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O que aprendemos no primeiro ano do rover Perseverance em Marte

Apesar de alguns desafios inesperados, os membros da equipe planejam objetivos ousados para o rover Perseverance em 2022.
Rover Perseverance em Marte.

O rover marciano Perseverance, da NASA, tirou esta selfie em 10 de setembro de 2021 – o 198º dia de sua missão. Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS

Há um ano, o rover Perseverance da NASA mergulhou na atmosfera de Marte e aterrissou com segurança na cratera Jezero, uma buraco de 45 quilômetros de largura no qual cientistas suspeitam que havia um lago profundo e duradouro. O alvo final do rover é próximo a margem ocidental de Jezero: uma grande pilha de sedimentos com o formato de um leque, que foi levada à bacia devido a um entalhe na cratera há cerca de 3,5 bilhões de anos. Em outras palavras, o alvo é o delta de um rio – exatamente o tipo de ambiente que poderia preservar sinais de antigas formas de vida marcianas.

Perseverance é a vanguarda na grande jornada da humanidade para encontrar evidências restantes de uma biosfera marciana. O objetivo geral da missão de US$ 2,7 bilhões é coletar dúzias de amostras de rocha marciana, muitos deles no delta. Então, em algum momento do início dos anos 2030, uma sequência de sondas especiais deve retornar essas amostras para Terra para um exame minucioso, possivelmente permitindo que cientistas finalmente descubram se o Sistema Solar já abrigou mais de um mundo com vida. 

“Talvez a vida microbiana do passado poderia ter existido em Marte quando ele era um pouco mais quente e um pouco mais úmido”. afirma Lori Glaze, diretora da divisão de ciência planetária da NASA. “A superfície de Marte – a geologia, a história geológica – está preservada. Podemos enxergar 4,3 bilhões de anos atrás na superfície… Não é possível fazer isso em outros locais”.

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Formado a partir da união de 16 imagens capturadas pelo rover Perseverance da NASA, esse vídeo percorre uma visão panorâmica da uma parte da cratera Jezero, revelando as colinas marrons em distância média, que são parte do delta de um antigo rio da cratera. Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASU/MSSS

As observações iniciais do Perseverance já revelam que a história geológica de Jezero é mais rica do que antes imaginado, com mudanças dramáticas nas condições ambientais. Agora, enquanto o rover aumenta o ritmo de suas coletas de amostras, os cientistas na Terra  estão ansiosos para mandá-lo para oeste, em direção do tentador delta do rio e seu potencial tesouro biológico. No entanto, Marte nem sempre obedece às regras. O planeta já criou alguns desafios não previstos no primeiro ano terrestre do rover na superfície de Marte.

“Toda vez que mandamos uma missão para Marte, tivemos que aprender mais sobre como o planeta vai lidar com nossa sonda, e tivemos que aprender como operá-la naquele ambiente”, afirma Glaze. Mas ela adiciona que o Perseverance está funcionando bem. “Tudo está andando com um ritmo excelente. [A equipe] está fazendo um bom progresso”.

Ciência inicial fora da pista de aterrissagem

O Perseverance não está sozinho ao celebrar seu primeiro aniversário em Marte. Ele foi um de três missões espaciais a chegar em Marte em fevereiro do último ano. O orbitador Hope, dos Emirados Árabes Unidos, ainda está circulando o planeta. E a missão chinesa multicomponente Tianwen-1 – composta de um orbitador, um módulo de pouso e um rover – também está lá. O rover dessa missão, Zhurong, está atualmente explorando uma planície marciana chamada Utopia Planitia, 1.800 quilômetros a nordeste da localização do Perseverance. 

Entretanto, de volta a cratera Jezero, as aventuras marcianas do Perseverance tiveram uma reviravolta inesperada quase logo no início, começando com o local no qual o rover aterrissou em 18 de fevereiro de 2021.  

“Em todas as simulações que foram realizadas previamente, o local mais provável de aterrissagem era uma área grande e plana que começamos a chamar de ‘pista de pouso’, bem na frente do delta”, afirma Ken Farley, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA) e cientista de projeto da missão. “Então estávamos fazendo piadas de como, em 19 de fevereiro, iríamos acordar olhando para uma parede na nossa frente. E, bem…, isso não aconteceu”. 

Caminho do Perseverance.

A imagem de satélite com anotações da cratera Jezero, datada de 15 de dezembro de 2021, mostra a rota percorrida (linha branca) pelo Perseverance (ponto azul claro) na região Séítah da cratera desde seu pouso em 18 de fevereiro do mesmo ano. O rever deveria retraçar seu caminho de volta para o local de pouco antes de seguir uma nova rota (linha azul) para o delta do rio de Jezero. Crédito: NASA/JPL-Caltech

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Conforme o rover descia para superfície, uma sistema de navegação a bordo guiou o Perseverance de forma autônoma até uma área que o software julgou como “segura” — e realmente era. Mas ao invés de aterrissar dentro de uma viagem de um dia terrestre do delta, o rover acabou a 2,5 quilômetros de distância, no outro lado de um terreno traiçoeiro, arenoso e cheio de rochas chamado Séítah, a palavra em navajo para “em meio a areia”. Circunavegar o terreno mais do que dobraria o caminho do rover até seu alvo primário de exploração. Ainda assim, enquanto o Perseverance analisava seus entornos imediatos, os controladores de missão decidiram deixá-lo ficar no chão da cratera e explorar Séítah antes de fazer o retorno e seguir para o delta. 

“Eu trabalhei no [rover] Curiosity desde que ele pousou na cratera Gale”, afirma  Katie Stack Morgan, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e cientista de projeto do Perseverance. “E [com] a primeira imagem que recebemos do Perseverance, eu olhei para a paisagem e pensei, ‘Nossa, realmente não estamos mais na cratera Gale’. Isso não se parece com nada que eu vi em Gale”.

Ao invés de aterrissar nos sedimentos do lago, o rover parou em rocha-matriz fraturada cheio de rochas estranhas e algumas vezes empoeiradas. Muitas dessas rochas estão envoltas de uma curiosa cobertura roxa que se assemelha ao “verniz do deserto” na Terra – pátinas associadas com micróbios terrestres resistentes à radiação.

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Inicialmente, as texturas das rochas e sua geoquímica desafiavam qualquer classificação. Mas, uma vez que o rover atravessou a superfície erodida de uma rocha de Jezero, os cientistas viram exatamente o que espera-se do fluxo de lava – e não do fundo de um lago.

“Todas as rochas que identificamos com confiabilidade são ígneas”, afirma Farley. “Elas não têm nada a ver com o lago”.

Produzidas por meios vulcânicos, as rochas ígneas no chão de Jezero contém grandes cristais de olivina que tipicamente se formam próximos ao fundo de espessos lagos ou fluxos de lava. Os cientistas ainda não sabem como ou quando as rochas acabaram em Jezero, mas agora está claro que a superfície que o Perseverance está atravessando não é o chão original do lago. Investigações posteriores revelaram que as rochas foram alteradas por água, que escavou pequenos túneis e bolsões em seus interiores, agora preenchidos com sais minerais. Pelo menos na Terra, esses materiais são perfeitos para preservar sinais de vida. Sua presença, junto dos vernizes roxos misteriosos, faz essas rochas vulcânicas alvos inesperadamente interessantes.

“Rochas ígneas não são onde você tipicamente iria procurar por sinais de vida, porque elas vêm de magmas extremamente quentes que não necessariamente favorecem a vida”, afirma Stack Morgan. “Mas quando essas rochas estão na superfície ou na subsuperfície interagindo com água, então estão criando-se pequenos nichos dentro da própria rocha que podem ser habitáveis. Tem ingredientes químicos lá dentro; água; tem precipitação de sais minerais”.  

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Enquanto o Perseverance voltava sua visão para áreas mais ao longe, ele espiou o anel montanhoso da cratera e a parede do delta. (“Nós confirmamos que há um delta, então isso já está feito”, afirma Stack Morgan). Ele também notou um afloramento rochoso chamado Kodiak, usado por membros da equipe para medir a profundidade das antigas águas de Jazero. Padrões na rocha sugerem que em pelo menos uma ocasião, a água chegou a níveis surpreendentemente baixos, caindo para menos de 100 metros abaixo de um canal de saída no leste. Outras observações provêm indícios de um dilúvio que desembocou na cratera com força suficiente para arrastar grandes rochas, agora espalhadas sem padrão em algumas áreas. Em outras palavras, o lago de Jezero ocasionalmente foi estável e plácido, e em outros momentos, foi arrebatado por períodos intensos de escoamento. 

Rochas marcianas.

Camadas rochosas de Kodiak, a colina com o cume plano no centro da imagem, revelaram antigos capítulos da história da cratera Jezero, marcados pela deposição gradual de sedimentos seguida de grandes alagamentos. Crédito: NASA/JPL-Caltech/ASU/MSSS

E, estranhamente, Jezero parece ter muito mais vento do que o antecipado. Felizmente, isso não prejudicou o amigo robô de Perseverance, um helicóptero chamado Ingenuity. Desde abril de 2021, Ingenuity funcionou bem – tão bem, de fato, que após seus testes iniciais, a equipe começou a usá-lo para ajudar a guiar o rover por terrenos complicados, como em Séítah. “Ele tirou um 10 nas provas”, afirma Farley. “Agora ele é nosso companheiro, e vai continuar a voar e fazer reconhecimento para nós”.

Viaje para oeste, jovem rover

Coletar e armazenar amostras também mostrou-se mais complicado que o antecipado. No último agosto,  quando o Perseverance fez sua primeira tentativa de coleta de um núcleo de rocha, a equipe da missão estava otimista. Eles tentaram o maquinário em rochas terrestres e realizaram um troubleshooting abrangente no software guiando o processo. A rocha-alvo não deu nenhuma indicação de que seria desafiadora. A tarefa deveria ter sido fácil. 

Mas o primeiro tubo de extração estava devastadoramente vazio. “Extrair um tubo vazio, com volume zero, foi chocante, infelizmente”, afirma Jessica Samuels do JLP, líder do sistema de coleta de amostras da missão. “Isso nunca foi algo com que nos preocupamos – não obter a amostra. Nos preocupamos com tantas outras coisas”

Revelou-se que a rocha foi tão alterada pela água que ela se esfarelou diante da pressão da broca do Perseverance – um resultado longe do ideal, mas um que deixou a equipe com um tubo útil cheio da atmosfera marciana. Ainda assim, o fracasso da primeira amostra foi estressante e, se os problemas continuassem, eles poderiam perder a oportunidade de uma vida de coletar material intacto de Marte e retorná-lo à Terra. 

Paisagem de Marte.

Vista do helicóptero marciano da NASA Ingenuity durante o voo, como visto pelo rover Perseverance em 25 de abril de 2021. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Desde então, a equipe se reagrupou e coletou seis núcleos de rocha com sucesso. Estes núcleos, afirma Samuels, são uma validação de que o sistema realmente funciona como planejado. “Não somos nós. É Marte”, afirma ela. E, realmente, Marte recentemente criou outro episódio de dificuldades na coleta de amostras quando pedras prenderam-se no equipamento de capturar amostras do rover. Dessa forma, o Perseverance teve de se chacoalhar para soltá-las. 

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“Nunca há um momento de tédio na hora de coletar amostras”, afirma Samuels. “Ela nos mantém sempre alertas. E nos mantém sempre pensando sobre as diferentes condições ao redor”. 

No todo, recuperar uma pequena coleta de amostras de Marte é uma tarefa audaciosa que está quase fora de nossas capacidades tecnológicas, mesmo se cada uma dos mecanismos da missão funcionar perfeitamente. “Estamos forçando os limites da tecnologia que temos hoje em dia para pousar e lançar um foguete de Marte que seja apenas grande o suficiente para colocar uma bola de basquete em órbita”, afirma Albert Haldemann, engenheiro-chefe de [ações em] Marte na Agência Espacial Europeia, e parceiro no trabalho de retorno de amostras.

Os núcleos de rochas ígneas já coletados pelo Perseverance podem ser usados para medir a força do antigo campo magnético de Marte. Além disso, podem determinar precisamente as idades dos períodos da cratera. Por enquanto, cientistas estimam que água fluiu em Jezero há cerca de 3,5 bilhões de anos, mas Farley  afirma que a incerteza nessa estimativa é de meio bilhão de anos. Segundo os membros da equipe, em breve eles irão começar a pensar quando e onde o Perseverance deve depositar uma coleta preliminar de materiais – no caso do rover não estar mais funcionando quando a próxima sonda chegar para recuperar seu prêmio. 

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“Se tudo estiver a bordo do Perseverance e ele morrer inesperadamente, então não teremos nada”, afirma Haldemann. “Portanto, uma coleta de segurança será depositada em um potencial local de pouso – antes é melhor que depois”.

Antes que ele deixe o chão da cratera, o Perseverance irá preencher mais dois dos 43 tubos de amostra ultra limpos que tem a bordo. Em seguida, ele irá virar para o oeste e acelerar: “Nós vamos pisar no acelerador para chegar no delta”, afirma Stack Morgan.

Nadia Drake

Nadia Drake é uma jornalista de ciência especializada em cobrir astronomia, astrofísica e ciência planetária. Já assinou textos no National Geographic, New York Times e Atlantic, entre outros. 

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 17/02/2022; aqui em 24/02/2022.

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