Helicóptero robô fará primeiro voo em Marte esta semana
Quando o Perseverance, o mais recente jipe robô da NASA, pousou no planeta vermelho em fevereiro, sua carga incluía uma longa lista virtual de pioneirismos. O Perseverance foi a primeira espaçonave a realizar um pouso ultrapreciso totalmente autônomo em outro planeta. Nos próximos meses, ele poderá ser o primeiro a tentar produzir oxigênio puro a partir da fina atmosfera de dióxido de carbono, por meio do instrumento experimental MOXIE. E antes que a missão chegue ao fim, também irá reunir amostras de Marte para um eventual retorno à Terra. Tornando-se, assim, a primeira a descobrir sinais de vida espacial. Mas o mais espetacular momento de pioneirismo do rover pode ocorrer nesta semana. Espera-se que um pequeno “pacote,” pesando 1,8 kg, seja desprendido de sua barriga.
Esse “pacote” é um helicóptero movido a energia solar, chamado Ingenuity, que tentará voar em Marte já em 8 de abril. Se for bem-sucedido, servirá como um batedor aerotransportado para as peregrinações do Perseverance. Além de se tornar a primeira aeronave autopropulsada a operar em outro planeta, abrindo caminho para futuras missões interplanetárias capazes de cruzar os céus de outros mundos.
“Fizemos tudo o que podíamos aqui na Terra”, disse Taryn Bailey, engenheira mecânica da NASA. “Simulamos o ambiente de Marte. Fizemos testes detalhados. Nos preparamos ao máximo. Agora temos que enfrentá-lo. ”
Mas se por um lado o Ingenuity pode prenunciar o futuro da exploração espacial, o minúsculo robô helicóptero também honra o passado. Escondido sob o painel solar do Ingenuity, está uma pequena amostra de tecido desgastado pelo tempo. Há 118 anos, este pedaço de musselina, comprado em uma loja de departamentos de Ohio, fazia parte do Wright Flyer, o primeiro avião do mundo.
PRIMEIRO A VOAR
Perto da virada do século 20, em uma época em que o voo de um objeto mais pesado do que o ar era considerado uma impossibilidade, e até mesmo uma loucura, dois irmãos autodidatas chamados Wilbur e Orville Wright inventaram o avião na parte de trás de sua loja de bicicletas.
“Wilbur começou por escrever ao [centro de difusão científica e museu de ciências] Smithsonian Institution, pedindo qualquer informação que tivessem sobre o voo”, diz Stephen Wright, sobrinho-bisneto dos irmãos Wright. Nos anos seguintes, os irmãos construíram planadores experimentais e fabricaram um túnel de vento para realizar testes de sustentação e arrasto. “Com o túnel de vento”, diz Stephen Wright, “eles foram capazes de reunir dados precisos sobre projetos de aerofólios minúsculos, feitos de pedaços de chapa que tinham espalhados pela loja de bicicletas”.
Mas o projeto da hélice foi sem dúvida a tarefa mais difícil dos irmãos. “Eles concluíram que uma hélice de ar era na verdade apenas uma asa giratória”, lembrou seu mecânico Charlie Taylor, que construiu o motor personalizado para o Wright Flyer, “e fazendo experimentos na caixa de vento eles chegaram ao projeto que queriam”. A história de Taylor apareceu em um artigo que ele escreveu na edição de 25 de dezembro de 1948 da revista Collier.
Para tornar sua máquina voadora mais aerodinâmica, Wilbur e Orville Wright costuraram o tecido de musselina com uma máquina de costura Singer e esticaram o tecido nas asas, no leme e no elevador da aeronave. Em 17 de dezembro de 1903, após cerca de quatro anos de vitórias, contratempos e preparativos meticulosos, os irmãos Wright finalmente fizeram o primeiro voo controlado de um objeto mais pesado do que o ar com motor nas praias, intensamente varridas pelo vento, da Carolina do Norte, perto da cidade de Kitty Hawk.
DE KITTY HAWK A MARTE
Mais de um século depois, os membros da equipe do helicóptero robô Ingenuity veem paralelos óbvios entre sua missão pioneira e aquele primeiro voo fatídico.
“Os irmãos Wright colocam a maior parte de sua energia no programa de testes”, diz Bob Balaram, engenheiro-chefe da Ingenuity no JPL. “Assim como ocorreu com a construção do avião, o programa de teste da Ingenuity foi tão, senão mais, desafiador, do que a construção do próprio helicóptero. Como os Wrights, tivemos que construir nosso próprio túnel de vento, só que usamos mais de 900 ventiladores de computador. Matt Keenan é o nosso Charlie Taylor – o mecânico que construiu o motor do Wright Flyer.”
E também à semelhança dos irmãos Wright, antes que a equipe responsável pelo robô helicóptero começasse a construir componentes, ela teve que determinar se o voo era possível, especialmente em Marte, onde a atmosfera é 99% menos densa do que o ar da Terra. “Inicialmente, o helicóptero de teste era conduzido manualmente”, diz Bailey, “mas o tempo de reação humana é inadequado para um ambiente tão rarefeito. Foi quando começamos a olhar para um veículo autônomo, um helicóptero movido por um computador e comandos. ”
Dois modelos de projeto suportaram com sucesso os extensos testes aerodinâmicos e ambientais, ajudando a equipe da Ingenuity a determinar o que poderia, de fato, constituir um sistema autônomo que poderia não apenas navegar no tênue ar marciano, mas também sobreviver na superfície fria do planeta, banhada por radiação. “A partir daí, construímos o modelo de voo, que também passou por testes extensivos”, diz Bailey. “E isso nos ajudou a chega onde estamos agora.”
O MATERIAL DOS WRIGHT NO HELICÓPTERO ROBÔ
Antes que a Ingenuity partisse para Marte, os funcionários do JPL contataram o Carillon Historical Park em Dayton, onde fica o Museu Nacional dos Irmãos Wright, para obter uma amostra de tecido usado no Wright Flyer original. “Na década de 1940, Orville Wright mandou fazer várias dessas amostras”, diz Steve Lucht, curador do Carillon Historical Park.
Mas esta não é a primeira vez que o Wright Flyer pega uma carona para o espaço. Em julho de 1969, o falecido Neil Armstrong carregou um pedaço do avião para a Lua durante a missão Apollo 11. E em 1998, o falecido John Glenn, então senador dos EUA e ex-astronauta da NASA, voou no ônibus espacial Discovery com uma amostra de tecido do Wright Flyer a reboque. O Discovery também enviou outra amostra, em 2000, para uma estadia de uma semana na Estação Espacial Internacional como parte da missão STS-92.
“Este é mais um daqueles momentos em que gostaria de poder falar com meus bisavôs”, disse Amanda Wright Lane, bisneta dos irmãos Wright. “Acho que eles ficariam surpresos, e muito satisfeitos. É notável pensar até onde chegamos após 118 anos – a Marte, literalmente a Marte. ”
Orville Wright morreu em 30 de janeiro de 1948, quase uma década antes do início da era espacial, embora tenha vivido para ver o falecido piloto Chuck Yeager quebrar a barreira do som. “Estamos abrindo uma dimensão totalmente nova”, diz Bailey. “Quem acompanhar será beneficiado. Às vezes, você faz coisas apenas para provar que pode fazê-las. Estamos mostrando que podemos fazer isso. Acho que é o suficiente para nos impulsionar ainda mais. ”
Leo DeLuca
Publicado em 05/04/2021