Mesmo versões mais escuras de satélites da SpaceX ainda são claras demais para os astrônomos
O projeto Starlink — uma mega-constelação de centenas de satélites de Internet lançados pela empresa espacial SpaceX — vêm causando dores de cabeça para os astronautas, ao ofuscar o brilho dos objetos celestiais. Mas o Starlink, que pode chegar a incluir dezenas de milhares de satélites, de forma a fornecer internet de alta velocidade para o planeta inteiro, também afeta a observação das estrelas. De noite, os satélites refletem luz solar em quantidade suficiente para que possam ser observados a olho nu (e também, claro, por telescópios sensíveis). As longas estruturas de redes em que eles estão organizados só acentua a luminosidade, e eles atravessam os céus como se fossem dezenas de contas luminosas presas em um colar celestial.
Desde maio de 2019, quando foram lançados os primeiros 60 satélites da Starlink, outros 655 foram colocados em órbita, o que afetou diversas observações astronômicas. Cada novo lançamento envolveu cerca de 60 satélites, e houve um ou dois lançamentos mensais desde janeiro — o último lançamento foi dia 3 de setembro.
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Finalmente, em agosto — após mais de um ano de reclamações da comunidade científica, e de esforços da SpaceX para controlar os danos — a Fundação Nacional de Ciências (NSF) e a Sociedade Astronômica Americana (AAS) publicaram um relatório sobre a situação. O texto se baseou em um debate que envolveu mais de 250 especialistas no workshop Satellite Constelation 1 (SATCON1), que ocorreu no começo desse verão no hemisfério morte, para fornecer recomendações, tanto para os astrônomos quanto para os operadores da constelação dos satélites, para minimizar futuros problemas.
Atualmente, muitos astrônomos não podem fazer muito mais que esperar que a situação melhore. Embora os satélites da SpaceX sejam um problema para observações astronômicas, a empresa não quer “prejudicar a astronomia”, diz Meredith Rawls, astrônoma na Universidade de Washington. Rawls trabalha com o futuro Observatório Vera C. Rubin no Chile, anteriormente conhecido como o Large Synoptic Survey Telescope. O observatório ajudará a descobrir a natureza da matéria escura e da energia escura, além de identificar inúmeros fenômenos astrofísicos importantes e mapear asteróides que possam ameaçar a Terra. Tudo isso, é claro, se a interferência das constelações de satélites não prejudicar seu trabalho delicado.
Os esforços iniciais da SpaceX para mitigar o impacto dos satélites envolvem o lançamento, no início deste ano, de um protótipo de satélite Starlink conhecido como DarkSat que contém um revestimento preto antirreflexo. Observações desde o solo realizadas recentemente mostraram que ele apresenta metade da luminosidade que um satélite Starlink padrão — uma grande melhora, de acordo com especialistas, mas ainda longe do que os astrônomos dizem ser necessário.
“Eu não consideraria o Darksat como uma vitória, mas um bom passo na direção certa”, diz Jeremy Tregloan-Reed, astrônomo da Universidade de Antofagasta no Chile, e membro da equipe de observação que avaliou o protótipo. A equipe o comparou com um de seus “irmãos”comuns da Starlink utilizando um telescópio com 0,6 m no Observatório Ckoirama no Chile, e descobriu que, apesar de o revestimento antirreflexo torná-lo invisível ao olho nu, ele ainda é brilhante o suficiente para prejudicar o Observatório Rubin e outros telescópios maiores.
Esses resultados mostram que o DarkSat não é a solução, diz Jonathan McDowell, pesquisador do Centro de Astrofísica da Universidade de Harvard e do Instituto Smithsonian, que realiza simulações de computador dos efeitos das megaconstelações sobre as observações astronômicas. De todo modo, ele diz, a investigação da equipe de Tregloan-Reed é um passo importante. “Esse estudo é notável como um dos primeiros estudos observacionais significativos de um satélite da Starlink, algo que a comunidade está agora se organizando para realizar em maior escala”, acrescenta McDowell. Ele alerta que continuarem os lançamentos de satélites sem uma solução, o “impacto será enorme”.
A longo prazo, Rawls teme que, caso as constelações de satélite se tornem mais comuns, as empresas no futuro os lancem sem nenhuma preocupação com os astrônomos. “Isso cria muitos erros sistêmicos… As coisas ficam desarranjadas”, ela diz.
No fim, a SpaceX espera colocar em órbita 12 mil satélites da Starlink no céu, e no último ano pediu permissão para ainda 30 mil mais. Com planos dessa magnitude — somando-se o Projeto Kuiper, da Amazon, que visa lançar 3.236 satélites, e a OneWeb, uma empresa falida recentemente adquirida pelo governo do Reino Unido, que planeja lançar talvez 2 mil — a escala dos problemas para a astronomia causados pelas constelações de satélites irá somente aumentar.
Embora as técnicas testadas pelo DarkSat estejam longe de serem uma solução adequada, a SpaceX continua a desenvolver outras formas de reduzir a luminosidade das espaçonaves. A segunda tentativa da empresa de criar um satélite “escuro”, chamado VisorSat, utiliza um guarda-sol escuro para reduzir a reflexão da luz. A primeira versão desse projeto será lançada no dia 3 de junho de 2021. Os astrônomos esperam observar o VisorSat e compará-lo com o DarkSat assim que os observatórios reabrirem, após a paralisação devido à COVID-19
Mesmo antes que se façam observações detalhadas do VisorSat, a SpaceX parece estar apostando no novo modelo. As duas levas de Starlinks que foram lançadas no meio de junho e no início de agosto eram compostas por VisorSats, com cada um carregando seu próprio guarda-chuva.
Os Astrônomos não estão certos se os métodos de escurecimento, como os usados no DarkSat e no VisorSat, são a solução. Das 10 recomendações apresentadas no relatório da SATCON1, apenas uma pede aos operadores do satélite que utilizem dessas técnicas. As outras sugerem o lançamento dos satélites em órbitas abaixo de 600 quilômetros, para minimizar seu clarão no período da noite; controlar seu posicionamento para refletir o mínimo de luz solar; desenvolvendo formas para remover seus rastros das observações astronômicas; e disponibilizar informações sobre suas órbitas para que os astrônomos possam apontar seus telescópios para longe deles.
Com a combinação dessas abordagens, espera-se que o problema possam ser administrado. Mesmo assim, o advento das megaconstelações de satélites pode, inevitavelmente, degradar a visão do céu noturno por astrônomos.
Para agora, Tregloan-Reed está confortado com o fato de que a SpaceX está levando os problemas a sério. “O desenvolvimento tanto da DarkSat quanto do VisorSat mostram que a Starlink parece estar dedicada a mitigar o impacto” de seus satélites para astrônomos e observadores amadores, ele diz.
O espírito de colaboração no workshop da SATCOM1 e o relatório que seguiu também são promissores, de acordo com Patrick McCarthy, diretor do NOIRLab da NSF, que produziu o relatório com a AAS. “Eu espero que o colegiado e o espírito de parceria entre astrônomos e os operadores de satélites comerciais se expanda… e que continue a se mostrar útil e produtivo”, ele disse em uma declaração no fim de agosto.
O próximo workshop que reunirá astrônomos e operadores da constelação de satélites, SATCON2, está planejado para ocorrer no início ou na metade de 2021. Irá abordar políticas e regulamentações. Com a perspectiva do lançamento de centenas de satélites até lá, Rawls enfatiza a urgência e a importância desse problema. “Isso só vai acelerar”, ela diz. “É uma questão de que tipo de céu você quer que seus netos vejam”.
Emily Zhang
Publicado em 11/09/2020