Quantos tiranossauros caminharam sobre a Terra? Pesquisadores tentam estimar.
Durante muito tempo, os paleontólogos julgaram ser impossível fazer qualquer estimativa populacional dos tiranossauros, devido ao imenso período de tempo transcorrido desde sua extinção. Mesmo assim, durante anos o paleontólogo Charles Marshall se questionou quanto ao número desses animais que a Terra abrigou durante parte do período Cretáceo. Marshall é diretor do Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia e professor da UC Berkeley.
Trabalhando em conjunto com seus alunos, ele conseguiu propor uma estimativa aproximada de quantos espécimes de Tyrannosaurus rex existiram ao longo dos 2,5 milhões de anos em que a espécie caminhou pelo nosso planeta. Os cálculos partiam da premissa básica de que, neste período, a população de tiranossauros alcançava, permanentemente, a faixa dos 20 mil indivíduos vivos, o que somaria uma população total de cerca de 2.5 bilhões de T-Rex. Esses resultados foram publicados na revista Science.
Improbabilidade e incertezas nas estimativas populacionais
“O projeto começou como uma brincadeira, de certa forma”, diz Marshall. “Quando seguro um fóssil em minha mão, não posso deixar de refletir sobre a improbabilidade de estar manuseando parte de um animal que estava vivo milhões de anos atrás. Parece tão improvável. A questão continuou martelando na minha cabeça: ‘Qual é a chance de isso acontecer? É uma em mil, uma em um milhão, uma em um bilhão?’ E então comecei a perceber que talvez possamos realmente estimar quantos estavam vivos e, portanto, que eu poderia responder a essa pergunta. ”
No entanto, a estimativa ainda carrega algumas incertezas. Embora seja provável que 20 mil animais adultos estivessem vivos ao longo do tempo, calcula-se uma margem de erro de aproximadamente uma casa decimal. Logo, o intervalo populacional de tiranossauros está entre 1.300 e 328 mil. Assim, o número total de dinossauros da espécie que existiram ao longo de todo o período Cretáceo pode variar entre 140 milhões e 42 bilhões.
“Conforme observou George Gaylord Simpson, um dos mais importante paleontólogos do último século, é muito difícil fazer estimativas quantitativas com o registro fóssil”, disse ele. “Em nosso estudo, nos concentramos em restringir as variáveis necessárias para realizar nossos cálculos, em vez de nos concentrarmos em fazer as melhores estimativas”
Ele e sua equipe usaram a simulação de computador de Monte Carlo para determinar como as imprecisões nos dados se traduziam em incertezas nos resultados.
Segundo Marshall, a maior delas gira em torno de questões sobre a natureza do dinossauro, incluindo aquelas acerca da temperatura do sangue do T-Rex. O estudo se baseia em dados publicados por John Damuth, da Universidade da Califórnia, que relaciona a massa corporal à densidade populacional de animais vivos. Essa relação é conhecida como Lei de Damuth.
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No entanto, diferenças ecológicas podem resultar em grandes variações nas densidades populacionais para animais com a mesma fisiologia e nicho ecológico. Por exemplo, onças e hienas têm quase o mesmo tamanho, mas as hienas são encontradas em seu habitat em uma densidade 50 vezes maior do que a densidade de onças em seu habitat.
“Para animais vivo, nossos cálculos dependem dessa relação entre sua massa corporal e densidade populacional, mas ainda há incertezas”, disse Marshall. “Ela é, então, dominada por esta variabilidade ecológica e não pela imprecisão nos dados paleontológicos que usamos.”
Como parte dos cálculos, Marshall escolheu tratar o T-Rex como um predador cujas necessidades de energia se situam entre as de um leão e as de um dragão de Komodo, o maior lagarto da Terra.
A questão do nicho do tiranossauro no ecossistema levou Marshall e sua equipe a ignorar animais juvenis. Estes estão sub-representados no registro fóssil e podem, de fato, ter vivido separados dos adultos e perseguido presas diferentes. À medida que o T-Rex atingia a maturidade, suas mandíbulas se tornavam mais fortes, permitindo-lhe quebrar ossos. Isso sugere que, devido a possibilidade de terem comido presas diferentes, jovens e adultos fossem quase como espécies distintas de predadores.
Além disso, a ideia ainda é apoiada por um estudo recente, liderado pela bióloga evolucionista Felicia Smith, da Universidade do Novo México, que trouxe uma nova hipótese. A ausência de predadores de tamanho médio convivendo ao lado do imenso predador que era tiranossauro, durante o final do Cretáceo, teria acontecido devido ao modo como o T-Rex juvenil ocupou esse nicho ecológico.
O que nos revelam os fósseis
Os cientistas da UC Berkeley vasculharam a literatura científica em busca de dados para estimar a idade provável na maturidade sexual de um tiranossauro. O resultado obtido foi de 15,5 anos. A vida útil máxima do animal acabava por volta dos 20 anos. Sua massa corporal média na idade adulta – a chamada massa corporal ecológica – era de cerca de 5,2 toneladas. Eles também usaram dados sobre a rapidez com que o T-Rex crescia durante a vida, tendo encontrado evidência de um surto de crescimento próximo à maturidade sexual. Esses dinossauros podem ter chegado a pesar cerca de 7 toneladas.
A partir dessas estimativas, foi calculado que cada geração durou cerca de 19 anos. Já a sua densidade populacional média era de cerca de um dinossauro para cada 100 km².
Então, estimando que o alcance geográfico total do T-Rex era de cerca de 2,3 milhões km², e que a espécie sobreviveu por cerca de 2.5 milhões de anos, eles calcularam um tamanho de população permanente de 20 mil. Em um total de cerca de 127 mil gerações que a espécie viveu, isso se traduz em cerca de 2,5 bilhões de indivíduos no total.
Mas, se houve um número tão grande de dinossauros maduros ao longo da história da espécie, sem falar nos juvenis que eram presumivelmente mais numerosos, aonde foi parar tamanha quantidade de ossos? Qual a proporção desses indivíduos que foi descoberta pelos paleontólogos? Até o momento, menos de 100 indivíduos de T-Rex foram encontrados, muitos representados por um único osso fossilizado.
“Existem cerca de 32 tiranossauros pós-juvenis relativamente bem preservados em museus atualmente”, disse ele. “De todos os adultos pós-juvenis que já viveram, isso significa que temos cerca de um de cada 80 milhões deles.”
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“Se restringirmos nossa análise da taxa de recuperação fóssil para o local onde os fósseis de T-Rex são mais comuns, uma parte da famosa Formação Hell Creek em Montana, estimamos ter recuperado cerca de um em 16 mil dos tiranossauros que viveram naquela região ”, acrescentou. “Ficamos surpresos com esse número; este registro fóssil tem uma representação muito maior dos animais vivos do que eu havia pensado.”
Marshall espera que seus colegas contestem a maioria dos seus dados. Mas acredita que a estrutura do cálculo permanecerá, sendo útil para estimativas das populações de outras criaturas fossilizadas.
“De certa forma, este foi um exercício de paleontologia envolvendo o quanto podemos saber sobre esse assunto, e como”, disse ele. “É surpreendente o quanto realmente conhecemos esses dinossauros e, a partir disso, quanto mais podemos computar. Nosso conhecimento sobre o T-Rex se expandiu muito nas últimas décadas. Isso graças a descoberta de mais fósseis, e a mais formas de analisá-los e de integrar as informações sobre o que já conhecemos. ”
Dessa maneira, a estrutura dos cálculos, que os pesquisadores disponibilizaram como código de computador, também estabelece a base para estimar quantas espécies os paleontólogos podem ter perdido ao escavar fósseis, disse ele.
“Com esses números, podemos começar a calcular quantas espécies de vida curta e geograficamente especializadas faltam no registro fóssil”, disse ele. “Esta pode ser uma forma de começar a quantificar o que não sabemos.”
Publicado em 05/05/2021