Novos experimentos podem requalificar o bóson de Higgs
Investigação pode confirmar se o bóson de encaixa ou não no Modelo Padrão da física de partículas
Por Clara Moskowitz
Se parece um Higgs, e age como um Higgs, então provavelmente é um bóson de Higgs padrão. Esse é o resultado das medidas mais recentes obtidas pelo Grande Colisor de Hádrons (LHC, em inglês), do laboratório europeu CERN, onde físicos estão caracterizando cuidadosamente a nova partícula que descobriram em 2012.
Até agora todos os testes do acelerador de Genebra confirmam que a nova partícula se parece muito com o bóson de Higgs descrito pelo Modelo Padrão da física de partículas. Esses resultados confirmam de maneira retumbante a teoria de Higgs, proposta pela primeira vez em 1964 por Robert Brout, François Englert e Peter Higgs – e ajudaram os dois últimos a ganhar o Prêmio Nobel no ano passado. (Brout morreu em 2011, o que o torna inelegível para o prêmio).
Mas cientistas estão ansiosos para detectar desvios dessa ideia, que podem revelar uma camada mais profunda da física. Se, por exemplo, o bóson de Higgs decair em partículas menores em taxas levemente diferentes das previstas, isso poderia indicar a presença de novas partículas exóticas interferindo com esse decaimento.
Ainda que a maioria dos resultados recentes não mostre sinais de interferência, a próxima fase do LHC poderia trazer novas ideias; o acelerador deve começar a operar com energias mais altas no início de 2015.
Nas energias previstas, o bóson de Higgs pode abrir a porta para uma nova teoria da física que explique o Universo de maneira mais completa. “Com a descoberta do bóson de Higgs, nós não encerramos nossa busca: na verdade, iniciamos uma linha de pesquisa completamente nova”, declara Paul Padley, físico da Rice University que trabalha no experimento Solenoide Compacto de Múons (CMS), do LHC. “Nosso trabalho nas próximas décadas será estudar isso tudo detalhadamente”.
Quando físicos observaram o Higgs no LHC pela primeira vez, eles o identificaram por meio de seu decaimento em outros bósons – especificamente, bósons de gauge, que são partículas transportadoras de força, como o fóton (que carrega a força eletromagnética) e os bósons W e Z (que carregam a força nuclear fraca).
Agora, porém, pesquisadores do CMS relatam na Nature Physics ter evidências do Higgs decaindo em férmions – a classe de partículas que inclui elétrons e quarks que compõem átomos. O Modelo Padrão também prevê esses decaimentos, mas os pesquisadores não foram precipitados em sua conclusão.
Acredita-se que o Bóson de Higgs tenha relação com o invisível campo de Higgs, que permeia todo o espaço.
Conforme partículas viajam por esse campo, suas interações com ele lhes dão massa. A descoberta original de que partículas de Higgs decaem em outros bósons confirmou que o campo de Higgs pode interagir com bósons.
Agora, os resultados mais recentes mostram que o campo também pode interagir com férmions. A descoberta apoia a ideia de que um único bóson de Higgs do Modelo Padrão explica como todas as partículas recebem massa.
Mas algumas hipóteses sugerem que existem vários tipos de bósons de Higgs – e, portanto, campos de Higgs –, e que cada tipo é responsável por conceder massa a certos tipos de partículas. “Esse novo resultado não elimina outros bósons de Higgs, mas dá mais força para o Modelo Padrão”, explica o físico teórico Ayres Freitas, da University of Pittsburgh. “Mas também há possibilidade de existirem dois bósons de Higgs que basicamente dividem a mesma função, ambos contribuindo com parte da massa das partículas”.
Com mais dados provenientes da próxima ativação do LHC, físicos podem conseguir confirmar ou descartar essa opção. No momento, as incertezas sobre a frequência com que o bóson de Higgs decai em férmions – e, portanto, com que força o campo de Higgs se “acopla” ou interage com eles – são imprecisas. “Talvez a acoplagem da partícula recém-descoberta seja maior ou menor que a prevista pelo Modelo Padrão, e esse desvio seria compensado por um segundo bóson de Higgs”, especula Freitas.
E, se bósons de Higgs adicionais existirem, o LHC pode ser capaz de produzí-los imediatamente quando iniciar suas operações com energias mais altas no ano que vem.
Desde que o colisor foi inaugurado, em 2008, sua energia máxima era de oito tera-elétron volts (TeV). Quando o LHC finalizar seu hiato atual e for reativado na primavera boreal de 2015, ele deve ser capaz de atingir energias de 13 TeV, graças a melhores imãs supercondutores que forram o anel subterrâneo do acelerador, que tem 27 quilômetros de comprimento.
Imãs mais fortes conseguem acelerar os prótons inseridos no anel a velocidades mais altas que antes garantindo que, no momento da colisão, as explosões sejam ainda mais energéticas. Os prótons também devem ficar mais próximos uns dos outros, o que produz um feixe mais denso e intenso, permitindo um número maior de colisões frontais.
Físicos esperam que a próxima ativação do LHC produza 300 vezes mais bósons de Higgs que a anterior. “Essa taxa maior se traduzirá em medidas mais precisas das propriedades do bóson de Higgs”, explica Freitas. Ainda de acordo com Freitas, os novos dados devem melhorar os cálculos relativos à força com que o campo de Higgs interage com várias partículas, incluindo bósons e férmions, por um fator de dois ou três. “Isso definitivamente cria chances de observarmos eventos inéditos, mas não sabemos o que a natureza nos reserva”.
Uma das opções para uma teoria mais profunda da física além do Modelo Padrão é a supersimetria – a ideia de que, para cada partícula fundamental, existe uma outra partícula “supersimétrica”.
Até agora, nenhum sinal dessas partículas se materializou, mas o LHC aperfeiçoado pode ser poderoso o bastante para criar as partículas supersimétricas propriamente ditas. E mesmo se isso não acontecer, o LHC poderia provar a existência dessas partículas de maneiras mais sutis.
Essas partículas podem surgir como fantasmas quânticos, aparecendo e desaparecendo rapidamente a partir do nada, enquanto o bóson de Higgs decai em partículas mais mundanas. Medidas mais precisas do decaimento do Higgs poderiam refletir se isso está acontecendo. “Às vezes fazemos progresso não ao descobrir grandes novidades, mas ao vermos que as propriedades observadas não estão de acordo com o esperado”, comenta Padley.
O Modelo Padrão também não explica a matéria escura, que se acredita ser composta de partículas invisíveis que não interagem com partículas regulares, mas que mesmo assim compõem a maior parte da massa do Universo. “O bóson de Higgs interage com partículas que têm massa, então existe uma real possibilidade de que ele possa interagir com partículas de matéria escura”, explica Richard Cavanaugh, pesquisador do CMS, do Laboratório Nacional do Acelerador Fermi e da University of Illinois, em Chicago.
Se o Higgs realmente decair em partículas de matéria escura, por exemplo, elas poderiam atravessar o LHC sem nunca serem detectadas. Mas sua ausência – e a ausência de outros produtos de decaimento – poderiam chamar a atenção de pesquisadores.
Por fim, ninguém sabe o que o futuro do LHC trará, mas as possibilidades são numerosas e tentadoras, deixando cientistas ansiosos. “Esse é um dos momentos emocionantes para a física”, admite Cavanaugh. “Eu acordo arrepiado por causa disso tudo”.
Uma colisão próton-próton no experimento CMS, do LHC, mostra um cadidato a bóson de Higgs decaindo em dois fótons (linhas amarelas destacas).
SA26jun2014
sciambr27jun2014