Homem interferiu na distribuição de espécies vegetais na Floresta Amazônica
Povos que viveram na região há milhares de anos podem ter transformado a floresta, privilegiando espécies domesticadas
A Amazônia é conhecida como exemplo de região prístina e ainda bastante preservada. Porém, vários povos vivem há milhares de anos na maior floresta tropical, desenvolvendo atividades como caça, coleta e agricultura. Por anos, pesquisadores têm debatido qual foi o tamanho da influência das atividades humanas na Amazônia. Agora, um estudo descreve a extensão das mudanças provocadas pelo povos antigos na distribuição de árvores na floresta.
O artigo, publicado em 2 de março na revista científica Science, descobriu que muitas espécies de árvores domesticadas são cinco vezes mais comuns do que as não-domesticadas. Os pesquisadores descobriram, ainda que plantas domesticadas tendem a se se agrupar em volta de assentamentos pré-colombianos – áreas habitadas antes da descoberta da América. Eles sugerem que esse padrão poderia ajudar outros cientistas a descobrir antigos assentamentos na Amazônia ainda desconhecidos.
“Não basta estudar as condições ambientais que estruturaram esses agrupamentos de árvores”, diz Carolina Levis, paleoecóloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, e principal autora do estudo. “Precisamos perguntar ‘quais as influências humanas por trás desses agrupamentos?’”.
No rastro dos sítios arqueológicos
Levis e sua equipe usaram dados da Rede de Diversidade das Florestas da Amazônia – um grupo de pesquisadores que compartilham informações sobre palmeiras e árvores amazônicas – para estimar a biodiversidade na floresta tropical. Até agora, cientistas na rede identificaram 4.962 espécies de árvores e palmeiras na Amazônia. Das 85 espécies, de madeira, domesticadas, Levis descobriu que cerca de 20 delas, como a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa) e as plantas de cacau (Theobroma cacao), eram bem mais comuns.
Os pesquisadores desejavam saber se isso se devia à influência humana ou ao ambiente. Então, compararam a distribuição de espécies domesticadas em mais de 3 mil sítios arqueológicos pré-colombianos conhecidos e prováveis áreas de assentamento, inclusive perto das margens dos rios. Espécies domesticadas eram muito mais propensas a prosperar onde povos antigos viveram do que as não-domesticadas.
Ao todo, cerca de 20% da distribuição de espécies domesticadas pela Amazônia parecia ter sofrido influência humana, enquanto 30% provavelmente se deviam a fatores ambientais como a composição do solo. Contudo, no sudoeste da Amazônia – que abrigou grandes populações pré-colombianas – cerca de 30% da distribuição de espécies domesticadas decorreu de atividades humanas. Menos de 10% foram devido a condições ambientais.
Novos e antigos
Isso não necessariamente significa que antigas ações humanas eram exclusivamente responsáveis pela distribuição de plantas domesticadas, alerta Crystal McMichael, paleoecologista na Universidade de Amsterdã. “É bastante sabido que tanto povos antigos quanto modernos se assentaram em áreas similares”. Então, é possível grupos mais modernos terem influenciado os ecossistemas que vemos hoje, tanto quanto os mais antigos, ela acrescenta.
Ações humanas poderiam, inclusive, ter criado condições que favoreceram as plantas domesticadas em relação a seus irmãos selvagens, diz Mark Bush, ecologista no Instituto de Tecnologia da Flórida em Melbourne. As espécies domesticadas poderiam, ainda, re-colonizar áreas perturbadas mais facilmente do que as não-domesticadas, sem qualquer ajuda das pessoas.
Quando assentamentos maias na América Central foram abandonados, árvores Brosimum re-colonizaram a área. Mas, por anos, pesquisadores pensaram que os maias haviam as plantado deliberadamente. Levis e sua equipe poderiam estar observando um fenômeno similar, diz Bush.
Levis reconhece que seu estudo não separou os efeitos dos povos modernos dos efeitos de seus ancestrais. Entretanto, Bush e McMichael concordam que, independentemente da causa, a distribuição de plantas na Amazônia segue assentamentos humanos modernos e antigos. Levis e McMichael então no processo de desenvolver um modelo que use esse padrão para identificar áreas onde pessoas possam ter vivido há milhares de anos.
Por, fim, diz Levis, essa pesquisa mostra que a Amazônia não é uma selva indomada, mas um ecossistema do qual humanos fazem parte há eras, e suas ações deixaram sua marca na região.
“As pessoas querem preservar florestas intocadas para conservação e para preservar a vida”, ela diz. “Mas se isso for verdade, se aqueles povos enriqueceram a floresta domesticando palmeiras, esse também é um produto cultural”. As árvores que vivem nessas áreas povoadas podem ser relíquias de um passado vibrante.
Erin Ross, da Nature Magazine
Este artigo é reproduzido com permissão da Nature Magazine e foi publicado inicialmente em 2 de março de 2017.