Fósseis de rinoceronte e auroque indicam como o Saara passou de uma planície verde para um deserto

Fóssil de rinoceronte branco, da espécie Ceratotherium simum, carrega pistas sobre a formação do deserto do Saara. Crédito Jan van der Made
Hoje, podemos olhar para imagens de satélite e será possível indicar facilmente que o Saara é o maior deserto quente do planeta. Ele possui 9,2 milhões km² e abrange 10 países no norte da África. Suas temperaturas chegam a extremos de 50°C de dia e -10°C à noite. Mas nem sempre foi assim. A descoberta de fósseis de rinocerontes brancos, Ceratotherium simum, e auroques, Bos primigenius — uma espécie extinta de bovino selvagem — ajuda a explicar o processo gradual de desertificação da região.
Os fósseis foram encontrados no mesmo sítio, localizado em Oued el Haï, no noroeste do Marrocos, e estudados por uma equipe internacional de pesquisadores. Eles foram datados entre 57 e 100 mil anos atrás. Suas conclusões foram publicadas em um artigo no periódico Historical Biology. Uma análise geomorfológica e geológica do sítio foi realizada pelo geólogo Alfonso Benito Calvo, do Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana (Espanha) e coautor do trabalho. Ela concluiu que os fósseis puderam ser preservados devido a sua localização. Eles estavam em um vale de platô elevado, com baixa capacidade de incisão de intempéries.
Segundo o artigo, a presença desses animais de grande porte na região ajuda a entender melhor as mudanças climáticas que levaram a desertificação do Saara. Isso pois os fósseis dessas espécies não poderiam ter sido encontrados na região se esta não atendesse às suas condições de sobrevivência.
Clima do Saara nos fósseis
A presença dos animais é especialmente útil para entender a evolução da temperatura e umidade da região Magrebe do Saara. Ela é composta por Marrocos, Argélia, Tunísia, Mauritânia, Líbia e Saara Ocidental.
Hoje, o Magrebe é considerado na zoogeografia — vertente da geografia que estuda a distribuição de espécies animais — como parte da região paleoártica. Esta se estende para toda a Europa, grande parte do Oriente Médio e diversos outros países asiáticos ao norte do Himalaia. Apesar de pouco intuitiva, a classificação indica que o Magrebe tem muito mais em comum com esses países do que com a África Subsaariana, parte da região afro-tropical.
Essa “separação” deve ter ocorrido principalmente por causa de quedas na temperatura do planeta — o mesmo tipo de mudança climática que levou ao início e fim dos períodos glaciais. Assim, o Saara, antes “verde” e mais próximo do que hoje se encontra na região afro-tropical, perdeu muita umidade, isolando-se do sul do continente.

Fóssil de auroque, Bos primigenius, um bovino selvagem já extinto. Crédito Jan van der Made
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Além disso, o artigo afirma que a espécie de rinoceronte branco do fóssil, Ceratotherium simum, se espalhou pelo Magrebe e substituiu uma espécie já instalada, a Ceratotherium mauritanicum. Esse processo ocorreu durante o “período de Saara Verde”, entre 80 e 85 ou 100 e 105 mil anos atrás, mas depois da região já ter adquirido as características paleoárticas que a permitiram sua adaptação.
Analisar os requerimentos para sobrevivência das espécies e traçar seus territórios através dos fósseis é uma das maneiras de conhecer mais detalhadamente a história climática da região, afirma o artigo. “A proporção de espécies paleoárticas que encontramos em sítios no norte da África aumenta durante períodos mais recentes. Isso confirma a teoria geral, mas essas descobertas também nos permitem saber como o deserto do Saara se formou. Isso pois o processo não aconteceu do dia para a noite”, afirma Jan van der Made, pesquisador do Museo Nacional de Ciencias Naturales (Espanha) e coautor do estudo. “Continuar encontrando fósseis de diferentes épocas também nos permite reconstruir como era o clima na sua zona, além de coletar as informações necessárias para futuros modelos climáticos“, explica ele.
Publicado em 22/12/2021.