Misteriosa fonte emissora de ondas de rádio parece ser diferente de qualquer objeto astronômico conhecido
Cientistas encontraram um objeto na direção do centro da Via Láctea que emite ondas de rádio diferentes de qualquer outra conhecida. As observações iniciais, realizadas com o radiotelescópio ASKAP (Australian Square Kilometre Array Pathfinder), localizado no oeste da Austrália, indicam que as emissões da fonte parecem aparecer, minguar e desaparecer de forma aleatória.
A fonte misteriosa foi observada por uma equipe de cientistas australianos, alemães, estadunidenses, canadenses, sul africanos, espanhóis e franceses, liderados pela Universidade de Sydney. “Estamos fazendo um levantamento do céu com o ASKAP para encontrar objetos novos e incomuns, como parte de um projeto chamado Transientes Lentos e Variáveis, ao longo de 2020 e 2021,” afirma Tara Murphy, do Departamento de Física da Universidade de Sydney.
Características das ondas
A origem dos sinais é algum objeto na direção do centro da Via Láctea, nomeado de ASKAP J173608.2-321635, a partir do telescópio que o descobriu e suas coordenadas. Mas o que chamou atenção foi a maneira “transiente” como o sinal se comporta: “O brilho do objeto varia drasticamente, por um fator de 100, e o sinal liga e desliga de forma aparentemente aleatória. Nunca vimos nada do tipo,” afirma Ziteng Wang, líder da pesquisa e estudante de doutorado de Murphy.
As características das ondas de rádio também intrigam os pesquisadores. “A propriedade mais estranha desse sinal é que ele possui uma polarização muito alta. Isso significa que sua emissão oscila somente em uma direção, mas essa direção rotaciona ao longo do tempo,” disse Wang.
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A emissão de ondas de rádio por si só não é estranha — ela é, afinal, o foco da radioastronomia. Muitos objetos astronômicos são capazes de emitir radiação eletromagnética de diversos tipos e, como essas ondas viajam pelo espaço de modos diferentes, observar mais de um tipo pode permitir “enxergar” o que antes era invisível.
O que é inusitado da emissão de ASKAP J173608.2-321635 é sua alta taxa de polarização, isso pois a maioria das fontes naturais de radiação produzem ondas que oscilam em diversas direções. É como se ela tivesse atravessado algum tipo de filtro que permitisse apenas a passagem das ondas em uma direção.
Essas características permitiram à equipe distinguir a fonte de outros objetos conhecidos, sugerindo que pode fazer parte de uma classe inteiramente nova. “No começo pensamos que se tratava de uma pulsar — um tipo muito denso de estrela em rotação — ou um tipo de estrela que emite enormes erupções. Mas os sinais da fonte não combinam com o que esperamos desses tipos de objetos celestiais,” disse Wang.
As observações da fonte
Segundo o estudo publicado no Astrophysical Journal, após observar o objeto seis vezes ao longo de nove meses com o ASKAP, um radiotelescópio, a equipe tentou observá-lo de forma convencional, em equipamentos que enxergam apenas luz visível. Mas os cientistas não conseguiram encontrá-lo.
Em seguida, tentaram observar a fonte misteriosa com o Observatório de Parkes, outro radiotelescópio — e também falharam. Só conseguiram observá-la novamente no Observatório MeerKAT, um conjunto de receptores sensíveis de rádio na África do Sul. “Como o sinal era intermitente, a cada período de algumas semanas nós tentávamos encontrá-lo por 15 minutos,” disse Murphy. “Felizmente, o sinal retornou, mas descobrimos que o comportamento da fonte era drasticamente diferente — ela desaparecia todos os dias. Entretanto, nas nossas observações com o ASKP, ela atuava por vários dias,” explicou ela.
Essas observações pouco ajudaram a resolver o mistério. A classe de objeto mais próxima que os pesquisadores puderam encontrar foram os GCRT (Galactic Centre Radio Transients), e meso esta classe é cercada de dúvidas. Esses objetos costumam aparecer e desaparecer das observações dos cientistas , assim como é o caso dessa fonte. Mas a descrição não é perfeita. “Ainda que nosso novo objeto, ASKAP J173608.2-321635, compartilhe algumas propriedades com GCRTs, há também diferenças. E, de qualquer jeito, nós realmente não entendemos bem essas fontes, então isso só faz crescer o mistério,” explicou David Kaplan, co-orientador de Wang e professor na Universidade de Wisconsin-Milwaukee.
Mesmo que a real natureza dessa fonte permaneça desconhecida, os cientistas vão continuar observando suas emissões. Para o professor, avanços na radioastronomia na próxima década, como o início das operações do telescópio SKA (Square Kilometre Array) — cuja construção já foi iniciada — devem ajudar a elucidar esse e outros mistérios das ondas de rádio.
Publicado em 15/10/2021.