Mordidas sugerem que pequenos mamíferos jantavam ossos de dinossauros
Enquanto caminhava durante uma pausa para o almoço em seu trabalho de campo em Alberta, no Canadá, o paleontólogo Michael Ryan encontrou alguns ossos. Em uma mão ele segurou a galhada de um veado moderno. Na outra, um pedaço de osso de um dinossauro ornitísquio. Ryan não pôde deixar de notar que ambos os ossos possuíam marcas de mordida altamente semelhantes. E foi então que percebeu.
“As marcas de mordida eram quase idênticas, mas os ossos estavam separados por 75 milhões de anos”, observa Ryan. “Eu me perguntei que tipo de animal poderia ter feito aquelas marcas e, de repente, uma luz se acendeu”.
Naquele momento, Ryan compreendeu: as antigas criaturas que há tanto tempo gostavam de ossos de dinossauros podem não ser tão diferentes das criaturas que mastigam galhadas de veados hoje em dia. E quem era esse devorador de ossos de dinossauros? Ninguém tão assustador quanto você imagina. Pense em algo parecido com um esquilo. Mais especificamente, um antigo mamífero parecido com um roedor, chamado de multituberculado, com um tamanho entre o de um esquilo grande e o de um gambá, que provavelmente mastigava ossos para obter nutrientes da mesma forma que os roedores modernos.
Essa é a conclusão a que chegaram Ryan e o paleontólogo de Yale, Nicholas Longrich, depois de examinarem marcas de mordidas em vários ossos de dinossauros, répteis e marsupiais do Cretáceo, provenientes do Parque Provincial dos Dinossauros em Alberta, bem como das coleções do Laboratório de Paleontologia de Vertebrados da University of Alberta e do Royal Tyrrell Museum. Os pesquisadores acreditam que essas são as marcas mais antigas conhecidas de dentes de mamíferos e publicaram sua análise on-line, em 16 de junho, no jornal Paleontology.
Os ossos que Ryan e Longrich estudaram incluem uma grande costela de dinossauro proveniente de um hadrossauro com bico de pato (algo como a personagem Patassaura, de Em Busca do Vale Encantado) ou de um ceratopsídeo (pense em um Tricerátops), além de um osso de fêmur proveniente de um ornitísquio não-identificado. Os paleontólogos também observaram marcas de mordida em um pedaço de mandíbula de um antigo marsupial chamado Eodelphis, parente dos gambás, e no fêmur de um réptil aquático crocodiliano chamado Campsossauro.
Os pesquisadores encontraram, nos antigos ossos, sulcos superficiais em forma de “U” e outras marcas de mordida semelhantes que sugerem pares de dentes opositores – exatamente o tipo de incisivos que os agora extintos multituberculados possuíam. É possível que, 75 milhões de anos atrás, outros mamíferos ancestrais também jantassem ossos de dinossauro, mas Ryan e Longrich acreditam que os multituberculados parecidos com roedores são candidatos muito mais prováveis a essas mordidas em particular. Outros mamíferos mordiscadores, que possuíssem dentições diferentes, teriam deixado os ossos com pequenas marcas de mordida, e não com pares distintos de dentes.
“Não havia mais nada naquela época, com esse tamanho, que produzisse essas marcas”, reflete Ryan. “O que nós encontramos foram marcas de incisivos pareados superiores e inferiores, exatamente iguais aos dos multituberculados”.
Ryan calcula que os antigos mamíferos provavelmente encontraram os ossos enquanto procuravam insetos e vegetação, aproveitando a oportunidade para adicionar um pouco de cálcio ou sódio à sua dieta – um comportamento muito parecido com o de muitos roedores modernos, como os esquilos, ratazanas e porcos-espinhos. Em paralelo com Ryan, Longrich fez a conexão entre os hábitos de roer ossos dos extintos mamíferos e dos mamíferos existentes ao recordar sua infância, quando observava marcas de mordidas de roedores cobrindo as galhadas de veados que seu pai trazia para casa. Longrich afirma que poucos pesquisadores notaram a possibilidade de que antigos mamíferos roessem ossos de dinossauros como suplementos alimentares, mas esta é a primeira análise profundamente documentada dessa ancestral evidência.
Poucas marcas de dentes que os paleontólogos examinaram eram superficiais o suficiente para sugerir que o que quer que estivesse mastigando os ossos, estava mais interessado em carne do que em cálcio. No entanto, outras marcas de mordidas penetraram os ossos com uma profundidade tão impressionante que convenceram os pesquisadores de que algo estava atrás dos minerais no próprio osso.
Os pesquisadores também compararam as marcas de mordidas em ossos do Cretáceo (final da era Mesozóica) com marcas em ossos da atual era Cenozóica. Eles encontraram muito mais mordidas nos ossos mais recentes – marcas de sulcos sobrepostos provavelmente causadas por antigos roedores. Os multituberculados simplesmente não tinham o poder mandibular dos verdadeiros roedores que os sucederam e provavelmente os venceram na luta pela vida.
Alguns paleontólogos até mesmo especularam que os incisivos dos multituberculados eram fracos demais para morder qualquer coisa mais dura, mas o novo estudo de Ryan e Longrich sugere que antigos mamíferos parecidos com esquilos possam ter desenvolvido uma mandíbula mais poderosa do que se pensava anteriormente.