Estrelas zumbis continuam brilhando após explosões tipo supernova
Classe recém-descoberta de estrelas estranhas permite vislumbre de catástrofes astrofísicas
Deveria ser algo impossível, fisicamente. Milhões de anos atrás, uma anã branca – a faísca enfraquecida de uma estrela parecida com um Sol – estava presa numa dança vertiginosa com uma brilhante estrela companheira. As duas circularam uma à outra por eras, conectadas por uma ponte de gás que fluía da companheira para a anã branca, permitindo a ela crescer mais e mais, até não suportar mais o peso extra. Neste ponto, a anã branca deveria ter explodido em pedacinhos, e produzido uma supernova que brilharia brevemente mais do que todas as estrelas da Via Láctea juntas. Então, assim que a supernova desaparecesse e as vísceras da anã branca se dispersassem pela galáxia, não restaria literalmente nada, a não ser sua estrela companheira. Mas, contra todas as probabilidades, a explosão não desfez completamente a anã branca. Em vez disso, ela sobreviveu.
A anã branca, mais conhecida como LP 40-365, foi anunciada pela primeira vez em 2017 na publicação Science. “Essa é uma alegação extraordinária”, diz JJ Hermes, astrônomo da Universidade de Boston. “Portanto, precisamos de algumas evidências igualmente extraordinárias para comprovar isso.” Agora, um estudo postado no servidor de pré-impressão arXiv e enviado para o Monthly Notices da Royal Astronomical Society poderia fornecer essa evidência. Roberto Raddi, astrônomo da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha, Hermes e seus colegas detectaram mais duas anãs brancas que também parecem ter conseguido o impensável. O estudo não só fornece mais provas de que tais estrelas que desafiam a morte existem, mas acabará também por lançar luz sobre essas misteriosas explosões.
A equipe de Raddi fez essas descobertas depois de vasculhar dados da sonda Gaia, da Agência Espacial Européia, que é particularmente adequada para encontrar estrelas de alta velocidade – uma característica importante da LP 40-365 (porque uma explosão de supernova tem o poder de estilingue através da galáxia). Duas estão destinadas a escapar completamente da Via Láctea, e uma está orbitando “para trás”, no sentido contrário ao da rotação usual de estrelas em nossa galáxia. Além disso, todas possuem raios grandes, presumivelmente porque foram infladas pela energia extra que receberam da explosão que falhou. E, ainda assim, elas possuem massas relativamente pequenas, provavelmente devido à perda de grande parte de seu material durante a explosão. Mas talvez a evidência mais convincente de que essas estrelas sejam sobreviventes de supernovas é que elas transbordam de elementos mais pesados. Enquanto as anãs brancas típicas contém carbono e oxigênio, essas estrelas são compostas principalmente de néon. “Isso é um absurdo”, diz Hermes. “Isso é como uma placa de bar oferecendo cerveja sobrevoando a galáxia.” O segundo elemento mais comum das estrelas é o oxigênio, seguido por uma pitada de elementos ainda mais pesados, como magnésio, sódio e alumínio. “Isso é tão estranho quanto parece”, diz Hermes.
Esses elementos pesados são subprodutos dos estágios avançados de uma estrela queimando seu combustível nuclear, o que sugere que, mesmo que essas anãs brancas não tenham se desintegrado completamente, suas camadas externas queimaram parcialmente. E essa não é uma ideia tão louca. Quando os astrônomos inicialmente detectaram supernovas tipo Ia – a primeira variedade conhecida de explosões de anãs brancas – os teóricos tentaram recriar esses cataclismas celestes em seus computadores, mas tiveram dificuldade para conseguir detonações que paravam antes de consumirem a estrela inteira. Então, os astrônomos jogaram esses modelos de lado, convencidos de que a explosão das anãs brancas era um caso catastrófico de tudo ou nada. Então, em 2002, observadores descobriram uma nova classe de supernovas apelidadas de Iax. Essas explosões parecem com seus primos, exceto que elas se movem mais devagar, desvanecem mais rápido e têm menos energia em geral. Para explicar essas explosões lentas e estelares, os astrônomos ressuscitaram os modelos que haviam destruído anteriormente.
Graças a esses primeiros modelos, e a uma ajuda recente de teóricos, os astrônomos agora acham que entendem o mecanismo por trás de uma supernova anã branca. Conforme uma anã branca extrai material de sua estrela companheira, ela fica mais pesada e densa. Eventualmente, a densidade é tão alta que os núcleos de carbono dentro da anã branca se fundem, permitindo que a estrela construa elementos mais pesados por aproximadamente mil anos. Mas o truque é que essa fusão nuclear só ocorre dentro de uma região específica da estrela – uma bolha, se você preferir. Essa bolha eventualmente se torna tão quente que sobe do interior da estrela, quebrando na superfície em menos de um segundo. A explosão expele a maior parte das entranhas da estrela para o espaço, agindo como um foguete, acelerando a anã branca enriquecida por elementos a velocidades incríveis.
Esta história explica as três recém-descobertas anãs brancas muito bem, embora com uma grande advertência: as estrelas deveriam abrigar algum carbono que não queimasse na conflagração. Mas, contra essas expectativas, elas parecem relativamente livres de carbono. “Essa é a última peça do quebra-cabeça que não se encaixa”, diz Anthony Piro, astrônomo dos Observatórios Carnegie, que não participou do novo estudo. “A natureza é sempre cheia de surpresas. Há sempre uma peça que falta no quebra-cabeça que você precisa investigar. ”No entanto, os astrônomos permanecem bastante convencidos de que essas estrelas sobreviveram às supernovas tipo Iax. “Certamente, em termos do quadro qualitativo bruto, isso definitivamente parece uma anã branca que tinha algum tipo de fusão explosiva”, diz Saurabh Jha, um astrônomo da Universidade Rutgers que também não estava envolvido na nova pesquisa.
Esse fenômeno pode abrir várias portas no estudo dessas brilhantes explosões. Como as supernovas são tão raras, os astrônomos estudam principalmente as explosões que ocorrem em galáxias distantes – o que os força a examinar a luz antes que ela desapareça, algo que leva meses. Mas, essas anãs brancas zunindo pela Via Láctea fornecem os primeiros remanescentes estelares que podem ser estudados em detalhes milhões de anos depois. “É como se pudéssemos ver as supernovas – os dinossauros – nessas outras galáxias”, diz Jha. “Mas aqui perto nós – com esses tipos de estrelas – temos os fósseis”.
Esses fósseis poderiam nos dar uma riqueza de informações sobre as especificidades por trás de suas explosões progenitoras. Como seus primos do tipo Ia, as supernovas Iax criam e dispersam elementos pesados em todo o Universo. Mas, ao contrário de suas primas mais brilhantes, que deixam para trás poucas evidências duradouras desse processo, as estrelas que sobrevivem às erupções do tipo Iax estão repletas dos elementos que produziram – permitindo aos astrônomos estudarem esses coquetéis cósmicos em detalhes. Os astrônomos já suspeitam que o ferro que corre em suas veias foi criado em supernovas tipo Ia, e o ouro em sua aliança de casamento foi criado quando duas estrelas de nêutrons – as cinzas que sobraram quando estrelas massivas morrem em explosões de supernovas – colidiram. “É emocionante poder finalmente obter uma visão mais completa de onde todos esses elementos diferentes vêm”, diz Piro.
A equipe de Raddi também estima que existam muitas sobreviventes de supernova semelhantes à espreita dentro da vizinhança galáctica – talvez 20 delas devam ser visíveis no momento em que o conjunto de dados final de Gaia for lançado. “Este não é o fim da história”, diz Piro. “Isso é algo que é um campo próprio, e está apenas começando.” Para Jha, é particularmente gratificante. Ele estudou as supernovas tipo Iax – as chamadas esquisitas – por cerca de 15 anos, e está animado em ver o campo, que há muito tempo era considerado decididamente um nicho decidido, começando a entrar em erupção.
Shannon Hall