Ondas de calor oceânicas ameaçam ecossistemas costeiros
Medições de temperatura na Baía de Chesapeake, localizada na costa atlântica dos EUA, identificaram um aumento nas ondas de calor marinhas na região. Estes períodos de aquecimento acentuado são semelhantes às ondas de calor atmosféricas, mas se propagam pelas águas, ao invés do ar, e ameaçam os ecossistemas locais para além do aquecimento generalizado do oceano.
O estudo, publicado no periódico Frontiers in Marine Science, definiu ondas de “calor marinhas” de forma semelhante a outras pesquisas, como um período de cinco ou mais dias consecutivos em que a temperatura da água é mais quente que 90% das medições do mesmo local e na mesma data de anos anteriores. Este trabalho foi o primeiro a estudar as ondas de calor individualmente, diferenciando-as do aquecimento generalizado promovido pelas mudanças climáticas.
Dessa forma, os pesquisadores utilizaram medições de seis locais fixos ao longo da Baía de Chesapeake, começando entre 26 e 35 anos atrás e se estendendo até o presente. A baía é o maior estuário dos EUA, com mais de 320 quilômetros de extensão e 11 mil quilômetros quadrados. Como outros estuários, ela compreende uma área de transição entre o desembocar de rios e o oceano aberto, geralmente com baixas profundidades — no caso, 6,4 metros, em média. Ela é um local de pesca, mas também habitat e local de reprodução de diversas espécies.
Ondas nem tão passageiras
Para analisar o impacto das ondas de calor marinhas nesse ecossistema, os pesquisadores estudaram os dados de temperatura considerando a sua frequência, intensidade, duração e o estresse cumulativo que esses eventos causam. Este último critério é uma medição que mede o estresse sob o ambiente marinho, considerando que sequências de aquecimento mais longas requerem mais energia para se dissiparem.
Os resultados foram que a baía passou por uma média de duas ondas de calor marinhas de 11 dias a cada ano, entre 1986 e 2020. Sua intensidade variou entre 3 e 8°C acima do normal climático, indicando dias médios de estresse cumulativo de 72°C.
Ao considerar a distribuição desses eventos ao longo dos anos de medição, eles identificaram que a frequência máxima de ondas de calor estava acontecendo sempre em anos mais recentes. Ela passou de 4 a 6 em anos anteriores a 2010 para 6 a 8 nos últimos 10 anos — configurando um aumento de 1,4 ondas de calor a cada década e um aumento correspondente na sua intensidade. Além disso, os pesquisadores também destacam que anos sem nenhum desses eventos eram comuns até 2010, mas, a partir daí, só aconteceram em todo estuário uma vez, em 2014.
“Se essa tendência continuar a baía passará por ondas de calor mensalmente dentro dos próximos 50 anos”, afirma Piero Mazzini, do Instituto de Ciência Marinha da Virgínia (EUA) e coautor do estudo. “E, ao final do século, atingirá um estado de onda de calor semi permanente, com temperaturas extremas presentes por mais de um ano e meio”.
As causas da maré de calor
O estudo também analisou as possíveis causas para o aumento da frequência das ondas de calor, considerando três hipóteses: entrada de água quente vinda dos rios, entrada de água quente vinda do oceano e aquecimento diretamente da atmosfera.
A equipe realizou medições específicas (próximas à costa e ao oceano aberto) para tentar isolar esses fatores, buscando analisar qual deles teria um período de início e fim semelhante aos das ondas de calor marinhas observadas.
Os resultados indicaram que não parecia haver um “ponto de entrada” do aquecimento: ele ocorria de forma aproximadamente síncrona ao longo do comprimento e largura da baía. águas da baía também pareciam aquecer ao mesmo ritmo do oceano ao seu redor. Além disso, os pesquisadores concluíram que o aumento na frequência das ondas de calor estava diretamente relacionado com o aumento geral das temperaturas do estuário, medido em outros estudos.
Segundo Mazzini, essas conclusões “demonstram uma conexão forte entre estes diferentes ambientes”. Portanto, a principal causa para as ondas de calor deve ser uma “força uniforme, de larga escala”. Baseando-se nos estudos do aquecimento generalizado da baía, ele afirma que “o candidato mais provável para causar as ondas de calor […] é a transferência de calor da atmosfera para superfície da água”.
Consequências do aquecimento
Além de apontar para os problemas causados pelo aquecimento global, essas conclusões são acompanhadas de consequências desastrosas para o ecossistema local. As ondas de calor agravam os efeitos da poluição, promovem crescimentos exagerados de algas, interferem na composição das espécies e aumentam o estresse ou até causam a morte de comunidades biológicas próximas ao substrato.
Ao mesmo tempo, as ondas de calor também aumentam a frequência das chamadas “zonas mortas”, com baixos níveis de oxigênio. Elas causam estresse em espécies importantes para a pesca local, como o robalo, e podem ser devastadoras para seres vivos fixos, ou que se movem lentamente.
“O aumento futuro nas ondas de calor marinhas, como sugeriu nosso estudo, pode agravar a hipóxia na baía ao estratificar ainda mais a coluna d’água, aumentando o oxigênio necessário para vida marinha, e diminuindo a sua solubilidade”, explica Mazzini. Segundo ele, essas mudanças podem “colocar o ecossistema da Baía de Chesapeake em um caminho sem volta”.
Cassia Pianca, coautora do estudo e colega de Mazzini, afirma que o estudo pode ajudar em políticas de conservação. “As futuras decisões de gerenciamento devem focar não só no efeito de mudanças de temperatura de longo termo, mas também considerar esses eventos curtos e intensos, que podem ter impactos severos muito depois que acabam”.
Para tentar evitar um desastre ecológico, o Conselho Executivo da Baía de Chesapeake assinou uma nova diretiva buscando ação coletiva para conter as ameaças ligadas ao aquecimento global. Durante a reunião no início de janeiro, as ameaças ligadas a este estudo foram discutidas com ênfase.
Publicado em 28/12/2022.