Experimento consegue criar supersólido a partir de gás quântico pela primeira vez
Em gases quânticos, as propriedades de todas as moléculas estão restritas a valores específicos, sendo sistemas cujas partículas são indistinguíveis entre si. Eles são ideais para a investigação das consequências microscópicas das interações na matéria, pois, ao serem refrigerados a temperaturas extremamente baixas, pesquisadores ganham um enorme controle sobre suas moléculas.
Dessa maneira, atualmente, cientistas são capazes de controlar com precisão partículas individuais nessas nuvens de gás extremamente resfriadas, revelando fenômenos que não podem ser observados no mundo cotidiano.
Por exemplo, em um condensado de Bose-Einstein, estado quântico de matéria extremamente denso que ocorre após os átomos de gás com densidade baixa serem resfriados a uma temperatura de quase zero graus absolutos e se agruparem, as partículas individuais são completamente deslocalizadas. Ou seja, ao chegar no estado supesólido da matéria, o mesmo átomo pode existir em vários pontos ao mesmo tempo.
Os supersólidos
Proposto pela primeira vez há mais 50 anos, o estado supersólido da matéria foi o foco de inúmeros experimentos por quase meio século. Durante décadas, havia dúvidas sobre se um cristal sólido com propriedades superfluidas poderia, de fato, existir.
Mas, em 2017, dois grupos de pesquisa, um do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíçã, e outro do MIT, nos Estados Unidos, relataram a criação de um supersólido. O primeiro grupo manteve um condensado Bose-Einstein dentro de uma cavidade óptica de modo a cristalizar as interações atômicas, dando origem a um sólido superfluido.
Já a equipe do MIT obteve o material a partir da interferência de lasers expôs o condensado à intereferência de lasers. Isso fez com que a luz se espalhasse entre os átomos, o que acabou gerando um padrão cristalino regular.
No entanto, ainda faltava uma prova clara da existência desse estado da matéria. Foi, então, dois anos depois, em 2019, que outros três grupos da Alemanha, Itália e Áustria observaram o fenômeno acontecer diretamente das interações entre átomos magnéticos em gases quânticos superfrios, sem a necessidade da influência de instrumentos ópticos.
++ LEIA MAIS
Novo experimento sugere possibilidade de partículas fundamentais ainda desconhecidas
Anúncio de possível descoberta de nova partícula divide cientistas
Cientistas conseguem gerar matéria colidindo partículas de luz
Sendo assim, a base para este novo e crescente campo de pesquisa é a forte polaridade dos átomos magnéticos, cujas características de interação permitem a criação desse estado mecânico quântico paradoxal da matéria em laboratório.
Uma das equipes responsáveis pela descoberta foi liderada pela professora Francesca Ferlaino, do Departamento de Física Experimental da Universidade de Innsbruck e integrante Instituto de Óptica e Informação Quântica da Academia Austríaca de Ciências em Innsbruck. A obtenção do estado supersólido em gases quânticos de átomos magnéticos foi detalhadamente documentada no estudo recentemente publicado na revista Nature.
Conforme apontam os resultados divulgados no artigo, a interação magnética entre esses átomos faz com que eles se auto-organizem em um padrão regular de gotículas. “Normalmente, você pensaria que cada átomo seria encontrado em uma gota específica”, explica Matthew Norcia, da equipe de Ferlaino. “No entanto, no estado supersólido, cada partícula é deslocalizada em todas as gotículas, existindo simultaneamente em cada uma delas. Então, basicamente, você tem um sistema com uma série de regiões de alta densidade (as gotículas) que compartilham os mesmos átomos deslocalizados. ” Esta estranha formação permite que aconteça um fluxo sem atrito, apesar da presença de ordem espacial.
Novas dimensões, novos efeitos para explorar
Até agora, os estados supersólidos em gases quânticos só foram observados como uma cadeia de gotículas (ao longo de uma dimensão). “Em colaboração com os teóricos Luis Santos da Leibniz Universität Hannover e Russel Bisset em Innsbruck, agora estendemos esse fenômeno a duas dimensões, dando origem a sistemas com duas ou mais fileiras de gotículas”, explica Matthew Norcia.
Isso não é apenas uma melhoria quantitativa, mas também amplia de maneira crucial as perspectivas de pesquisa. “Por exemplo, em um sistema supersólido bidimensional, pode-se estudar como os vórtices se formam no orifício entre várias gotículas adjacentes”, diz ele. “Esses vórtices descritos em teoria ainda não foram demonstrados, mas representam uma consequência importante da superfluidez”. Com isso, Francesca Ferlaino e sua equipe já estão olhando para o futuro. O experimento cria novas oportunidades para investigar mais profundamente a física fundamental deste fascinante estado da matéria.
Publicado em 19/08/2021