos", isto é, os tremores que sacodem o planeta vermelho.

A InSight tirou esta “selfie” empoeirada no início de 2019, após implantar seu sismômetro. Agora, há muito mais poeira depositada em seus painéis solares. Crédito: NASA e JPL-Caltech

Pela primeira vez, cientistas puderam dar uma espiada no coração de Marte. A espaçonave InSight, da Nasa, que opera  na superfície marciana buscando  analisar as profundezas do planeta, revelou o tamanho do núcleo de Marte ao identificar a energia sísmica ressoando pelo interior do planeta.

A medição sugere que o raio do núcleo marciano tem entre  1.810km e 1.860Km, cerca de metade do raio da Terra. Isso é maior do que algumas estimativas anteriores, e significa que o núcleo não é tão denso quanto se pensava. A descoberta sugere que o núcleo deve conter elementos mais leves, como o oxigênio, além do ferro e do enxofre que constituem grande parte de sua composição.  Nesta semana, os cientistas da InSight relataram suas medições em várias apresentações virtuais que foram parte da Conferência de Ciência Lunar e Planetária (que ocorreu em Houston, Texas).

Planetas rochosos, como a Terra e Marte, são divididos nas camadas fundamentais de crosta, manto e núcleo. Saber o tamanho de cada uma dessas camadas é crucial para entender como o planeta evoluiu e se formou. As medições da InSight ajudarão os cientistas a determinar como o núcleo de Marte, denso e rico em metal, separou-se do manto rochoso acima  à medida que o planeta esfriava. Provavelmente, o núcleo  derretido remonta ao nascimento ardente de Marte, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás.

Comparar e contrastar

Os únicos outros corpos planetários rochosos cujos núcleos já foram medidos foram a Terra e a Lua. Os dados de  Marte permitirão que os pesquisadores comparem e contrastem como se deu a evolução dos planetas do Sistema Solar. Assim como a Terra, Marte já possuiu um forte campo magnético gerado por um líquido que circulava em seu núcleo; mas esse campo magnético caiu drasticamente com o tempo, fazendo com que a atmosfera de Marte escapasse para o espaço e a superfície se tornasse fria, estéril e muito menos receptiva à vida do que a da Terra.

Simon Stähler, sismólogo do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique, relatou as principais descobertas em uma apresentação pré-gravada em 18 de março para a conferência virtual. Stähler recusou um pedido de entrevista da Nature, dizendo que a equipe pretende enviar o trabalho para publicação em uma revista científica.

O trabalho se baseia em descobertas anteriores da InSight, que detectaram camadas na crosta marciana. “Agora começamos a conhecer essa estrutura profunda, até o núcleo”, disse o geofísico Philippe Lognonné em outra palestra pré-gravada. Lognonné, baseado no Instituto de Física da Terra de Paris, na França, chefia a equipe de sismómetro da InSight.

A espaçonave, que custou quase US$1 bilhão, pousou em Marte em 2018 e é a primeira missão a estudar o interior do planeta vermelho. A sonda estacionária fica perto do Equador marciano e escuta os “martemotos” — o equivalente marciano dos terremotos. 

Até agora, a InSight detectou cerca de 500 terremotos, o que significa que o planeta é menos ativo sismicamente do que a Terra, mas mais do que a Lua. A maioria dos martemotos é muito pequena, disse Lognonné, mas quase 50 deles tiveram magnitude entre dois e quatro — fortes o suficiente para fornecer informações sobre o interior do planeta.

Assim como fazem os sismômetros na Terra, a InSight mede o tamanho do núcleo marciano estudando as ondas sísmicas que ricochetearam na fronteira profunda entre o manto e o núcleo. Com informações suficientes dessas ondas profundas, os cientistas do InSight puderam calcular a profundidade do limite núcleo-manto e, portanto, o tamanho do núcleo. 

Os dados sísmicos também sugerem que o manto superior, que se estende por cerca de 700 km a 800 km abaixo da superfície, contém uma zona de material mais espesso, onde a energia sísmica viaja mais lentamente.

Orbital extremo

O InSight pode não ter mais muito tempo para fazer descobertas. A poeira tem se acumulado em seus painéis solares de dois metros de largura, reduzindo a quantidade de energia que a espaçonave pode gerar. Marte também está se movendo em direção ao ponto mais distante do Sol em sua órbita, o que limitará ainda mais as oportunidades para  recarregar a nave.

“Isso nos fará reduzir o uso do nosso instrumento nos próximos meses”, disse Mark Panning, cientista do projeto InSight no Laboratório de Propulsão a Jato em Pasadena, Califórnia.

Em janeiro, a equipe já teve que desistir de sua “toupeira” construída na Alemanha, uma sonda térmica que deveria se enterrar no solo e medir o fluxo de calor. Mas ela acabou tendo problemas de fricção e não conseguiu cavar.

Mudanças drásticas de temperatura em Marte que ocorrem quando o dia se transforma em noite e vice-versa, criam ruído nos sinais coletados pelos sismômetros da Insight. Isso porque a corda que os conecta ao módulo de pouso fica exposta na superfície do planeta. A InSight está agora tentando enterrar a corda jogando terra sobre ela, na tentativa de isolá-la.

A InSight detecta martemotos principalmente à noite, porque os ventos diurnos causam muitos tremores e interferem nos sinais sísmicos. Mas, recentemente, a temporada de vento no local de pouso chegou ao fim. Os cientistas da equipe estão ansiosos para aproveitar  o silêncio sísmico recém-iniciado, a fim de capturar o máximo possível de martemotos  antes que a missão termine.

Publicado em 22/03/2021

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