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Físicos criam rede quântica ultrassegura do tamanho de uma cidade

Demonstração é marco para o desenvolvimento de uma internet completamente quântica, ao conectar oito usuários a distâncias de 17 quilômetros.

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A criptografia quântica promete um futuro no qual a comunicação entre computadores ocorre através de  links de altíssima segurança que utilizam as propriedades da física quântica. Mas transportar as descobertas dos laboratórios de pesquisa para as redes com números maiores de usuários tem se mostrado algo muito difícil. Agora, uma equipe internacional de pesquisadores construiu uma rede quântica do tamanho de uma cidade para compartilhar chaves para mensagens encriptadas. 

A rede pode crescer  sem ter que se sujeitar ao aumento incoerente dos custos com o caro hardware quântico.  Além disso, esse sistema não precisa de nenhum nó para ser confiável, o que permite remover possíveis ameaças à segurança. 

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“Fizemos testes usando tanto o laboratório quanto fibras que foram  implantadas na cidade de Bristol”, na Inglaterra, diz Siddarth Koduru Joshi, da Universidade de Bristol. Ele e seus colegas demonstraram suas ideias utilizando uma rede quântica com oito nodos cujos  nodos mais longínquos distavam 17 quilômetros, medidos pelo comprimento da fibra óptica que os conectava. As descobertas da equipe apareceram na revista Science Advances no dia 2 de setembro. 

Dois é bom, três é demais

A criptografia quântica emprega as leis da física quântica para criar uma chave privada para codificar e decodificar mensagens, um processo chamado de distribuição de chaves quânticas, ou QKD. 

No protocolo mais utilizado para a QKD, uma parte, Alice, prepara e envia um bit quântico, ou qubit, para a outra, Bob. O qubit é uma partícula que apresenta a propriedade quântica de superposição de dois estados. Bob escolhe, aleatoriamente, uma medida entre um conjunto de medições da partícula. Se Bob escolher o tipo correto de medida,  ele poderá saber qual o valor que Alice codificou no qubit. Após uma sequências de medições de tais qubits, Alice e Bob trocam, publicamente, notas e concordam em utilizar os resultados de algum subconjunto das medições de Bob (ambos sabem o valor de cada qubit para esse subconjunto). Eles descartam as outras medições. Crucialmente, os resultados não são públicos, e Alice e Bob os utilizam para criar uma chave privada para encriptar e decodificar  mensagens enviadas em um link público. 

Mas é difícil ampliar o uso desse método. Imagine que alguém deseja acrescentar outro usuário, Charlie, à rede. Uma opção é Bob e Charlie estabelecerem um link seguro. Então Alice pode enviar uma mensagem para Charlie através de Bob, mas ela tem que confiar em Bob. 

“Isso não é muito atraente”, diz Sebastian Neumann, membro da equipe, do Instituto de Óptica Quântica e Informação Quântica em Viena. “A questão principal da criptografia quântica é a segurança absoluta.” 

Para evitar ter de confiar em Bob, Charlie pode se conectar diretamente a Bob e a Alice. Agora, esses dois precisarão de mais hardware para se comunicarem com Charlie, porque um novo nó não pode ser adicionado sem romper os que já existem. E esse problema aparece sempre que um novo nó e acrescentado.  As necessidades crescem rapidamente, em custo e em complexidade, quando novos usuários são adicionados. Por exemplo, uma rede com dois usuários possui um link,  uma rede com três usuários possui três deles, uma rede com oito usuários possui 28, e uma rede com 100 usuários precisa de 4.950. 

Joshi e seus colegas utilizaram outro protocolo QKD, que envolve o compartilhamento de partículas emaranhadas entre dois usuários, para projetar um novo tipo de rede que supera muitos desses problemas. 

Uma diversidade metropolitana

 Nesse protocolo, Alice e Bob utilizam pares de fótons  entrelaçados para criar uma chave privada. Partindo de um dos fótons do par,  Alice aleatoriamente realiza uma entre uma série de medições. Bob faz o mesmo com sua partícula. Como os fótons estão entrelaçados, se Alice e Bob fizerem a mesma medição terão o mesmo resultado. Os dois compartilham, publicamente, suas sequências de medições do das partículas que compõem o par. Eles então escolhem o subconjunto que lhes proveria  do mesmo resultado, e descartam os demais. Esses resultados, que nunca são disponibilizados publicamente, formam a base para uma chave privada. 

Ao invés de construir uma rede em que cada um dos oito usuários esteja fisicamente conectado a todos os outros usuários, os pesquisadores criaram um com uma fonte central que envia fótons emaranhados  para os oito usuários, chamados Alice, Bob, Chloe, Dave, Feng, Gopi, Heidi e Ivan. Cada usuário está conectado a fonte via um único link de fibra óptica para a fonte, o que dá um total de  oito ligações — muito menos do que as 28 que seriam necessárias para a QKD tradicional, sem nenhum nodo confiável.   

Então mesmo que os usuários não estejam fisicamente conectados, o protocolo que os pesquisadores desenvolveram estabelece uma ligação virtual entre cada par, através da magia do emaranhamento  quântico, de forma que cada par pode criar uma chave privada, particular. 

A fonte central possui um chamado cristal não-linear que expele um par de fótons que estão emaranhados  em sua polarização. Esses fótons  possuem um comprimento de onda centralizado em aproximadamente cerca de 1,550 nanômetros, com mais ou menos alguns décimos de nanômetros. Se alguém fosse procurar e encontrar um desses fótons com, digamos, 1,560 nanômetros, a lei da conservação de energia dita que seu parceiro emaranhado  teria o comprimento de onda de 1,540 nanômetros.  Tal comprimento de onda é um canal. A fonte central envia o comprimento de onda do par emaranhado  inicial para 16 canais, oito de cada lado, e todos equidistantes dos 1,550 nanômetros. Isso efetivamente cria oito pares de canais, numerados de 1 a 8 de um lado e de -1 a -8 de outro. Quando a medição é feita, os fótons serão encontrados apenas em um único par dentre os canais, e não nos outros.  

Esses canais então são combinados, ou multiplicados, na mesma fibra óptica e enviados para cada usuário. Cada um ganha uma combinação diferente de canais. Por exemplo, Alice recebeu os canais 2,6,7 e 8; Dave recebe -6, -4, -3 e 1; e Gopi recebe -8, 5, 4 e -2. Os comprimentos de onda são escolhidos para que quaisquer dois usuários sempre compartilhem pelo menos um par de canais que poderiam ter fótons emaranhados  entre eles. No esquema acima, Alice e Dave compartilham os canais 6 e -6; Alice e Gopi compartilham os canais 2 e -2 e 8 e -8; e Dave e Gopi compartilham o 4 e o -4. 

Cada usuário monitora todos os seus canais para medir o estado de polarização de um fóton potencial, se este eventualmente aparecer. Então, se um detector de fótons for acionado por Alice, ela efetivamente realiza uma medição para ver se o fóton está polarizado em uma direção (horizontal ou vertical) ou outra (diagonal e antidiagonal). Desta forma, apenas um, dentre os demais usuários, teria detectado o fóton entrelaçado correspondente, exatamente ao mesmo tempo. 

Após realizarem uma série dessas medições com um grande número de pares de fótons emaranhados,  os usuários transmitem suas medições  dos fótons  e os registros horários do momento em que ocorreu a detecção. Essa informação permite aos usuários entenderem quais pares de fótons  foram medidos por qual par de usuários. Por exemplo, Alice e Dave entenderam que eles possuíam uma correlação forte no número de detecções para um certo período marcado. Essa correlação representa sua cota de fótons  entrelaçados. Alice e Dave podem agora utilizar os resultados de suas medições para estabelecer uma chave entre os dois. 

Crescendo de forma segura

Adicionar um novo usuário é simples: basta conectá-lo a uma fonte central, que apenas tem de modificar seu esquema de divisão e combinação de canais. Mas quem já é  usuário não precisa se preocupar.  “Alice não precisa mudar nada quando a rede é alterada”, diz Joshi. 

Além disso, o hardware que precisa ser acrescentado  aumenta numa proporção linear com o crescimento do número de  usuários — o que é um benefício impressionante, em comparação às técnicas anteriores. O que é crucial é que não é preciso apostar na confiabilidade de nenhum dos usuários, mas mesmo assim cada par de usuários  pode estabelecer uma conexão segura de forma a criar uma chave quântica inquebrável, que pode ser utilizada para codificar e decodificar mensagens. 

As grandes redes quânticas do futuro precisarão resolver pelo menos dois problemas principais. O primeiro é que elas precisam interconectar um número arbitrariamente grande de usuários. O segundo é que tais redes devem alcançar distâncias intracontinentais e intercontinentais. Isso pode ser feito ou através do  uso de repetidores quânticos, de forma a permitir que a distribuição de estados quânticos possa ser feita a distâncias maiores, ou recorrendo-se a  satélites para enviar qubits ou partículas entrelaçadas para os usuários na superfície. 

Ronald Hanson, da Universidade Delft de Tecnologia, na Holanda, que não estava envolvido no novo trabalho, reconhece que ele amplia  o uso da QKD de forma a “alcançar muito mais usuários dentro do alcance limitado da QKD sem repetidores”. 

A equipe  de Joshi admite que seu novo  trabalho  não conseguiu solucionar de vez o problema de como fazer a rede alcançar distâncias que sejam maiores do que as de uma cidade pequena. Para aumentar o alcance, os pesquisadores estão pensando em utilizar satélites para carregar sua fonte central de fótons  emaranhados. “Estamos trabalhando para produzir uma fonte que possa ser funcional no espaço”, diz Joshi. “Elas precisam ser fortes o bastante.” 

Anil Ananthaswamy

Publicado em 08/09/2020

 

 

 

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