Estação Espacial Internacional está fadada a ser consumida pelas chamas
Tudo que sobe, um dia desce. Infelizmente, isso também vale para a Estação Espacial Internacional. Ao longo dos últimos 20 anos, esse imenso laboratório orbital tem servido de casa para os seres humanos. Mas, assim como acontece conosco, a Estação Espacial Internacional está envelhecendo. E ela não conseguirá ficar em órbita sozinha indefinidamente; é preciso regularmente dar um impulso regular, ou uma transferencia de combustível feita por espaçonaves visitantes. Se essas ações pararem, ou alguma coisa der errado, cedo ou tarde o laboratório vai cair.
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“Basicamente, qualquer nave de carga que chega à estação espacial costuma possuir algum excesso de combustível”, disse ao Space.com Jonathan McDowell, astrônomo da Universidade Harvard que é especialista na localização de objetos em órbita, ou que estejam caindo de órbita. “Eles precisam carregar combustível suficiente para que possam fazer a manobra de acoplamento, e também para que eventualmente possam tomar outro impulso.”
A previsão é que essas viagens continuarão pelo menos até o ano de 2024. E devido a natureza internacional da estação, que é uma parceria entre Estados Unidos, Rússia, Canadá, Japão e as nações participantes da Agência Espacial Europeia, a decisão de aposentá-la terá que se basear tanto nos aspectos de engenharia quanto nos aspectos políticos.
“Embora hoje a ISS esteja liberada pelos governos internacionais parceiros para funcionar até pelo menos dezembro de 2024, do ponto de vista técnico ela tem autorização para voar até o fim de 2028”, afirmou a Nasa em uma declaração ao Space.com. “Além disso, nossas análises não identificaram nenhum problema que impedisse a EEI de voar para além de 2028, caso seja necessário.”
Mas, algum dia, o tempo de vida da estação irá acabar. Ela está envelhecendo, e sofre risco constante de impactos dos detritos que estão no espaço e de micrometeoritos. Se os humanos nós não a aposentarmos, no fim os perigos do espaço o farão.
O destino final da Estação Espacial sempre foi um fantasma para a Nasa e para a Roscosmos, a agência federal espacial da Rússia, mas conforme o tempo passou, o tema começou a interessar ainda mais os especialistas em assuntos espaciais.
“Bom, nós a traremos de volta no fim das contas. A ideia sempre foi ‘nos comprometemos a tirá-la de órbita’, mas algo me diz que não se pensou sobre isso detalhadamente até cinco anos atrás”, disse McDowell. “Até então era algo como ‘está em órbita, ainda estamos construindo, não vamos nos preocupar em como nos livraremos dela’. O que talvez não seja exatamente a maneira certa de fazer as coisas.”
Uma das principais vozes para mudar esse cenário foi o Painel Consultivo de Segurança Aeroespacial da Nasa, um grupo que avalia as medidas de segurança que a Nasa toma em seus vôos espaciais. Há pelo menos uma década, o painel demonstra preocupação sobre como a estação espacial irá acabar, estimulados pelo então futura aposentadoria dos ônibus espaciais, que poderiam ser utilizados para tirar a Estação Espacial Internacional da órbita. Em suas análises das políticas da Nasa, o grupo ainda cita esse problema regularmente.
“O painel continua a vigiar o andamento das ações relativas à estratégia planejada para retirar a EEI de órbita, e à finalização de um documento relacionado a essa tarefa”, disse David West, membro do painel, durante uma reunião trimestral do grupo, que foi realizada virtualmente no dia 1 de outubro. “Nós continuaremos a monitorar o progresso na busca de um acordo estratégico entre as partes”.
A Nasa confirma que estão sendo planejados cenários tanto para a retirada de órbita da Estação Espacial quanto um plano de ação caso haja problemas, mas ainda não são públicos. “A Nasa está trabalhando ativamente, junto com todos os parceiros envolvidos, para desenvolver um planejamento para tirar a Estação Espacial Internacional de órbita, de forma segura, quando ela encerrar sua vida”, reportaram funcionários da Nasa em declaração ao Space.com.
Um trabalho de décadas
O planejamento da Estação Espacial começou na década de 1980, e embora hoje a ideia de um laboratório gigante em órbita seja algo comum, na época era algo inédito.
“Ninguém tinha ideia como construir algo assim quando começamos a EEI”, disse ao Space.com Christian Maender, diretor de construção no espaço e pesquisador na empresa Axiom. A empresa planeja construir sua própria estação espacial no futuro. “Nós construímos o maior projeto já feito até hoje, em termos de engenharia, conectando peças que nunca tinham sido colocadas juntas até entrarem em órbita.” Dito isso, a construção da EEI demandou 42 lançamentos diferentes. Na Terra, o laboratório pesaria mais de 420 mil quilogramas, tem quase o comprimento de um campo de futebol e sua área habitável equivale a uma casa com seis cômodos, de acordo com a Nasa.
Ela é grande.
A questão da morte da estação não passou completamente despercebida quando o laboratório estava sendo planejado. Alguns anos antes, em 1979, a estação Skylab, da Nasa, caiu na Terra. A agência planejava conduzi-la para uma destruição controlada na atmosfera da Terra utilizando um dos primeiros voos do ônibus espacial. Mas a entrada em atividade desses veículos foi sendo adiada, o que deixou o Skylab, que pesava 80 toneladas, encalhando, enquanto a atividade solar acelerava o fim da instalação.
O resultado foi que a estação caiu sozinha e descontrolada, impossibilitando a Nasa de direcionar a trajetória dos pedaços maiores para áreas remotas, ou reduzir a velocidade da queda como meio para encolher o tamanho desses fragmentos. Pedaços da estação então caíram por toda a Austrália, sendo o maior deles um imenso tanque de oxigênio. O incidente representou um ponto de virada sobre a questão da retirada de órbita de objetos de grandes dimensões.
“Nos primeiros anos da era espacial, ninguém se preocupava com isso. Coisas grandes caindo do céu? Sem problemas”, disse McDowell. “As pessoas passaram a temer mais os riscos ao longo dos anos”. E cresce cada vez mais a preocupação com os detritos abandonados em órbita entre os especialistas, em particular com os de maior porte.
O risco de que a estação espacial caia sozinha na Terra é relevante, diz McDowell. Com cerca de 400 toneladas, a estação espacial é de longe o objeto mais pesado feito por humanos que já orbitou a Terra. Quanto maior o objeto, menor é a probabilidade de que ele possa se queimar por completo na atmosfera. McDowell explica que, devido aos grandes painéis solares fotovoltaicos que ela possui, é possível que saia rodopie de forma descontrolada, de tal forma que as opções de resgate seriam limitadas.
Ele pondera que, quaisquer que sejam as causas para uma re-entrada descontrolada, os resultados seriam bem ruins, embora não cheguem a gerar uma catástrofe do nível de um desastre nuclear. Seria algo mais próximo da queda de um avião, porém os detritos se espalhariam ao longo de uma área muito maior. “No pior dos casos, eu diria que seria [algo como] um 11 de setembro, certo?”, diz McDowell. “Porque esse é o pior exemplo de uma queda de avião, parte dela sobre uma área povoada. E isso é ruim. Mas não é como uma queda de asteróide.”
Como destruir uma estação espacial (seguramente!)
Então, como controlar a re-entrada da estação espacial?
No Congresso Astronômico Internacional de 2017, um grupo de engenheiros da Nasa e da Roscosmos apresentou uma pesquisa avaliando algumas opções disponíveis. O trabalho é baseado em procedimentos para uma retirada de órbita conduzidos na estação espacial russa Mir em 2001; a Estação Espacial é cerca de três vezes mais pesada.
Mas a essência do plano se baseia nas ferramentas usadas para que a estação espacial seja mantida em sua altitude ordinária. Em geral, o que ocorre é que um veículo russo de carga Progress é acionado de forma a impulsionar a estação, ou transfere combustível para ela, que possibilite que ela mesma acione seus foguetes. De uma forma ou de outra, ela ganha altitude.
No caso de uma saída controlada de órbita, os veículos Progress fariam a mesma coisa, mas em uma direção inversa, impulsionando-a para baixo. Dependendo das naves espaciais que estiverem disponíveis na época, os foguetes da própria estação também poderão ser acionados.
Esses impulsos, conduzidos cuidadosamente no momento certo, iriam manobrar a estação de forma a tornar a sua re-entrada mais previsível e permitindo aos cientistas que direcionem os fragmentos para caírem no vasto e pouco habitado Oceano Pacífico. O restante seria consumido pelo poder destrutivo da atmosfera da Terra. A estratégia possui seus riscos. Se algo ativar a combustão antes do planejado, bom, perde-se a previsibilidade.
O trabalho apresentado em 2017 traz opções tanto para o caso de uma retirada programada de órbita quanto para o desafio de alguma possível catástrofe na Estação Espacial. Se algo der errado de repente no laboratório, as organizações que fazem parte do consórcio terão somente duas semanas para decidir como proceder, escreve o grupo.
Um caminho diferente
O sucessor da Estação Espacial Internacional pode enfrentar uma aposentadoria muito mais tranquila — apesar de ainda ser perigosa.
A Axiom Space, empresa localizada no Texas, está planejando lançar novos módulos de estação no começo do próximo ano. E, à medida que cresce o interesse pelo acesso comercial ao espaço, em paralelo ao envelhecimento da EEI, a empresa considera deixar de fazer parte da parceria da EEI e erguer sua própria estação.
Mas a Axiom está de olho no complicado problema do encerramento das atividades da EEI, e já começou a pensar em como dar fim à sua própria estação. A empresa planeja que seus módulos sejam realmente mais modulares do que aqueles usados na EEI. isso facilitaria a questão de remoção e substituição de pedaços dela, dando flexibilidade à empresa em seu futuro.
Esse projeto também significa que cada módulo pode controlar seu próprio destino. “Cada módulo será projetado com seus próprios sistemas de guia, navegação e controle, e suas próprias capacidades de propulsão”, disse Maender. “Isso permitirá que cada um voe basicamente por conta própria, e então, quando for necessário, eles podem se separar e retornar para a atmosfera da Terra por conta própria”.
Meghan Bartels
Space.com
Publicado em 03/11/2020