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Genes podem influenciar o risco de COVID-19, aponta novo estudo

Alterações genéticas no sistema imunológico e o tipo sanguíneo poderiam ser fatores que alteram a gravidade da doença

Créditos: Shutterstock

Conforme a COVID-19 continua sua marcha mortal pelo globo, pesquisadores observaram padrões de características ligadas a casos graves da doença. Idade avançada, diabetes, doenças cardíacas e até elementos sociais como racismo estrutural, apareceram como fatores de risco. Agora, algumas conexões a certos genes também aparecem como esses fatores, apesar das ligações ainda estarem confusas. 

Através do genoma, os pesquisadores ligaram a gravidade da COVID-19 e sua susceptibilidade a alguns genes associados com a resposta do sistema imunológico, e a proteína que permite o vírus SARS-CoV-2, causador do coronavírus, em nossas células. Eles também apresentaram ligações entre o risco da doença e o tipo sanguíneo de uma pessoa — A, B, AB ou O. As descobertas não são secas e curtas, entretanto. Cientistas alertam que seus efeitos válidos podem ser pequenos, mas o conhecimento sobre genes envolvidos em resultados graves da doença poder ajudar a identificar medicamentos terapêuticos. Complicando o trabalho estão os efeitos das desigualdades econômicas e sociais que também aumentam o risco e tendem a ser concentradas em populações com etnias específicas e ancestrais. 

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O trabalho de separar a genética dessas desigualdades é importante, diz Priya Duggal, diretora do programa de epidemiologia genética na Escola Johns Hopkins Bloomberg de Saúde Pública. “Nós não queremos confusão”, ela diz. “A raça representa muitos fatores, incluindo se a pessoa que é um trabalhador essencial” e pode ser exposto rotineiramente a chances maiores de infecção por conta de seu emprego, ou que pode não ter acesso a um bom cuidado de saúde. “Isso são coisas que nós todos sabemos que existem nesse país há muito tempo, e a COVID-19 só coloca isso em foco”. 

Outra precaução sobre os estudos de genética, diz Teri Manolio, diretora da Divisão de Medicina Genética no Instituto de Pesquisa Nacional do Genoma Humano, é que a busca por genes “geralmente é baseada em configurações enviesadas de dados” que são amplamente entregues por pessoas de ancestralidade europeia. Omitir outras populações, ela diz, “pode perder por completo pessoas em maior risco”, deixando vácuos importantes. De fato, um dos estudos genéticos mais relevantes e revisados até hoje, publicado em 17 de junho na revista New England Journal of Medicine, se baseou em duas populações europeias.

Em tal estudo, pesquisadores vasculharam os genomas de 1610 pacientes hospitalizados na Itália e na Espanha para encontrar alterações no DNA que são comuns entre as pessoas que desenvolveram falha respiratória por COVID-19. Essas pequenas alterações no DNA, que podem ter apenas efeitos sutis sobre como um gene funciona, são variações de uma versão mais comum da sequência genética. Os investigadores descobriram que muitos pacientes com casos graves da doença tinham variantes em um complexo de genes no cromossomo 3. Alguns desses genes codificam proteínas chamadas de quimiocinas que interagem com as moléculas de sistema imunológico. As quimiocinas funcionam como migalhas de pão químicas para atrair células imunológicas para os tecidos sob ataque, permitindo que elas destruam as células infectadas. Mas com o coronavírus, elas parecem funcionar em excesso e acionar ataques que destroem o pulmão. 

Os cientistas encontraram uma variante chave que era cerca de 1,5 vezes mais comum em pessoas que tinham de ser colocadas em ventiladores do que dentre aqueles que precisaram de intervenções mais simples, como suplemento de oxigênio. Pacientes gravemente afetados com duas cópias de tal variante eram de certa forma mais jovens que aqueles que possuiam uma ou nenhuma cópia, sugerindo que a dose dupla derrotou os benefícios protetores das pessoas mais jovens. 

Os autores do estudo dizem que essa pequena mudança no DNA está ligada a diminuição da atividade de um gene que ajuda a regular as quimiocinas. A alteração está associada com o aumento da atividade de outro gene, um que codifica a proteína que interage com o portão de entrada molecular do SARS-CoV-2 nas células. Esse portão, chamado de enzima conversora de angiotensina 2, ou ACE2, é ativo em muitos tecidos, incluindo os pulmões. Diversos desses genes do cromossomo 3 já apareceram como candidatos de interesse em análises iniciais por outros cientistas na Iniciativa Genética Hospedeira COVID-19 global. 

Os pesquisadores do estudo na New England Journal of Medicine também descobriram uma associação com uma região de outro cromossomo que determina o tipo sanguíneo. Essa  fita de DNA está localizada no cromossomo 9. Pacientes com o gene para o tipo A tinham chances 1,5 vezes maiores de falha respiratória, comparado com outros que tinham outros tipos sanguíneos. Pessoas com tipo O, entretanto, possuíam chances menores de tal falha. Estudos de outros grupos que foram publicados em pesquisas ainda não revisadas ligaram o tipo sanguíneo A com risco maior de se infectar com COVID-19 e relataram um risco menor para o tipo O também. (O estudo também dialoga com um pequeno estudo de pacientes do surto de 2002 e 2004 de SARS que apontou para um possível risco reduzido para tipo O). 

Dessas descobertas genéticas, a região do cromossomo 3 parece ter a associação mais forte com a gravidade da doença, diz Andrea Ganna, líder do grupo no Instituto de Medicina Molecular na Finlândia, que é parte da Iniciativa Genética Hospedeira COVID-19. A relação com os tipos sanguíneos é menos certeira, ele diz. Duggal nota que alguns fatores não relacionados a COVID-19 podem explicar tais resultados. Por exemplo, ela diz, estudos compararam pacientes doentes em hospitais com grupos de doadores de sangue da comunidade, que podem não terem sido expostos. Se tais doadores tenderem a ser do tipo O, seus dados poderiam enviesar o estudo para uma conclusão de que o Tipo O é de certa forma protetor. Ainda assim, acrescenta Duggal, tipos sanguíneos já foram ligados a susceptibilidade de diferentes doenças, como malária e câncer pancreático, então não é uma possibilidade irracional. 

Ganna diz que qualquer efeito genético por si só provavelmente será pequeno, o que significa que provavelmente não serão úteis para testes que dizem para as pessoas se elas possuem alto ou baixo risco para a doença. 

O que as descobertas genéticas podem fazer, diz ele e outros cientistas, é revelar informações sobre os caminhos biológicos envolvidos na susceptibilidade e resistência da doença —abrindo o caminho para testar medicamentos que visam tais caminhos. A biologia por trás da doença grave, especialmente em pessoas com outros fatores de risco óbvios, é “uma pergunta extraordinariamente importante e interessante”, diz Leslie Biesecker, chefe do Medical Genomics and Metabolic Genetics Branchs do Instituto de Pesquisa Nacional do Genoma Humano. Examinar tal biologia em casos sérios de COVID-19 pode — eventualmente — criar uma rota para terapias que funcionem entre toda a população aflita, não apenas em pessoas com alterações genéticas específicas. 

Emily Willingham

Publicado em

22/07/2020

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