Onda gravitacional observada em 2020 teria sido originada por novo tipo de estrela, diz pesquisa
Uma onda gravitacional detectada em 2020, cuja descoberta foi celebrada pelos cientistas como uma importante evidência da formação dos raríssimos buracos negros de tamanho intermediário, poderia, na verdade, ter sido causada por um objeto ainda mais exótico: uma estrela de bósons. É o que sugere um estudo publicado na revista Physical Review Letters.
As ondas gravitacionais são ondulações na estrutura do espaço-tempo que viajam à velocidade da luz. Elas são formadas pelos eventos mais violentos do Universo, e trazem informações sobre eles. Desde 2015, a humanidade pode detectar e interpretar ondas gravitacionais graças aos dois detectores LIGO (Livingston e Hanford, EUA) e ao detector Virgo (Cascina, Itália). O novo estudo propõe que a onda gravitacional GW190521 foi gerada não pela fusão de dois buracos negros, mas sim de duas estrelas de bósons.
Se for verdade, esta seria a primeira evidência da existência desses objetos hipotéticos que são um dos principais candidatos a explicar a matéria escura, que compõe 27% do Universo. O estudo é liderado pelo Instituto Galego de Física de Altas Energias (IGFAE) e pela Universidade de Aveiro.
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Até o momento, os detectores já observaram cerca de 50 sinais de ondas gravitacionais. Todos eles se originaram da colisão e fusão de duas das entidades mais misteriosas do Universo, os buracos negros e as estrelas de nêutrons, o que nos permitiu aprofundar nossos conhecimentos sobre esses objetos. Mas o potencial das ondas gravitacionais para gerar conhecimento vai ainda mais longe. Eventualmente, elas devem nos fornecer evidências para a existência de objetos anteriormente não observados (e até mesmo inesperados).
Em setembro de 2020, as colaborações LIGO e Virgo (LVC) anunciaram ao mundo o sinal de onda gravitacional GW190521. De acordo com a análise, o sinal era consistente com uma colisão entre dois buracos negros de menor porte, com massas equivalentes a, respectivamente, 85 e 66 vezes a massa do Sol, e que produziu um buraco negro final com 142 massas solares. O buraco negro resultante foi a primeira observação de uma nova família até então não detectada: buracos negros de massa intermediária.
Esta descoberta é muito importante. Esses buracos negros eram o elo perdido entre duas famílias bem conhecidas: os buracos negros de massa estelar, que se formam a partir do colapso das estrelas, e os buracos negros supermassivos que se escondem no centro de quase todas as galáxias, incluindo a Via Láctea.
Além disso, essa observação trouxe um enorme desafio. Se o que pensamos que sabemos sobre como as estrelas vivem e morrem estiver certo, então o mais pesado dos buracos negros envolvidos na colisão (estimado em 85 massas solares) não poderia se formar a partir do colapso de uma estrela. Isso abre um leque de dúvidas e possibilidades quanto a sua origem.
No artigo, publicado em fevereiro na Physical Review Letters, a equipe propôs uma explicação alternativa para a origem do sinal GW190521: a colisão de dois objetos exóticos,cuja existência foi proposta teoricamente, conhecidos como estrelas de bósons. Elas são um dos candidatos principais para explicar o que conhecemos como matéria escura, que compõem 27% da massa do Universo.
Partindo dessa interpretação, a equipe conseguiu fazer estimativas sobre uma nova partícula que formaria essas estrelas: um bóson ultraleve, com uma massa bilhões de vezes menor do que a massa do elétron.
O estudo foi liderado por Juan Calderón Bustillo, do IGFAE, e Nicolás Sanchis-Gual, pesquisador na Universidade de Aveiro e no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, em conjunto com colaboradores da Universidade de Valência, da Universidade Monash e da Universidade Chinesa de Hong Kong.
A equipe comparou o sinal GW190521 com simulações feitas em computador de fusões de estrelas de bósons, e descobriu que essa abordagem pode explica os dados observacionais um pouco melhor do que a análise conduzida pela colaboração LIGO e Virgo. Como resultado, os pesquisadores sugerem que a fonte da onda gravitacional teria propriedades diferentes daquelas que foram postuladas anteriormente.
“Primeiro, não estaríamos mais falando sobre a colisão de buracos negros, o que elimina a questão de lidar com um buraco negro inexplicável. Segundo, como as fusões de estrelas de bósons são muito mais fracas, inferimos uma distância muito mais próxima do que a estimada pelo LIGO e o Virgo. Isso leva a uma massa muito maior para o buraco negro final, de cerca de 250 massas solares. Então, o fato de termos testemunhado a formação de um buraco negro de massa intermediária continua correto”, comenta Bustillo.
Sanchis-Gual explica que as estrelas do bóson são objetos quase tão compactos quanto os buracos negros, mas, ao contrário deles, não têm uma superfície “sem retorno”. Ao colidirem, elas formam uma estrela de bósons que pode se tornar instável, eventualmente colapsando em um buraco negro e produzindo um sinal consistente com o que o LIGO e o Virgo observaram.
“Ao contrário das estrelas regulares, que são feitas do que comumente conhecemos como matéria, as estrelas bóson são feitas de bósons ultraleves. Esses bósons são um dos candidatos mais atraentes para explicar o que conhecemos como matéria escura”, diz ele.
Jose Font, da Universidade da Galicia, diz que hipótese da fusão de estrelas de bósons é a que melhor pode explicar os dados, embora a superioridade desta abordagem não seja conclusiva em relação ao cenário da colisão de buracos negros. “Nossos resultados mostram que os dois cenários são quase indistinguíveis, embora o cenário com a exótica estrela de bósons se saia ligeiramente melhor. Isso é muito empolgante, pois nosso modelo atual de uma estrela de bósons é muito limitado, e pode ser aperfeiçoado.” Ele acredita que um modelo mais evoluído pode levar a evidências ainda maiores para este cenário e também permitiria aos cientistas estudar as observações de ondas gravitacionais anteriores sob o pressuposto de fusão de estrelas de bósons.
Essa análise envolveria não apenas a primeira observação de uma estrela de bósons mas também de sua estrutura, constituída por uma nova partícula conhecida como bóson ultraleve. Esta categoria de partícula foi proposta para explicar a matéria escura.
“Um dos resultados mais fascinantes deste estudo é que podemos de fato medir a massa desta suposta nova partícula de matéria escura, e que podemos descartar, com grande confiança, que seja um valor zero”, diz Carlos Herdeiro, da Universidade de Aveiro. “Se outras análises desta e de outras observações de ondas gravitacionais confirmarem o resultado, nosso trabalho forneceria a primeira evidência observacional para a existência de um candidato, há muito procurado, para explicar a matéria escura.”
Publicado em 23/03/2021