Nova mutação do coronavírus detectada no Reino Unido não é motivo para pânico
No Reino Unido, e em todo planeta, pessoas reagiram com preocupação diante da notícia de que foi detectada uma nova mutação no coronavírus causador da COVID-19 que facilita a transmissão da doença. A nova mutação não parece gerar uma forma mais aguda da doença, e as vacinas que estão sendo disponibilizadas parecem oferecer proteção adequada. Ainda assim, após o anúncio de que essa variante do vírus, apelidada de B.1.1.7, havia acumulado 17 mutações e estava se espalhando rapidamente pelo Reino Unido, em 19 de dezembro o primeiro-ministro Boris Johnson anunciou quarentena mais restritiva no país. E diversas nações da Europa restringiram o acesso de de viajantes vindos do país.
Nos Estados Unidos a resposta foi variada. Alguns políticos, como o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, primeiro pediram a suspensão dos voos vindos do Reino Unido, e depois pediram uma testagem obrigatória dos viajantes. Mas cientistas como Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dizem que não adianta mais banir os vôos para parar o contágio da variante nos Estados Unidos. “Não estarei surpreso se ela já estiver aqui”, disse no dia 22 de dezembro.
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Com base em modelos matemáticos, o consórcio COVID-19 Genomics UK sugere que o B1.1.7 pode ser até 70% mais transmissível do que o vírus original. “É um valor chocante. Claramente é algo novo que está circulando”, diz Ali Mokdad, especialista em saúde da população na Universidade de Washington. “Qualquer mutação é uma preocupação para nós. Esse é um vírus oportunista e teimoso.”
Alguns pesquisadores, entretanto, duvidam que a rapidez no contágio apresentada por essa nova variante signifique necessariamente que ele seja mais transmissível. “Eu concordo que devemos pesquisar essa possibilidade. Mas até termos alguns dados, devemos realmente ser cuidadosos com o que dizemos”, diz Vincent Racaniello, virologista na Universidade de Columbia. A melhor informação sobre a transmissibilidade virá de estudos feito em animais, que avaliam se essa variação pode se deslocar mais facilmente de uma cobaia para outra, e esse estudo ainda não foi publicado. Como a maioria dos surtos por COVID-19 são causados por indivíduos que infectam muitas outras pessoas, diz Racaniello, é concebível que uma pessoa ou alguns indivíduos possam difundir a nova variante em larga escala.
Mas outros discordam. No Reino Unido, a difusão dessa variante vêm aumentando de maneira estável com o tempo, e não da forma repentina que seria o esperado no caso dos eventos de super-contágio, diz Scott Weaver, imunologista na Universidade do Texas Medical Branch (UTMB).
Além disso, oito das 17 novas mutações da variante B 1.1.7 estão na proteína spike: a porção da casca do coronavírus que permite que ele se ligue a receptores na superfície de células e infecte células. Uma das mutações da proteína spike, chamada N501Y, aparece em outra nova variante proveniente da África do Sul, e parece melhorar a habilidade de ligação do vírus. Em tese, a maior capacidade ligação poderia aumentar a transmissibilidade.
Michael Farzan, imunologista no Instituto de Pesquisa Scripps, diz que a mutação N501Y parece ter surgido várias vezes e de forma independente em diferentes áreas, e que isso é evidência de que de que ela confere ao vírus algum tipo de vantagem. Outras mutações da proteína spike, incluindo uma chamada D614G, que foi observada nos Estados Unidos, permite que o vírus se replique melhor no trato respiratório superior de ratos do que no trato inferior. Essa propriedade permitiria ao vírus se difundir com mais facilidade através de espirros e tosses. Porém, a variante D614G já circula há algum tempo, e não parece ser mais infecciosa ou criar sintomas mais sérios.
As mutações podem não ajudar essa variante do vírus SARS-CoV-2 a invadir todas as células e proteínas que nossos sistemas imunológicos utilizam para combatê-lo. Dados iniciais de laboratório obtidos por Vineet Menachery, microbiólogo da UTMB, sugerem que a variante N501Y seja tão suscetível a nossas defesas quanto o vírus original. Mas essas alterações genéticas podem significar más notícias para tratamentos de anticorpos monoclonais contra o vírus. Um estudo pré-publicado do dia 1 de dezembro descobriu que as mutações causam mudanças em um segmento de vírus que fica muito perto das regiões do genoma que são reconhecidas pelos monoclonais produzidos pelas empresas farmacêuticas Eli Lilly e Regeneron. Isso pode dificultar que os anticorpos se liguem ao patógeno e o neutralizem.
Para Farzan e outros, a questão mais importante no momento é saber como essa nova variante irá afetar as vacinas já existentes contra a COVID-19, assim como o desenvolvimento de novas vacinas. Não parece provável que a variante B1.1.7 seja capaz de resistir às vacinas já desenvolvidas pela Pfizer e pela Moderna, ou àquelas que estão sendo produzidas por outras empresas e que ainda estão sendo testadas. Ainda assim, o fato que as mutações estejam se acumulando na proteína spike pode significar que, com o tempo, as vacinas se tornem menos efetivas. Esse problema forçaria os desenvolvedores de vacina a adaptar seus produtos, para assegurar que eles possam combater novas versões do vírus. “Muitas pessoas acreditam que o quadro será semelhante ao do combate à gripe, com uma nova vacina a cada ano”, diz Weaver.
Ele e outros dizem que as mutações no vírus não são razões para pular alguma das etapas de vacinação, pois elas ainda serão muito eficazes. Elas conseguem proteger mais de 90% das pessoas contra a COVID-19. E nos ensaios clínicos não houve sinais de que o vírus, ou qualquer nova variante, possa resistir às vacinas.
O nova variante do Reino Unido aumenta a necessidade da adoção de medidas de saúde pública, como o distanciamento físico e o uso de máscaras, Racaniello diz. Essas estratégias vão diminuir o contágio. “Mesmo que as vacinas ainda funcionem, estamos em um risco ainda maior de sobrecarregar nossos hospitais e funcionários da área de saúde”, diz a epidemiologista Lisa Gralinski da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. “O sistema de saúde nos Estados Unidos já está muito demandado. A última coisa de que precisamos são mais casos aparecendo de repente.”
Assim como Fauci, Gralinski diz que a variante provavelmente já está nos Estados Unidos. Ela diz que o Reino Unido provavelmente detectou a mutação primeiro devido a seu forte programa de vigilância viral: os ingleses buscam analisar as sequências genéticas de 10% de todos os casos e compará-las para observar qualquer alteração. Os Estados Unidos, ao contrário, não possuem tal esforço centralizado. “Estamos voando um pouco cegos nesse momento”, diz Gralinski. “Precisamos assumir que a variante está aqui”.
O grupo de pesquisa de Mokdad, assim como outros grupos, estão trabalhando ao longo dos feriados de Dezembro para sequenciar amostrar do vírus coletadas nos EUA. Uma variante mais transmissível poderia explicar, por exemplo, o recente pico de casos na California. Mokdad acha que o pessoal de saúde do estado não detectou essa nova variante, e atribuíram o aumento rápido no número de casos às viagens por conta do Feriado de Ação de Graças. “É um alerta para que a gente encontre essa variante o mais cedo possível para garantir que saibamos o que está circulando, e em especial qual será o impacto sobre as vacinas”, diz Mokdad. “É uma corrida contra o tempo”.
Sara Reardon
Publicado em 29/12/2020