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NASA não vai renomear o Telescópio Espacial James Webb — e alguns astrônomos estão aborrecidos

A agência não encontrou nenhuma evidência que o homenageado pelo nome de seu principal observatório esteve envolvido com atividades anti-LGBT+, mas alguns dizem que Webb teve responsabilidade.
Telescópio Espacial James Webb.

A conclusão deste teste representa a última em uma série de etapas projetadas para garantir que os 18 espelhos hexagonais do Telescópio Espacial James Webb estão preparados para uma vida longa de intensas descobertas. Crédito Chris Gunn NASA

Após investigar se o homenageado pelo nome, o ex-administrador da NASA James Webb, esteve envolvido na perseguição de pessoas gays e lésbicas nos anos 1950s e 1960, a agência decidiu não renomear seu o seu principal observatório, o Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês), que está prestes a ser lançado. A agência afirma que não encontrou nenhuma evidência que apoie as alegações.

A decisão e a falta de transparência na maneira como foi anunciada — a NASA não publicou nenhum relatório sobre o alcance da investigação — aborreceu diversos astrônomos

“Estou decepcionada,” afirma Johanna Teske, astrônoma no Instituto Carnegie, em Washington (EUA). “Sem saber quais fatores foram considerados, é difícil para eu respeitar a decisão de manter o nome atual.”

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Desde maio, mais de 1200 pessoas, incluindo cientistas que irão usar o telescópio depois de seu lançamento planejado para dezembro, assinaram uma petição requisitando a renomeação do JWST. Webb ocupou diversos cargos no governo dos EUA durante um período em que funcionários LGBT+ do governo federal foram sistematicamente demitidos por causa de sua orientação sexual. Por exemplo, ele foi o administrador da NASA quando um funcionário suspeito de ser gay foi demitido, em 1963.

Dessa forma, como resposta às preocupações, a NASA começou uma investigação interna de registros históricos. Esses documentos poderiam esclarecer o comportamento de Webb diante de pessoas gays e lésbicas. No dia 27 de setembro, Bill Nelson, o atual administrador da agência, divulgou um comunicado de uma frase para a imprensa, dizendo: “Neste momento, não encontramos nenhuma evidência que justifique mudar o nome do Telescópio Espacial James Webb.” No dia 30 de setembro, Brian Odom, o historiador dirigente da NASA que liderou a investigação, disse para Nature que considera a investigação fechada

‘Soco no estômago’

Em junho, um oficial da NASA disse que a agência seria transparente com a comunidade científica nesta decisão, mas não houve nenhum relatório final escrito para ser divulgado. Odom afirma que “a investigação foi o mais meticulosa possível dentro das atuais circunstâncias de covid-19, e muito objetiva.” Ele diz que a investigação consistia de diversos arquivistas vasculhando documentos internos da NASA, entrevistando outros historiadores que estudaram Webb, e na contratação um historiador independente para explorar aspectos como a carreira de Webb em outras agências governamentais. Diversos repositórios relevantes, como os Arquivos Nacionais e Administração de Documentos (Washington, EUA) e a Biblioteca Presidencial & Museu Harry S. Truman (Independence, Missouri, EUA) têm estado fechados durante longos períodos em virtude da pandemia de covid-19. Dessa forma, a equipe de Odom não pôde estudar seus materiais que ainda não foram digitalizados.

Odom afirma que ele se encontrou com Nelson diversas vezes para apresentar o material que os investigadores coletaram. “A participação do administrador foi bastante atenciosa e muito objetiva”, afirma ele. Nelson tomou a decisão de manter o nome do telescópio

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Mas alguns acreditam que a NASA tomou a decisão errada. Uma vez que Webb, dizem eles, liderou a agência durante um período de discriminação, e ele possui responsabilidade. “O soco no estômago foi a recusa total de ouvir as falas de astrônomos LGBT+,” disse Brian Nord, astrofísico no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory, Batavia, Illinois, EUA). “Isso foi uma recusa em confrontar a história. Se não podemos fazer isso, como vamos lançar luz sobre a opressão que as pessoas estão enfrentando?”

Nord foi um dos quatro astrônomos que lideraram a petição para renomear o telescópio. As outras três foram Lucianne Walkowicz, do Planetário Adler (Chicago, Illinois, EUA); Chanda Prescod-Weinstein, da Universidade de New Hampshire (Durham, EUA) e Sarah Tuttle, da Universidade de Washington (Seattle, EUA). Eles escreveram um e-mail para Nature sobre a decisão da NASA: “Apesar de toda discussão sobre equidade e diversidade da instituição, eles não parecem particularmente preocupados com a responsabilização pública sobre problemas sensíveis que têm atingido um grupo historicamente marginalizado.”

A nomeação do Telescópio Espacial James Webb

O centro da controvérsia é se líderes governamentais possuem ou não responsabilidade sobre ações e políticas de discriminação nas agências que lideraram. Webb comandou a NASA entre 1961 e 1968, durante o auge dos programas de exploração que eventualmente mandaram astronautas para andar na Lua. Críticos apontam que Webb, portanto, estava no comando em 1963, quando Clifford Norton, um funcionário suspeito de ser gay, foi demitido.

Odom afirma que ele analisou de perto o caso de Norton. Odom afirma que ele procurou minuciosamente por evidências do envolvimento de Webb na demissão do caso de Norton. “Simplesmente não apareceu nada,” disse ele. 

Mas críticos afirmam que o contexto geral é importante para avaliar o legado de Webb. Isso pois, ele trabalhou no sistema de governo dos EUA — inclusive ocupando a posição influente de subsecretário de Estado, entre 1949 e 1952, durante o governo Truman — período em que demitir pessoas gays era visto como aceitável, e até incentivado. Rolf Danner, astrônomo no JPL (Jet Propulsion Laboratory, Pasadena, California, EUA) e presidente do comitê de orientação sexual e minorias de gênero da American Astronomical Society (AAS), afirma que Webb provavelmente era um agente eficaz neste cenário. “Eu só acho que isso não faz dele uma escolha certa para o principal projeto da NASA mais de 60 anos depois.”

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Como sucessor do Telescópio Espacial Hubble, o JWST vai estudar fenômenos cósmicos incluindo a formação de estrelas, evolução de galáxias e exoplanetas. Parceiros internacionais na missão incluem a agência espacial europeia e a canadense. O telescópio foi nomeado pelo ex-administrador da NASA Sean O’Keefe, com o objetivo de destacar as conquistas de Webb no governo. Webb “tinha a habilidade de unir pessoas de diferentes disciplinas e trabalhar coletivamente para alcançar algo maior que cada um deles”, diz O’Keefe, que hoje está na Universidade de Syracuse (Nova Iorque, EUA). Dessa forma, ele afirma que a NASA hoje não seria a mesma se Webb não tivesse sido administrador, e que a investigação da agência reforça a conclusão em que ele e outros chegaram: “de fato, esta é uma pessoa de caráter”.

Ainda assim, alguns dizem que as conquistas de Webb não justificam a nomeação do telescópio em sua homenagem, dado o contexto em que ele trabalhou. “Webb fez o seu trabalho, por bem ou por mal, e será lembrado na história,” afirma Peter Gao, cientista planetário no Instituto Carnegie. “Não é necessário celebrá-lo ainda mais, dado o que aconteceu durante o seu mandato.”

Os astrônomos que discordaram da decisão da NASA estão ponderando sobre o futuro. Devido a suas capacidades transformacionais, para muitos, boicotar o JWST não é uma opção. Alguns estão considerando reconhecer a controvérsia enquanto ainda trabalham com os dados do JWST, talvez ao incluir nos esclarecimentos de seus artigos informações sobre as associações de Webb com ações anti-LGBT+. Outros podem chamar o telescópio por outro nome ao lidar com ele.

Alexandra Witze

Este artigo foi reproduzido com permissão e foi inicialmente publicado em 01/10/2021.

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