Cientistas conseguem gerar matéria colidindo partículas de luz
Dois experimentos realizados no laboratório Laboratório Nacional de Brookhaven, nos EUA, forneceram evidências definitivas para dois fenômenos da físicas previstos teoricamente há quase oitenta anos. As descobertas foram feitas por meio de uma análise detalhada de mais de 6 mil pares de elétrons e pósitrons produzidos em colisões de partículas no acelerador de partículas Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC). Os resultados foram publicados na Physical Review Letters.
Em um primeiro experimento, cientistas provaram que pares de elétrons e pósitrons – partículas de matéria e antimatéria – podem ser criados diretamente pela colisão de fótons muito energéticos. Esta conversão da luz com muita energia em matéria é uma consequência direta da famosa equação E = mc2 de Einstein, segundo a qual energia e matéria (ou massa) são intermutáveis. Por exemplo, usinas nucleares convertem regularmente matéria em energia. Agora, os cientistas converteram a energia da luz diretamente em matéria em uma única etapa.
Já o segundo experimento mostrou pela primeira vez que a curvatura do caminho da luz que viaja através de um campo magnético no vácuo depende do modo como a luz é polarizada. Esse desvio dependente da polarização, também conhecido como birrefringência, ocorre quando a luz viaja através de certos materiais. O efeito é semelhante à dupla refração dependente do comprimento de onda que divide a luz branca nas demais cores do espectro. Estes resultados foram publicados no mesmo artigo.
Para a realização bem-sucedida de ambos os experimentos, as capacidades do detector STAR do RHIC , o Solenoid Tracker no RHIC, foram essenciais. O equipamento é capaz de medir a distribuição angular das partículas produzidas em colisões de íons numa velocidade próxima à da luz.
Colidindo nuvens de fótons
No ano de 1934, os físicos Gregory Breit e John A. Wheeler descreveram a possibilidade hipotética de colidir partículas de luz para criar pares de elétrons e suas contrapartes de antimatéria, conhecidas como pósitrons.
“Em seu artigo, eles já percebiam que isso era quase impossível de fazer”, disse o físico Zhangbu Xu, membro da STAR Collaboration do RHIC. “Os lasers ainda nem existiam! Mas Breit e Wheeler propuseram uma alternativa: acelerar íons pesados. E a alternativa deles é exatamente o que estamos fazendo no RHIC. ”
Um íon é essencialmente um átomo nu, sem seus elétrons. Um íon de ouro, com 79 prótons, carrega uma poderosa carga positiva. Acelerar esse íon a velocidades muito altas gera um poderoso campo magnético. Este gira em torno da partícula em alta velocidade enquanto ela viaja. É como uma corrente fluindo através de um fio.
“Se a velocidade for alta o suficiente, a força do campo magnético circular pode ser igual à força do campo elétrico perpendicular”, disse Xu. E esse arranjo de campos consiste no fóton, uma “partícula” quantizada de luz. “Então, quando os íons estão se movendo perto da velocidade da luz, há um monte de fótons ao redor do núcleo de ouro. Eles o acompanham como uma nuvem.”
No RHIC, os cientistas aceleram os íons de ouro a 99,995% da velocidade da luz em dois anéis aceleradores.
“Temos duas nuvens de fótons movendo-se em direções opostas com energia e intensidade suficientes para que, quando os dois íons passem um pelo outro sem colidir, esses campos de fótons possam interagir”, disse Xu.
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Os físicos do STAR, então, rastrearam as interações e procuraram os pares elétron-pósitron previstos.
Outros cientistas tentaram criar pares elétron-pósitron a partir de colisões de luz usando lasers poderosos – feixes focalizados de luz intensa. Mas os fótons individuais dentro desses feixes intensos ainda não têm energia suficiente, disse Brandenburg.
Anteriormente, um experimento no SLAC National Accelerator Laboratory em 1997 foi bem-sucedido usando um processo não linear. Os cientistas primeiro tiveram que aumentar a energia dos fótons em um feixe de laser, para, em seguida, provocar uma colisão com um poderoso feixe de elétrons. Dessa maneira, as colisões dos fótons energizados em um enorme campo eletromagnético criado por laser produziram matéria e antimatéria.
“Nossos resultados fornecem evidências claras da criação de pares matéria-antimatéria a partir de colisões de luz, conforme originalmente previsto por Breit e Wheeler”, disse Brandenburg. “Portanto, graças ao feixe de íons pesados de alta energia do RHIC e a medições precisas do detector STAR, pudemos determinar que os resultados experimentais são de fato consistentes com colisões de fótons.”
Curvando a luz no vácuo
A capacidade do STAR de medir as minúsculas refrações duplas de elétrons e pósitrons, produzidas quase que consecutivamente nesses eventos, também possibilitou que os físicos estudassem como as partículas de luz interagem com os poderosos campos magnéticos gerados pelos íons acelerados.
“A nuvem de fótons em torno dos íons de ouro em um dos feixes de RHIC dispara na direção do forte campo magnético circular produzido no outro feixe“, disse Chi Yang, um colaborador de longa data do STAR que dedicou sua carreira ao estudo de pares elétron-pósitron produzidos a partir do RHIC. “Observar a distribuição das partículas que saem da nuvem nos mostra como a luz polarizada interage com o campo magnético.”
Werner Heisenberg e Hans Heinrich Euler, em 1936, e John Toll, na década de 1950, previram que um vácuo do espaço vazio poderia ser polarizado por um poderoso campo magnético. Este vácuo polarizado, então, deveria desviar os caminhos dos fótons dependendo da polarização destes. Toll, em sua tese, também detalhou como a absorção de luz por um campo magnético depende da polarização e de sua conexão com o índice de refração da luz no vácuo. Esta birrefringência foi observada em muitos tipos de cristais.
Além disso, um recente relatório registrou a curvatura da luz proveniente de uma estrela de nêutrons. É provável que o fenômeno tenha acontecido devido a interações dessa luz com o campo magnético da estrela. Mas, até o momento, nenhum experimente com base na Terra havia conseguido detectar a ocorrência da birrefringência no vácuo.
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No RHIC, os cientistas mediram como a polarização da luz afetava se a luz era “absorvida” pelo campo magnético.
Isso é semelhante ao modo como os óculos de sol polarizados bloqueiam a passagem de certos raios se eles não corresponderem à polarização das lentes, explicou Yang. No caso dos óculos de sol, além de vermos uma menor quantidade de luz passar, é possível, a princípio, medir um aumento na temperatura do material da lente à medida que ele absorve a energia da luz bloqueada. No RHIC, a energia luminosa absorvida é o que cria os pares elétron-pósitron.
“Quando olhamos para os produtos produzidos pelas interações fóton-fóton no RHIC, vemos que a distribuição angular dos produtos depende do ângulo de polarização da luz. Isso indica que a absorção (ou passagem) da luz depende de sua polarização ”, disse Yang.
Esta é a primeira observação experimental feita na Terra da maneira como a polarização afeta as interações da luz com o campo magnético no vácuo – a birrefringência no vácuo prevista em 1936.
“Ambas as descobertas se baseiam em previsões feitas por alguns dos grandes físicos do início do século 20”, disse Frank Geurts, professor da Rice University, cuja equipe construiu e operou o moderno detector do STAR necessário para esta medição. “Elas são baseados em medições fundamentais tornadas possíveis apenas recentemente com as tecnologias e técnicas de análise que desenvolvemos no RHIC.”
Publicado em 12/08/2021