Na Amazônia, demarcação de novas terras indígenas ajuda a reverter desmatamento
Um novo estudo está mostrando que, nas áreas da Amazônia que pertencem legalmente a povos indígenas, o desmatamento apresentou uma queda de dois terços ao longo de cerca de 25 anos.
O estudo avaliou o impacto da homologação, que é o nome dado à etapa final na criação de terras indígenas de acordo com o estabelecido pela Constituição do Brasil, no processo de destruição da maior floresta tropical da Terra. Após a homologação, não se pode realizar qualquer atividade econômica em áreas designadas sem o consentimento do povo indígena e do governo federal. E o estudo, realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, e da Universidade de Columbia, descobriu que entre 1982 e 2016, o desmatamento dentro de áreas homologadas caiu em uma média de 3% à 1% ao ano.
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“Os povos indígenas estão realmente associados ao controle da biodiversidade e à queda no desmatamento. Acredito que por morarem na terra eles possuem um sentido aguçado do que significaria prejudicar o ecossistema ao redor deles”, disse Kathryn Baragwanath, pesquisadora da UCSD, e uma das coautoras do estudo. “Garantir os direitos de propriedade dá aos povos indígenas embasamento legal para garantir de fato que os ecossistemas das terras onde eles vivem sejam preservados.”
Mas não houve novas demarcações de terra para uso indígena sob os governos de Jair Bolsonaro ou de Michel Temer, seu antecessor imediato. E Bolsonaro caminha para diminuir a proteção às terras indígenas, e para facilitar a realização de atividades econômicas por não-indígenas na Amazônia. Ele tentou transferir a autoridade sobre a demarcação de terras indígenas, tirando-a das agências cuja missão é proteger os direitos indígenas e passando para o Ministério da Agricultura (que possui grande interesse no desenvolvimento da expansão dessas atividades econômicas na região).
Nem todas essas iniciativas foram bem sucedidas. Mas o estudo, publicado ontem na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, estima que as presidências de Bolsonaro e Temer se recusaram a atribuir às comunidades indígenas controle de novos territórios, o que pode ter resultado em mais 1,5 milhões de hectares devastados por ano.
Isso se reflete em mais dióxido de carbono que é liberado na atmosfera global, ao invés de permanecer armazenado na floresta. Mas Bolsonaro contesta sistematicamente todas as sugestões de que, devido as alterações climáticas, o mundo dependeria das políticas de uso da terra do Brasil. Ele utilizou seu discurso no início da Assembléia Geral da ONU, que ocorreu em Nova York no ano passado, para declarar que a ideia de que a Amazônia era o “pulmão do mundo” devido ao seu papel em sequestrar carbono, era uma “falácia”. Ele disse que seus críticos “questionam o nosso valor mais sagrado: nossa própria soberania”.
Ciclo de fogo
Desmatamento e queimadas estão ligados na Amazônia. Os incêndios são usados frequentemente para abrir terra para a agricultura na região, geralmente por parte de agricultores que acreditam que têm apoio do presidente para fazer isso. No último ano, a temporada de incêndios chamou atenção internacionalmente, mas Bolsonaro negou veementemente que a escala dos incêndios havia sido diferente ou que suas políticas estivessem atreladas a isso.
Eduardo Taveira, secretário ambiental do estado do Amazonas, disse à E&E News em Nova York, em setembro do ano passado, que as queimadas da floresta Amazônica são “um processo cultural e histórico”.
“Nós precisamos encontrar novas maneiras, novas tecnologias, para utilizar melhor a terra, tentar produzir sem as queimadas”, disse Taveira, que participou da Semana do Clima NYC no ano passado, como parte da delegação de ministros de meio ambiente encarregados de acalmar os temores globais sobre as queimadas na Amazônia.
Mas Taveira, que é do mesmo partido político de Bolsonaro, disse que se tratava de um problema local. “O mundo tem uma perspectiva errada sobre esse problema na Amazônia”, ele disse. “Eu sei que temos alguns problemas para resolver no próximo ano; provavelmente teremos queimadas na floresta. Mas o problema é como controlar o fogo, como entregar novas tecnologias aos agricultores para combater as queimadas.”
Esse ano, o governo de Bolsonaro apresentou novas medidas para acabar com as queimadas ilegais, mas as indicações iniciais mostram que a temporada de queimadas pode ser pior que a do último ano.
Jean Chemnick
E&E News
Publicado em 13/08/2020