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Infecção anterior por dengue protege crianças contra sintomas da Zika

Estudo apoia ideia de que imunidade adquirida após o contágio por dengue pode afetar a suscetibilidade ao Zika

As crianças que já foram expostas ao vírus da dengue parecem ficar protegidas dos sintomas caso sejam infectadas pelo vírus Zika, diz estudo publicado em 22 de janeiro na revista PLOS Medicine.

A equipe do estudo, liderada por Aubree Gordon, da Universidade de Michigan, e Eva Harris, da Universidade da Califórnia, analisou a grande epidemia de Zika de 2016 na Nicarágua, concentrando-se em uma coorte pediátrica com histórico característico de exposição ao vírus da dengue. A coorte, criada em 2004 para coletar informações sobre a dengue na Nicarágua, acompanha aproximadamente 3.700 crianças de 2 a 14 anos de idade. “O que vimos nessas crianças foi que terem sido infectadas anteriormente por dengue as protegeu dos sintomas do Zika”, diz Gordon. “Não as protegia contra a infecção, mas, se a infecção acontecia, elas tinham propensão menor a ficarem doentes.” Crianças com infecção prévia por dengue tinham 38% menos risco de apresentar sintomas quando infectadas com Zika do que aquelas que não nunca haviam contraído dengue. Os sintomas da Zika incluíam febre, erupção cutânea, conjuntivite, dores nos músculos, articulações e dor de cabeça.

O estudo foi uma pesquisa epidemiológica para determinar se a proteção cruzada estava presente, mas não  para descobrir o mecanismo que geraria essa proteção, disse um dos autores do artigo, Lionel Gresh, biólogo molecular que atualmente trabalha para a Organização Pan-Americana da Saúde. Ele suspeita que anticorpos preexistentes possam estar neutralizando o vírus, e as células T de memória do sistema imunológico que reconhecem a dengue poderiam estar oferecendo proteção contra o Zika, dada a similaridade entre os vírus. “A ideia é que, de alguma forma, a infecção anterior com dengue desencadeou algum tipo de imunidade no corpo que ajuda a controlar o vírus”, diz ele. “A pessoa ainda é infectada com o vírus, mas em um nível que não causa doença.”

Os resultados corroboram a hipótese de que existe uma interação imunológica entre dengue e Zika, pertencentes ao mesmo gênero Flavivirus. Ambos os vírus são transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, que ataca as mesmas populações. “Este é um artigo importante que mostra que a dengue pode reduzir o risco de doenças associadas à infecção pelo Zika”, diz Albert Ko, professor de epidemiologia e medicina da Universidade de Yale, que realiza pesquisas sobre o Zika no Brasil, mas não estava envolvido neste estudo. “Este é um dos primeiros estudos a realmente olhar para esse tema com um projeto prospectivo rigoroso.”

Antes de iniciar o estudo, Gordon e seus colegas postularam dois cenários possíveis: a infecção anterior por dengue poderia ou proporcionar proteção contra o Zika ou então potencializaria a infecção pelo Zika. “Existem quatro tipos de vírus da dengue, e sabemos que a infecção com um tipo de dengue fornece proteção de curto prazo contra a infecção por outro tipo”, diz Gresh. “Porque os vírus dengue e Zika são muito próximos uns dos outros, pensamos que essa proteção poderia acontecer.”

Uma infecção prévia por dengue, no entanto, às vezes pode também piorar uma infecção subsequente – um mecanismo conhecido como aprimoramento dependente de anticorpos – ocasionando, então, um quadro de  dengue grave, que ameaça a vida. “Com a dengue, alguém experimenta duas infecções muito próximas, digamos que ao longo de de seis meses, ele estará praticamente protegido contra a segunda infecção”, observa Gordon. “Mas se ocorrer num período maior, 10 ou 15 anos mais longe, a pessoa não terá nenhuma proteção.”

Mas antes que a proteção imunológica diminua, há uma janela de tempo, entre o estado totalmente protegido e o estado completamente vulnerável, na qual os anticorpos estão presentes mas em menor número. Se uma pessoa for infectada neste período intermediário, os anticorpos ainda se ligam ao vírus, mas são incapazes de neutralizá-lo, e o impacto da infecção seria aumentado. “Nós entramos nisso [no estudo] pensando que poderíamos ver um aumento, mas não foi o que vimos: encontramos proteção”, diz Gordon. “Não se pode excluir completamente a possibilidade de um aumento do impacto: isso ainda precisa ser verificado. Talvez seja preciso um intervalo de tempo maior entre as infecções ”.

Quando o vírus Zika surgiu no Nordeste do Brasil, em 2015, e se espalhou rapidamente pelas Américas, causando milhares de defeitos congênitos graves em bebês de mulheres infectadas durante a gravidez, a amplificação dependente de anticorpos devido a anticorpos preexistentes da dengue emergiu como uma hipótese na comunidade científica para explicar a síndrome congênita do Zika. A hipótese ainda permanece, mas “o debate sobre ela ainda continua”, diz Ko, acrescentando que este estudo dá credibilidade ao argumento de que a resposta imune à dengue afeta a do Zika – mas restam algumas questões em aberto. Ele suspeita que a proteção – ou a potencialização – contra o Zika que pode ser gerada por uma infecção anterior por dengue dependeria dos níveis e tipos de anticorpos no corpo no momento em que a infecção pelo Zika surgisse. Ko e sua equipe estão explorando essa questão em um grande estudo epidemiológico em áreas urbanas do Brasil.

A pesquisa que explora a relação entre dengue e Zika pode fornecer dados valiosos que podem ser usados no desenvolvimento de uma vacina eficaz, que protegeria contra a infecção por esses vírus. Assim como a infecção por dengue poderia oferecer alguma proteção contra o Zika, resta saber se o inverso seria verdadeiro: a infecção por Zika protegeria contra a dengue? “Imunizar alguém com o Zika poderia proteger alguém ou potencializaria a doença no caso de uma infecção subsequente da dengue?” Ko diz.

A amplificação dependente de anticorpos na dengue provou ser um obstáculo no desenvolvimento de uma vacina contra o vírus. Em julho de 2018, o New England Journal of Medicine publicou uma análise da vacina contra a dengue da Sanofi, aplicada a mais de 800.000 crianças em idade escolar nas Filipinas, confirmando que aumenta o risco de hospitalização e complicações graves naquelas que nunca haviam sido infectadas anteriormente. A recomendação atual da Organização Mundial de Saúde é vacinar apenas pessoas que sabidamente tiveram uma infecção anterior com o vírus.

O efeito da amplificação preocupa pesquisadoras como Gisela Herrera-Martínez, imunologista do Centro Costa-riquenho de Pesquisa Médica, que conduz um teste nacional de uma vacina de DNA contra o Zika. A pesquisa, financiada pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, está testando a segurança e a eficácia da vacina em 2.400 voluntários em nove países. Na Costa Rica, a equipe de Herrera-Martínez está terminando de administrar vacinas – ou placebos – para 240 participantes. As descobertas do novo estudo publicado na PLOS preocupam Herrera Martínez porque levantam a questão: se uma infecção anterior por dengue diminui os sintomas de uma infecção posterior por Zika, identificar mulheres grávidas com risco de ter bebês com síndrome congênita do Zika torna-se muito mais difícil.

Embora os casos de Zika tenham diminuído nas Américas, a ameaça permanece. “Há um grande número de mulheres em idade fértil que nunca contraíram o Zika e, portanto, são suscetíveis a ter bebês com síndrome congênita do Zika”, diz Ko. “Provavelmente há uma quantidade razoável de transmissão silenciosa que não está sendo detectada pelo sistema de vigilância. Além disso, surtos de Zika estão ocorrendo na Ásia e no Sul da Ásia. “Isso torna a produção de uma vacina ou de um controle dos vetores algo muito importante para uma estratégia eficaz de prevenção”, diz ele.

Uma vacina de alta qualidade seria uma solução ideal. “Mas se não conseguirmos uma”, observa Gresh, “uma estratégia integrada como a que usamos para gerenciar a dengue, que combina esforços no controle de vetores, vigilância e manejo clínico, deve ser seguida.”

Debbie Ponchner

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