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O que sabemos sobre a segurança das vacinas contra COVID para as gestantes

A escassez de dados disponíveis deixa a decisão para a mulher e seus médicos, mas benefícios superam riscos em alguns casos

Crédito: Envato Elements

À medida que avança a vacinação contra a COVID-19 entre os grupos prioritários nos EUA,  uma população em particular enfrenta uma decisão difícil: as gestantes que são profissionais de saúde ou profissionais essenciais – categorias que são elegíveis para as fases iniciais do programa de vacinação – “podem escolher ser vacinadas”, de acordo com as últimas orientações oficiais dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. O problema é que os dados disponíveis sobre a segurança das vacinas para COVID-19 nas gestantes são escassos. Elas não foram incluídas nos ensaios clínicos, o que é a praxe com a maioria das vacinas e medicamentos.

“Colocamos as mulheres grávidas numa encruzilhada”, disse Melanie Maykin, estudiosa de medicina materno-fetal da Universidade do Havaí em Manoa. Ela pertence a um comitê da Sociedade de Medicina Materno-fetal que defende o cuidado igualitário durante a gravidez. Em um estudo recente, Maykin e seus colegas observaram que uma avaliação feita ano passado mostrou que  todos os nove testes globais da vacina COVID-19 na época listavam a gravidez como um critério explícito de exclusão dos candidatos a participantes.

O epidemiologista David Schwartz, especialista em saúde materna global e patologia obstétrica, placentária e perinatal, diz que a tradição de não incluir gestantes ou lactantes no desenvolvimento de vacinas pode ser parcialmente atribuída às mudanças biológicas por que elas passam. “É um ser humano tremendamente alterado”, diz ele. “O sistema cardiovascular materno é diferente, assim como a hemodinâmica, a imunologia e a farmacodinâmica.” Além disso, vacinas e medicamentos podem potencialmente atravessar a placenta e é muito difícil avaliar seus efeitos no feto. Do ponto de vista legal, também existem questões de responsabilidade médica.

As grávidas são frequentemente classificadas como uma “população vulnerável”, observa Maykin, e há uma forte razão histórica para isso. No passado, mulheres negras e de baixa renda eram, às vezes, submetidas a ensaios clínicos sem o devido consentimento informado. Os atos de exploração incluíram os testes iniciais de pílulas anticoncepcionais, que usaram altas doses que apresentaram efeitos colaterais prejudiciais. “No entanto, a solução não é excluir [participantes do estudo grávidas]”, diz Maykin, “mas sim incluí-las de forma intencional e justa, especialmente mulheres de cor e [aquelas que são] de baixa renda, como partes interessadas nas decisões sobre drogas e desenvolvimento de vacinas. ”

O QUE SABEMOS ATÉ AGORA SOBRE SEGURANÇA

Apesar da relutância em incluir gestantes em estudos clínicos, essa população ainda recebe vacinas, e sua segurança tem sido monitorada de perto. “Em geral, as vacinas parecem bastante seguras em mulheres grávidas”, diz Sonja Rasmussen, professora dos departamentos de pediatria e epidemiologia da Universidade da Flórida. Vacinas contra a gripe que não envolvem um vírus vivo enfraquecido e a vacina contra tétano, difteria e coqueluche (chamada Tdap), por exemplo, não são apenas consideradas seguras, como são ativamente recomendadas durante a gravidez.

O mais recente estudo de revisão sobre a segurança da vacina contra gripe durante a gravidez, conduzida pelo CDC, analisou todos os 671 relatórios relacionados à vacina contra influenza e gravidez registrados no Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS) de 2010 a 2016. Embora condições como  aborto espontânea e defeitos congênitos maiores tenham sido relatados, sua prevalência nas gestantes vacinadas foi semelhante ao que ocorre na população geral de gestantes. Isso sugeriu que a vacina contra a gripe não estava associada a problemas de gravidez. Uma revisão sistemática recente, com foco na vacina Tdap, também concluiu que, quando a vacina foi administrada durante o segundo e terceiro trimestres, não estava associada a nenhum dano clinicamente significativo ao feto.

Embora esses achados sejam tranquilizadores, uma extrapolação direta para as vacinas COVID-19 deve ser evitada. “O desafio é que não temos [testes de] uma vacina anterior com a tecnologia de mRNA”, diz Linda Eckert, professora de obstetrícia e ginecologia da Universidade de Washington. Ambas as duas vacinas aprovadas nos EUA – desenvolvidas pela Pfizer, BioNTech e Moderna, respectivamente – usam essa tecnologia.

Um princípio orientador geral para a vacinação durante a gravidez é que as vacinas de vírus vivo não são recomendadas devido a um risco hipotético para o feto, diz Maykin. As vacinas da Pfizer-BioNTech ou da Moderna não contém um vírus vivo. Elas funcionam introduzindo o mRNA, que é um conjunto de instruções para que nossas células construam um pedaço de proteína encontrada na superfície do SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19. Nosso sistema imunológico então desenvolve uma resposta contra essa proteína, produzindo anticorpos que podem combater o vírus real. “Quando se pensa na plausibilidade biológica de que esse conjunto de instruções, esse mRNA, poderia causar qualquer dano à mulher grávida ou ao feto, é algo muito improvável. Porque esse mRNA se degradou muito rapidamente depois que a célula o usa para fazer a proteína,”  diz Maykin.

Os especialistas também enfatizam que as vacinas de mRNA não podem alterar o DNA humano. “Um dos rumores que circulam  é que essa vacina vai se misturar com o DNA fetal, e isso não é verdade”, diz Eckert. O mRNA nunca entra no núcleo das células, onde está abrigado  nosso DNA, e portanto, não pode afetar o material genético da gestante ou do feto.

Experimentos com animais realizados pela Moderna também sugeriram que sua vacina não teve efeito adverso na reprodução ou no desenvolvimento de fetos de camundongos. Os dados relacionados à gravidez  de estudos com animais feitos com a vacina Pfizer-BioNTech também parecem apontar para conclusões semelhantes.

A vacina da Johnson & Johnson para a COVID-19, cujos resultados da fase III foram anunciados recentemente,  é baseada em uma tecnologia distinta. Ele usa um adenovírus que foi geneticamente modificado para ser incapaz de atuar como vetor para causar doenças. Assim como no caso das  vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna, não foi testado em grávidas.

Outras vacinas desenvolvidas pela Johnson & Johnson que usam a mesma plataforma de adenovírus foram administradas a um pequeno número de pessoas que engravidaram à época dos estudos. Mas os dados não são robustos o suficiente para tirar quaisquer conclusões sobre sua segurança nesta população. A empresa observa, no entanto, que não há “nenhum padrão preocupante de [eventos adversos] nas gestações iniciadas na época da vacinação”.

Os estudos em animais feitos com uma vacina de adenovírus contra o Ebola não mostraram toxicidade materna ou fetal em coelhas vacinadas durante ou imediatamente antes da gravidez, de acordo com a Johnson & Johnson.

COMO A COVID-19 ESTÁ AFETANDO AS  GRÁVIDAS

O risco absoluto de desenvolver a forma severa da COVID-19  durante a gravidez é baixo. Mas, em comparação com indivíduos não grávidos, aquelas que contraem COVID-19 durante a gravidez têm maior risco de admissão à unidade de terapia intensiva, necessidade de ventilação invasiva e morte, de acordo com dados dos EUA.

Além disso, vários casos de infecção por SARS-CoV-2 foram relatados em recém-nascidos. Uma revisão sistemática recente analisou 176 casos publicados e, em cerca de 70%, os bebês provavelmente foram infectados após o nascimento. Nos outros 30%, acredita-se que o vírus tenha sido transmitido pela mulher grávida, durante o parto ou pela placenta. O último cenário parece ser muito raro, mas casos foram documentados.

Schwartz e seus colegas propuseram um conjunto de critérios diagnósticos para determinar quais recém-nascidos tinham maior probabilidade de terem sido infectados através da placenta antes do parto. Junto com uma equipe de pesquisadores de cinco países, Schwartz identificou uma coorte de seis bebês nascidos vivos, bem como cinco casos de natimortos, que comprovadamente adquiriram a infecção quando ainda estavam no útero. Ao analisar esses casos, a equipe identificou duas anormalidades placentárias incomuns que pareciam ocorrer em todas as pacientes.

Embora os dados iniciais obtidos na China no início de 2020 parecessem sugerir que o novo coronavírus não era particularmente prejudicial para as grávidas ou seus filhos, essa percepção mudou à medida que a doença se espalhou e foram reportados casos de pneumonia grave em grávidas – bem como mortes entre elas. “Percebemos que isso não só é potencialmente fatal para uma pequena porcentagem de mulheres grávidas, mas também parece afetar os recém-nascidos”, diz Schwartz.

Um dos primeiros casos documentados de SARS-CoV-2 infectando a placenta foi registrado no Hospital New Haven de Yale  em março de 2020. A especialista em doenças infecciosas Shelli Farhadian, que é professora assistente na Escola de Medicina de Yale, e seus colegas relataram o caso de uma mulher no segundo trimestre de gravidez que foi internada em um hospital com sintomas de COVID-19. Ela desenvolveu pré-eclâmpsia severa e perdeu o feto. Depois de obter a permissão da paciente para verificar, os pesquisadores encontraram evidências do vírus em sua placenta.

“Ela foi um dos primeiros casos, e não sabíamos se isso se mostraria algo comum”, diz Farhadian. Desde então, ela e sua equipe têm estudado sistematicamente as placentas de pacientes positivas para COVID-19 admitidas no hospital no momento do parto. Em um novo artigo atualmente em revisão, eles afirmam que é muito raro encontrar evidências de infecção por SARS-CoV-2 da placenta em gestações a termo. Mas as pessoas infectadas no início da gravidez não foram estudadas sistematicamente, observa Farhadian.

SINGULAR ESTADO IMUNOLÓGICO  DA GRAVIDEZ

Por muitos anos, acreditou-se que a gravidez era um estado associado à fragilidade imunológica. ã gravidez atribuía-se o fato de que mulheres gestantes morriam mais por doenças como a gripe. Mais recentemente, ficou claro que as alterações imunológicas na gravidez eram muito mais complexas do que isso. “Eles não estavam morrendo porque estavam imunossuprimidas”, disse Gil Mor, diretor científico do Centro C.S. Mott para o Crescimento e Desenvolvimento Humano da Wayne State University. “Elas estavam morrendo porque seu sistema imunológico era tão forte e ativado que produziram uma inflamação fortíssima que as matou”.

Mor, que é especialista em imunologia da gravidez, diz que existem vários mecanismos para manter o delicado equilíbrio entre inflamação excessiva ou insuficiente durante esse período. Se esse equilíbrio não for mantido por qualquer motivo, aumenta o risco de sintomas graves de COVID-19.

Rasmussen, da Universidade da Flórida, observa que ainda não está claro se o aumento do risco de doenças graves durante a gravidez está relacionado a um sistema imunológico alterado ou a outras alterações típicas do estado, como dificuldades respiratórias ocasionais.

CONSIDERANDO  RISCOS E BENEFÍCIOS

O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) publicou recentemente um conselho prático recomendando que as vacinas COVID-19 devem estar disponíveis para gestantes ou lactantes que fazem parte dos grupos prioritários definidos pelo Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP) do CDC. “O que o ACOG realmente defende é que as mulheres sejam capazes de tomar a decisão por si mesmas e por seu feto – que tenham informações para que possam olhar suas circunstâncias e riscos particulares”, disse Eckert, que é o contato do ACOG no ACIP e ajudou desenvolver a assessoria prática da organização.

“Neste ponto, recomendamos que as mulheres conversem com seus profissionais de saúde e avaliem os riscos e benefícios”, diz Rasmussen. Como exemplo ela cita o caso das gestantes  que podem trabalhar em casa e evitar a exposição. Elas poderiam considerar o adiamento da vacinação até depois do parto, se o médico achar apropriado. No entanto, as profissionais de saúde da linha de frente que estão grávidas podem considerar tomar a vacina o mais rápido possível. Outra variável a ser considerada é a presença de outros fatores de risco para a COVID-19, como problemas cardiovasculares ou respiratórios, que podem pesar a favor da pronta vacinação.

Também não está claro quando é melhor ser vacinado durante a gravidez. Um possível efeito colateral conhecido das vacinas COVID-19 autorizadas,  diz Rasmussen, é a febre, algo  importante a ser evitado durante a gravidez – especialmente no primeiro trimestre, quando a febre está associada a um risco maior de defeitos congênitos. As gestantes vacinadas a partir do segundo trimestre podem, potencialmente, estender a proteção ao filho em desenvolvimento. Nesse estágio, diz Mor, o receptor é capaz de transferir anticorpos pela placenta.

Com tantas variáveis ​​e incógnitas, os especialistas reconhecem que esta é uma decisão difícil. “É por isso que acho importante ter uma fonte confiável de informações, como seu médico, que está realmente atualizado com os dados e pode ajudar a orientar a tomada de decisão”, diz Maykin. “Compreensivelmente, as mulheres podem estar hesitantes.”

 

Mariana Lenharo

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