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Novas revelações aumentam a pressão para que a NASA renomeie o Telescópio Espacial James Webb (JWST)

Conversas de email mostram o conflito na agência espacial para atender às demandas pedindo pela renomeação de seu mais novo e mais poderoso observatório.
Webb

Ilustração artística do Telescópio Espacial James Webb, à esquerda, e o administrador da NASA homenageado por seu nome, à direita. Crédito: NASA GSFC/CIL/Adriana Manrique Gutierrez (CC BY 2.0) (esquerda), NASA Images at the Internet Archive (direita)

Tristeza. Decepção. Frustração. Raiva. Essas são algumas das reações de astrônomos LGBTQ+ em relação às últimas revelações acerca da decisão da NASA de não renomear o Telescópio Espacial James Webb (JWST), dado que a agência há muito tempo tem evidências que seu administrador no período das missões Apollo esteve envolvido na perseguição de funcionários gays e lésbicas entre os anos 1950 e 1960. 

As novas informações vieram à tona no fim do mês passado (março), quando quase 400 páginas de emails foram postadas online pelo periódico Nature, que obteve as conversas através da Lei de Acesso à Informação dos EUA (Freedom of Information Act, FOIA, na sigla). Desde o começo do ano passado, quatro pesquisadores têm liderado os esforços para que a NASA altere o nome da sua missão de 10 bilhões de dólares, lançada em dezembro de 2021, que proverá observações sem paralelo do Universo. Os emails deixam claro que, nos bastidores, a NASA conhecia muito bem o legado problemático de Webb mesmo quando a liderança da agência se negou a retirar seu nome do projeto. 

“Lendo as trocas de email, parece que eles não se importam com os cientistas LGBTQ+ ou com as questões que levantamos”, afirma Yao-Yuan Mao da Universidade Rutgers (EUA), que mantém uma lista online de astrônomos e astrofísicos abertamente LGBTQ+. 

“A incompetência ao redor de toda essa questão é quase engraçada”, afirma Scott Gaudi, astrônomo na Universidade Estadual de Ohio (EUA), “e o quão pouco eles pararam para pensar na importância dessa questão para a comunidade de astrônomos LGBTQ+ – e na importância da NASA para crianças LGBTQ+ tentando encontrar uma inspiração apenas  para continuar vivendo”.

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Como o sucessor do renomado Telescópio Espacial Hubble, é provável que um dia o nome do JWST seja conhecido tanto por crianças em idade escolar, pais suburbanos e idosos, e é por esta razão que astrônomos LGBTQ+ acreditam que é tão importante que o homenageado pelo nome do observatório não deva ser alguém que foi acusado de estar envolvido em diretrizes homofóbicas. Muitos deles veem a resistência da NASA em renomear o James Webb como parte de uma tendência desanimadora, em que as ações da agência dizem mais do que suas palavras de cultivar a diversidade e inclusão entre seus funcionários. No mês passado, por exemplo, oficiais da NASA tiveram dificuldades em explicar o cancelamento repentino de uma iniciativa para permitir que funcionários do Centro de Voos Espaciais Goddard mostrem mais facilmente os pronomes pessoais de sua preferência na comunicação interna da agência. 

Em uma reunião no dia 30 de março da Comissão Consultiva de Astrofísica da NASA, oficiais afirmaram que a investigação do potencial envolvimento de Webb na perseguição de pessoas LGBTQ+ ainda está em andamento, e eles esperam apresentar um relatório final nos próximos meses. “Eu estou procurando por evidências adicionais que podem contradizer o nosso atual entendimento do papel de Webb nisso”, afirmou o historiador chefe interino da agência Brian Odom. Na mesma reunião, o diretor de astrofísica da agência Paul Hertz até ofereceu algum apoio, reconhecendo que “a decisão tomada pela NASA é dolorosa para alguns, e parece errada para muitos de nós”.

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Para reparar sua reputação danificada com a comunidade LGBTQ+, afirmam alguns astrônomos, a agência deve ceder à pressão e retirar o nome de Webb de seu principal telescópio. 

Renomear o JWST seria “algo simples mas muito impactante que a NASA pode fazer, tanto para astrônomos como para o público em geral”, afirma Johanna Teske, astrônoma na Instituição Carnegie pela Ciência em Washington, D.C. (EUA). “Por que eles não usariam essa oportunidade para fazer isso e corresponder a um de seus valores centrais?”

Originalmente conhecido como o Telescópio Espacial da Próxima Geração, o JWST foi rebatizado em homenagem a Webb em 2002, uma decisão tomada por Sean O’Keefe, o administrador na NASA naquele momento. Pouco se sabia na época sobre o papel de Webb no período na metade do século 20 da história estadunidense conhecido como o Ameaça da Alfazema — uma espécie de caça às bruxas na qual muitos funcionários gays e lésbicas do governo federal foram vistos como riscos à segurança nacional e subsequentemente monitorados, assediados e demitidos. 

Antes de liderar a NASA, Webb era o segundo no comando do Departamento de Estado dos EUA. Em um email obtido pela Nature em 3 setembro  de 2021, um autor não identificado nota que documentos de arquivo parafraseados em um livro de história de 2004 afirmam: “Webb se encontrou com o presidente [Harry S.] Truman em 22 de junho de 1950 para estabelecer como a Casa Branca, o Departamento de Estado e o Comitê Huey poderiam ‘trabalhar juntos na investigação homosexual’”. Muitos trabalhadores LGBTQ+ foram demitidos do Departamento de Estado antes de Webb deixar sua posição em 1952.

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Críticos afirmam que a homofobia acompanhou Webb até a NASA. Durante sua gestão como administrador da agência entre 1961 e 1968 – um período crítico nas suas preparações para pousar astronautas na Lua – um funcionário suspeito de ser gay, Clifford Norton, foi interrogado por horas sobre seu passado sexual pelo chefe de segurança da NASA e acabou sendo demitido devido a sua “conduta imoral, indecente e vergonhosa”. Isso foi parte da justificativa para as reivindicações pela renomeação do JWST. A NASA respondeu ao conduzir uma investigação interna sobre a complicidade de Webb em tais ações. 

Em 27 de setembro de 2021, o atual administrador da agência Bill Nelson divulgou uma declaração de apenas uma linha dizendo: “Nós não encontramos nenhuma evidência até este momento que justifique mudar o nome do Telescópio Espacial James Webb”. A fala parece estranha, dado que, tão cedo quanto abril de 2021, um autor não identificado dos emails recentemente publicados apontou que o oficial que demitiu Norton testemunhou que a terminação aconteceu porque seus superiores lhe falaram que a demissão por condutas homossexuais era considera um “costume na agência”.

Antes da declaração de Nelson, o autor não identificado do email de 3 de setembro de 2021 recomendou fortemente a mudança de nome do telescópio. “É inegável que Webb possuía uma posição de liderança na Ameaça da Alfazema”, afirmou. 

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“Parece que, desde o começo, todo o trabalho de pesquisa foi desvirtuado pelo fato de que o objetivo era eliminar as críticas que receberam”, afirma Lucianne Walkowicz, astrônoma no Planetário Adler, em Chicago, e uma das cientistas liderando os esforços para renomear o JWST. 

Ainda mais desconcertante para muitos astrônomos LGBTQ+ é um episódio que os emails referenciam no qual Hertz afirmou que entrou em contato com mais de 10 membros da comunidade astrofísica – nenhum dos quais se identificava como LGBTQ+ – e, segundo ele,  nenhum deles expressou descontentamento com a possibilidade do JWST manter seu nome problemático. 

“Eu trabalhei ao lado de Paul Hertz por mais de uma década, e o considero um colega e mentor”, afirma Gaudi. “Ele me conhece. Ele sabe que sou gay. E ele não me perguntou. Sério mesmo?”

A resposta da NASA para este controvérsia, que parecia servir apenas para cumprir seus objetivos, destaca o fato que agências federais raramente seguem métodos claros para nomear ou renomear projetos de alto calibre. Essas decisões muitas vezes parecem ser feitas com total liberdade por oficiais sênior, sem considerar vozes externas de outras partes interessadas, incluindo o público geral. No final de 2019, por exemplo, a Fundação Nacional de Ciência renomeou o Grande Telescópio Sinótico de Varredura em homenagem à astrônoma Vera C. Rubin, instrumental para descoberta da matéria escura. De acordo com Matt Mountain, presidente da Associação de Universidades para Pesquisa em Astronomia, a ideia para alteração surgiu de uma sugestão feita na Comissão de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos – e não de uma consulta de base. 

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O Telescópio Infravermelho de Varredura de Campo Largo da NASA, que ainda está para ser lançado, foi similarmente renomeado para homenagear Nancy Grace Roman, outra astrônoma pioneira e a primeira executiva mulher da NASA, ainda que, neste caso, a agência seguiu um procedimento formal para determinar os nomes de grandes projetos. A maioria das mudanças de nome da NASA ocorreram antes de completar e lançar o projeto, mas também há precedente para alterações depois do lançamento. O Swift Gamma-Ray Burst Explorer se tornou o Observatório Neil Gehrels Swift em homenagem ao seu falecido investigador principal, e o National Polar-Orbiting Operational Environmental Satellite System Preparatory Project foi renomeado em homenagem ao meteorologista Verner E. Suomi três meses após seu lançamento. 

O custo dessas alterações – que envolve mudar documentos oficiais, sites e designs gráficos – parece ser quase desconsiderável. O orçamento anual do Observatório Rubin, de 40 milhões de dólares, não passou por nenhum aumento durante a mudança de nome, afirma Mao, sugerindo que essas alterações têm riscos monetários mínimos em troca de benefícios substanciais. 

“A mudança do nome, na minha opinião, eleva a comunidade científica Vera Rubin”, adiciona Mao. “O nome não só me inspira a fazer pesquisas interessantes, mas também me lembra que existe uma responsabilidade para aumentar a inclusividade desse campo.”

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Alguma resistência a mudar o nome do JWST vem daqueles que insistem que ele não era um perseguidor odioso, mas apenas uma figura complicada – um pessoa de seu tempo que, como todos, fez coisas boas e coisas ruins.

“É tentador ir atrás de monstros”, afirma Walkowicz. “Mas eu acredito que monstros são um mito que contamos para nós mesmos sobre como o preconceito e discriminação são colcados em prática. Estamos muito focados em uma ideia cartunesca de discriminação ao invés de enxergar como ela é uma decisão de muitas camadas, realizada por muitas pessoas.” Mas se Webb merece o crédito por ajudar a colocar astronautas na Lua durante seu mandato, adiciona Walkowicz, então ele também possui a responsabilidade pelas ações homofóbicas conduzidas pela sua administração.

Não importa a maneira como a NASA siga adiante, os danos causados a sua relação com a comunidade LGBTQ+ levarão tempo e esforços para serem reparados. “Eu perdi a confiança, e eu acho que muitas pessoas também”, afirma Chanda Prescod-Weinstein, cosmologista teórica na Universidade de Nova Hampshire e outra líder dos esforços para renomear o JWST. Mas mudança ainda é possível, afirma ela: “Como cientistas, muitas vezes percebemos que estávamos errados, e escolhemos um novo caminho”.

Adam Mann

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 04/04/2022; aqui em 05/05/2022.

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