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Estranho sinal na radiação cósmica de fundo pode ajudar a revelar natureza da energia escura

Cosmólogos sugerem que uma substância exótica chamada quintessência pode estar acelerando a expansão do Universo, mas a evidência ainda é controversa

 

Imagem da radiação cósmica de funda capturada pelo telescópio espacial Planck. Crédito: ESA

Um grupo de cosmólogos anunciou ter detectado indícios de uma estranha alteração em uma antiquíssima forma de radiação que percorre todo o Universo, o que poderia trazer novas informações sobre a natureza da energia escura — a força misteriosa que parece estar levando o Cosmos a se expandir numa velocidade cada vez maior.

Os cientistas sugerem que tanto a alteração, observada  em dados coletados pelo telescópio espacial Planck da chamada radiação cósmica de fundo (CMB, na sigla em inglês), quanto a aceleração do Universo poderiam ser produzidos por uma substância exótica que permeia o cosmos chamada de  ‘quintessência’ cósmica. Se for verdade, a descoberta de algo assim implicaria  uma grande revisão das teorias atuais, e os físicos alertam que a evidência ainda é tênue: a análise dos dados não atende o limite estatístico de ‘5 sigma’ que é usado para determinar se um indício realmente é uma descoberta. Porém, o estudo mais uma vez põe em evidência o fato de que a cosmologia moderna ainda possui um quadro incompleto quanto ao conteúdo do Universo.

Se a energia escura for causada pela quintessência, seu impulso sobre a expansão pode vir a diminuir lentamente ou a desaparecer. Ou pode até mesmo se tornar uma força de atração, levando o Universo a colapsar na forma de uma grande contração, um ‘big crunch’, diz Sean Carroll, físico teórico no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena. “Estamos de volta a uma situação em que não temos nenhuma ideia sobre como o Universo vai acabar”, diz ele.  O trabalho foi publicado  em 23 de novembro na Physical Review Letters.

 

O QUINTO ELEMENTO

A primeira evidência direta de que alguma força desconhecida está acelerando a  expansão do Universo surgiu em 1998, a partir do trabalho paralelo de dois grupo que pesquisavam  supernovas. Vários outros estudos confirmaram a presença dessa força, chamada de energia escura, mas trouxeram muito poucas informações sobre sua natureza.

O primeiro palpite dos pesquisadores, e que permanece sendo a teoria principal,  foi que a energia escura é uma propriedade intrínseca do espaço, o que significaria que a quantidade de energia escura por unidade de volume de espaço é fixada por meio de  uma “constante cosmológica”. Mas alguns cosmólogos  teorizaram que a energia escura seria composta por algo totalmente diferente. Eles o denominaram de “campo de quintessência”, inspirados pelo  quinto elemento, ou éter,  nome que os antigos filósofos gregos devam  a um material invisível que eles pensavam que preencheria todo o espaço vazio do Universo.

Ao contrário da constante cosmológica, a quintessência “é um meio tangível e tem flutuações próprias”, diz Robert Caldwell, cosmólogo do Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire, que foi um dos primeiros pesquisadores a propor a existência dessa substância. A quintessência pode ter propriedades intermediárias entre as da matéria e as da constante cosmológica, acrescenta Caldwell. À medida que o Universo se expande, uma constante cosmológica manteria uma densidade constante, enquanto a densidade da quintessência diminuiria — embora não tão rápido quanto a densidade da matéria, que diminui à medida que as galáxias se espalham.

Em 1998, Carroll propôs uma forma para testar experimentalmente a quintessência, com base na previsão de que o campo alteraria a forma como a luz se propaga no espaço. Um grupo liderado pelo físico teórico Marc Kamionkowski, agora na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, calculou então como esse efeito poderia ser medido na CMB, a radiação primordial frequentemente descrita como o brilho residual do Big Bang. Os pesquisadores sugeriram que seria possível detectar sinais da quintessência observando-se mapas de luz polarizada por toda a CMB. A luz se torna  polarizada quando seu campo elétrico ‘balança’ em uma direção particular, ao invés de se inclinar em uma direção aleatória. A teoria diz que a quintessência “torce” a direção para a qual a polarização aponta, de um modo  que poderia ser detectado olhando-se a polarização em todas as direções  do céu.

Agora, os cosmólogos  Yuto Minami,  da Organização para Pesquisa de Alta energia em Aceleradores   (KEK) em Tsukuba, Japão, e Eiichiro Komatsu, do Instituto Max Planck de Astrofísica (não confundir com o telescópio espacial homônimo) em Garching, na Alemanha, identificaram essa assinatura da CMB em dados que foram coletados pelo telescópio espacial Planck, da Agência Espacial Europeia, que cessou suas atividades em 2013.

O principal objetivo do Planck era mapear pequenas variações na temperatura do CMB, mas a missão também mediu a polarização da radiação. Minami e Komatsu foram capazes de detectar sinais de quintessência usando uma nova técnica que relataram no ano passado. Seus resultados diferem dos obtidos por outros grupos que analisaram  mapas de polarização na  CMB – incluindo os dados do telescópio Planck  – e não encontraram nenhuma variação, diz a física Suzanne Staggs da Universidade de Princeton em Nova Jersey, cuja equipe faz medições na  CMB usando o telescópio Atacama Cosmology Telescope (ACT) no Chile. A equipe de Staggs planeja testar a técnica de Minami e Komatsu em dados do ACT. “Estamos interessados ​​em explorar a técnica”, diz ela.

GRANDES IMPLICAÇÕES

O artigo é “uma análise bastante boa”, mas o ruído nos sinais do Planck pode ser um fator complicador, diz o cosmólogo George Efstathiou, um importante estudioso dos dados do Planck,  da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Os teóricos também estão reagindo  com cautela. “Se estiver certo, é algo muito importante”, diz Carroll. Mas ele observa que a significância estatística do resultado é fraca – apenas 2,5 sigma –  e diz que resultados assim muitas vezes desaparecem após um exame mais aprofundado.

Kamionkowski concorda. “Acho que provavelmente vamos querer examinar tudo isso com muito cuidado antes de ficarmos muito agitados”, diz ele. Ele acrescenta que a existência da quintessência teria implicações não apenas para a cosmologia, mas também para a física fundamental: o modelo padrão da física de partículas não prevê nenhum tipo de quintessência.

Outras iniciativas estão em andamento para mapear a polarização da CMB com uma precisão inédita, e elas colocarão a ideia de quintessência sob um teste rigoroso. Esses projetos incluem o Observatório Simons, um experimento para a CMB que está sendo montado no Deserto de Atacama, e uma futura sonda espacial liderada por japoneses chamada LiteBIRD.

Se a quintessência se mostrar  como a explicação correta, essa constatação  terá efeitos em cascata sobre nossas melhores estimativas das características do Universo. Incluindo sua idade, que pode ser um pouco mais jovem do que os 13,8 bilhões de anos que os cosmólogos  calcularam com base nos dados do Planck. Também pode ajudar a explicar por que os dados obtidos a partir da CMB prevêem que o Universo deve estar se expandindo em um ritmo mais lento do que o observado atualmente. “O fundamento para esses cálculos  é a constante cosmológica. Se você mudar essa embasamento, isso pode afetar todo o resto ”, diz Caldwell.

Este artigo foi reproduzido com permissão e foi publicado pela primeira vez em 24 de novembro de 2020.

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