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Observação de anã branca devorando estrela revela o “elo perdido” da evolução estelar

Novo tipo de sistema estelar binário é observado pela primeira vez, revelando a evolução de uma estrela comum em uma anã branca de massa extremamente baixa.
Sistema binário em evolução estelar.

Ilustração de sistema binário contendo uma anã branca (à direta) devorando uma estrela que se tornará uma ELM (à esquerda), em uma etapa transitória da evolução estelar. Crédito M.Weiss/Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian

Astrônomos observam pela primeira vez um tipo de sistema estelar binário em uma etapa transitória de sua evolução. Ele seria um “elo perdido” conectando dois outros tipos de sistemas binários já conhecidos. Sua existência havia sido teorizada no passado, mas nunca antes um exemplar foi encontrado

A descoberta foi feita por astrônomos do Centro para Astrofísica Harvard & Smithsonian através do telescópio C. Donald Shane, no Observatório Lick (Califórnia, EUA) e publicada em artigo no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

“Nós observamos a primeira prova física de uma nova população de estrelas binárias transitórias,” disse Kareem El-Badry, principal autor do estudo e descobridor desse tipo de sistema. “É o elo perdido nos modelos de formação que estávamos procurando.”

Vida de estrela

A observação descrita no estudo comprovou uma teoria sobre a formação um tipo estelar raro. A maioria das estrelas da sequência principal — de tamanho médio, como o Sol — possuem etapas de sua vida bastante conhecidas. 

Após sua formação, sua enorme força gravitacional é capaz de fazer a fusão nuclear que as mantém brilhando. Mas isso não dura para sempre. Ao longo de bilhões de anos, a estrela vai “consumindo” o seu principal combustível: átomos de hidrogênio que são fundidos em outros elementos mais pesados. Dependendo da quantidade de combustível restante, a estrela se encaminha para outros estágios de sua evolução

O último desses estágios é o de anã branca: o destino de 97% das estrelas. Após uma fase de expansão, elas esgotam seu combustível, contraindo nesta forma. Ela é menor e mais fria, ainda que bastante densa. Será este o final do nosso Sol.

As ELMs

Entretanto, existe um outro tipo de anã branca, muito mais raro. Devido a sua massa diminuta — cerca de um terço da do Sol — ele é chamado de “anã branca de massa extremamente baixa”, ou ELM, na sigla em inglês. 

O problema não estava em encontrar ELMs, mas sim em entender sua formação. Para que a estrela perdesse tanta massa, seriam necessários 13,8 bilhões de anos, de acordo com os cálculos de evolução estelar. Isso as tornaria mais antigas do que o próprio Universo, o que seria impossível.

“O Universo simplesmente não é velho o suficiente para fazer essas estrelas através de evolução normal,” explicou El-Badry. Ele é membro do Instituto para Teoria e Computação no Centro para Astrofísica.

Portanto, segundo a teoria recém-confirmada, para ser possível, a formação das ELM deve ser acelerada pela interferência de outra estrela, em um sistema binário. A outra estrela, geralmente uma anã branca normal, se encontra próxima o suficiente para distorcer e arrancar parte do material da estrela maior (mas menos densa). Esse material é capturado pela gravidade da anã branca, formando o que astrônomos chamam de “disco de acreção” ao seu redor. 

Dessa forma, esse tipo de formação binária — chamado de variável cataclísmica — contribui para diminuir rapidamente a massa da estrela maior. Isso, por sua vez, acelera sua evolução em muitos bilhões de anos, até transformá-la em uma ELM

Comprovando a teoria de evolução estelar

Anteriormente, cientistas já haviam observado outros tipos de variáveis cataclísmicas, em que estrelas ainda grandes, do tamanho do Sol, eram consumidas por anãs brancas. E também já haviam encontrado sistemas binários pacíficos, em que uma ELM orbitava uma anã branca. Ou seja: eles estavam vendo o antes e o depois, mas ainda não existiam observações do durante, em que uma estrela que já perdeu quase toda sua massa se contrai em um ELM. Esse momento de transição, chamado de variável cataclísmica evoluída, ou anã branca pré-ELM, seria o elo perdido na evolução estelar.

Mas isso mudou com o trabalho de El-Badry. No ano passado, ele analisou informações do observatório espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia, e do observatório Zwicky Transient Facility, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. O banco de dados possuía 1 bilhão de estrelas, mas El-Badry reduziu-o para apenas 50 candidatas.

“Se não fosse por projetos como o Zwicky Transient Facility e Gaia, que representam um trabalho enorme de centenas de pessoas nos bastidores — esse estudo simplesmente não seria possível,” afirma ele. 

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Destas 50 candidatas, El-Badry usou o telescópio C. Donald Shane para observar 21. “Cem por cento das candidatas eram estas pré-ELMs que estávamos procurando,” aponta ele. “Elas eram mais inchadas e estufadas que ELMs. Além disso, tinham um formato de ovo porque a atração gravitacional da outra estrela distorce seu formato esférico.”

Das observadas, 13 ainda estavam perdendo massa para suas anãs brancas, enquanto nas outras este processo já havia se encerrado. Sua temperatura também era mais alta do que as variáveis cataclísmicas típicas

“Nós encontramos o elo evolucionário entre duas classes de estrelas binárias — variáveis cataclísmicas e anãs brancas ELM — e encontramos um número decente delas,” disse ele. 

No futuro, El-Badry planeja retornar às 29 outras candidatas de pré-ELMs e continuar seus estudos de evolução estelar. Segundo ele, seu sentimento é o de um arqueólogo, encontrando os fósseis que irão remontar cada passo da evolução humana.

Publicado em 03/12/2021.

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