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Investigação na Nasa vai ajudar a decidir se Telescópio Espacial James Webb deve ser renomeado

Grupo de astrônomos quer mudar nome de novo telescópio espacial, alegando que homenageado adotou políticas homofóbicas em vida. Movimento se insere em debate maior sobre figuras históricas e valores modernos.
Telescópio Espacial James Webb

O Telescópio Espacial James Webb passou por uma série de simulações para testar sua capacidade de operar no espaço e aguentar temperaturas extremas. Créditos: Nasa/Desiree Stover

A Nasa está considerando mudar o nome de seu próximo telescópio espacial devido a relatos de que James Webb, cujo nome foi escolhido para batizá-lo, esteve envolvido na perseguição de gays e lésbicas durante sua carreira. Para alguns astrônomos, manter o nome do Telescópio Espacial James Webb — que custou US $ 8,8 bilhões e tem previsão de lançamento este ano ainda —  glorificaria o preconceito e o sentimento anti-LGBT+. Mas outros dizem que ainda não há evidências suficientes contra Webb, que foi diretor  da Nasa de 1961 a 1968, e estão suspendendo o julgamento até que a agência conclua uma investigação interna.

O Telescópio Espacial James Webb , que vai investigar os distantes confins do Cosmos, é o maior projeto astronômico da Nasa em décadas, então muito está em jogo. Em maio, citando o suposto envolvimento de Webb em ações discriminatórias, quatro astrônomos proeminentes lançaram uma petição pedindo para mudar o nome do telescópio. Ela contou com 1.250 signatários, incluindo cientistas que irão fazer observações com o aparelho.

De acordo com funcionários da agência, o historiador chefe interino da Nasa, Brian Odom, está trabalhando com um historiador não pertencente à agência para revisar documentos de arquivo sobre as políticas e ações de Webb. Somente após a conclusão da investigação a Nasa decidirá o que deve ser feito.

“Devemos tomar uma decisão consciente”, disse Paul Hertz, chefe da divisão de astrofísica da Nasa, a um comitê consultivo da agência em 29 de junho. “Precisamos ser transparentes com a comunidade e com o público em relação às justificativas de qualquer decisão que tomemos.”

ESTUDANDO OS ARQUIVOS

O ex-diretor da Nasa Sean O’Keefe deu ao telescópio espacial o nome de Webb em 2002, quando o equipamento ainda estava nos estágios iniciais de desenvolvimento. Foi uma decisão unilateral que surpreendeu a muitos, pois os telescópios da Nasa costumam ser nomeados em homenagem a cientistas. Webb, que morreu em 1992, era um burocrata que ocupou vários cargos administrativos no governo dos Estados Unidos.

O’Keefe escolheu o nome porque Webb, na década de 1960, defendeu que a Nasa mantivesse a ciência como uma parte fundamental de seu portfólio, mesmo quando o programa Apollo bsorvia a maior parte da atenção e do orçamento da agência. O’Keefe disse à revista Nature que não estava ciente das acusações quando escolheu o nome e apoia mantê-lo, a menos que mais informações apareçam. “Sem a liderança de James Webb, poderia não haver nenhum telescópio ou qualquer outra coisa digna de uma controvérsia de nomenclatura”.

Enquanto Webb começava sua carreira no governo dos Estados Unidos no final dos anos 1940, funcionários gays e lésbicas eram sistematicamente expulsos e demitidos por causa de sua orientação sexual. Esta campanha foi incentivada por vários membros proeminentes do Congresso. O período é conhecido como a ‘ameaça lavanda’, ecoando a ‘ameaça vermelha’ anticomunista, à qual era frequentemente associada. Durante a época da ameaça lavanda, gays foram considerados, erroneamente, como pessoas pervertidas que poderiam estar tão desesperadas para manter sua orientação sexual em segredo a ponto de se tornarem suscetíveis a revelar segredos governamentais sob chantagem. Seu epicentro foi o Departamento de Estado, que lida com a política externa dos EUA.

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Os quatro astrônomos que lideram a petição solicitando a mudança de nome dizem que quando Webb trabalhou para o Departamento de Estado no cargo de subsecretário, entre 1949 e 1952, ele aprovou um conjunto de memorandos discutindo o que foi descrito  para um senador que liderava a perseguição como “o problema dos homossexuais e pervertidos sexuais”. Eles apontam para registros encontrados nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos pelo astrônomo Adrian Lucy, da Universidade de Columbia, em Nova York. “Os registros mostram claramente que Webb planejou e participou de reuniões durante as quais entregou material homofóbico”, escreveram os líderes da petição no início deste ano em um artigo de opinião na Scientific American.

Os quatro astrônomos são Lucianne Walkowicz do Adler Planetarium em Chicago, Illinois; Chanda Prescod-Weinstein, da Universidade de New Hampshire em Durham; Brian Nord, do Fermi National Accelerator Laboratory, em Batavia, Illinois; e Sarah Tuttle, da Universidade de Washington em Seattle. “Sentimos que deveríamos tomar uma posição pública sobre a nomeação de uma instalação tão importante em homenagem a alguém cujos valores eram tão questionáveis”, eles escreveram em um e-mail para a Nature. “É hora da Nasa se levantar e ficar do lado certo da história.”

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David Johnson, historiador da Universidade do Sul da Flórida em Tampa que escreveu o livro de 2004 The Lavender Scare, diz que não conhece nenhuma evidência de que Webb liderou ou instigou perseguição. Webb compareceu a uma reunião na Casa Branca sobre a ameaça supostamente representada pelos funcionários gays; Mas o propósito da reunião seria conter a histeria que os membros do Congresso estavam provocando. “Não o vejo como tendo qualquer tipo de papel de liderança na ameaça lavanda”, diz Johnson.

Walkowicz e seus colegas observam que, como líder, Webb era responsável pelas políticas discriminatórias implementadas em sua agência. Eles também mencionam o caso de Clifford Norton. Ele foi demitido da Nasa devido a suspeitas acerca de sua sexualidade em 1963, época na qual Webb ocupava um cargo de chefia. “Acreditamos que o registro histórico conhecido fala claramente a favor de renomear o telescópio”, dizem eles.

A Nasa não deu nenhuma estimativa de quando sua investigação será concluída. Segundo Odom, a pandemia da  COVID-19 limitou o acesso dos historiadores aos arquivos.

UMA REFLEXÃO DE VALORES

A pressão para renomear o telescópio cai em um acerto de contas mais amplo que envolve edifícios, instalações e outros objetos nomeados em homenagem a figuras históricas questionáveis. No ano passado, um executivo aeroespacial iniciou um esforço ainda malsucedido para mudar o nome do Centro Espacial John C. Stennis da Nasa, no Mississippi. Ao longo da década de 1960, o senador Stennis  votou repetidamente a favor de medidas de segregação racial. Por volta do último ano, a Nasa tentou lidar com a discriminação do passado contra cientistas negros e  mulheres dando a sua sede em Washington DC o nome de Mary Jackson, a primeira engenheira negra da agência. A agência também anunciou que seu próximo telescópio espacial homenageará Nancy Grace Roman, a primeira astrônoma-chefe da Nasa.

O debate sobre o Telescópio Espacial James Webb acontece no fim de um longo e exaustivo esforço para lançar o observatório ao espaço. Originalmente concebido em 1989 como o sucessor do icônico Telescópio Espacial Hubble, a nave está vários anos atrasada, e bilhões de dólares acima do orçamento inicial.

Para alguns, o potencial do telescópio para transformar a astronomia torna ainda mais importante que ele carregue um nome que reflita os valores modernos. “Para mim, o que importa é o tipo de mensagem que queremos enviar para as pessoas mais jovens e os estudantes em nossa área”, disse Peter Gao, cientista planetário da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. “As pessoas que escolhemos para celebrar ao dar o nome a nossos telescópios são um reflexo de nossos valores.”

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A decisão final cabe ao diretor  da Nasa, Bill Nelson, que ainda não se pronunciou publicamente sobre o assunto. Não existe uma lista clara de nomes alternativos, embora muitas pessoas tenham feito sugestões não oficiais. Walkowicz e outros astrônomos que lideram a petição sugerem Harriet Tubman. Ela foi uma ex-escrava que lutou para acabar com a escravidão nos Estados Unidos no século 19, usando as estrelas para guiar os negros à liberdade. Saurabh Jha, astrônomo da Rutgers University em Nova Jersey, sugere Cecilia Payne-Gaposchkin. Seu trabalho revolucionou a compreensão dos astrônomos sobre a composição do Universo no início do século 20.

Alguns astrônomos que planejam usar o Telescópio Espacial James Webb já estão pensando no que farão se o telescópio não for renomeado. Uma ideia é reconhecer os direitos LGBT + nos agradecimentos de artigos publicados usando dados do telescópio, aponta Johanna Teske, astrônoma do Carnegie Institution for Science em Washington.

Muitos estão ansiosos para ver o que a investigação da Nasa pode descobrir. “É importante olhar o que aconteceu e quais são os fatos”, disse Rolf Danner, astrônomo do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa em Pasadena, Califórnia. Ele é presidente do comitê da American Astronomical Society sobre orientação sexual e minorias de gênero na astronomia. “E então realmente nos questionarmos: faríamos essa escolha de novo?”

Alexandra Witze

Publicado em 27/07/2021

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