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Espaçonave Starship, da SpaceX, poderá abrir as portas para nova era na pesquisa espacial

O sistema de transporte totalmente reutilizável poderá auxiliar em estudos sobre o clima, na extração de detritos espaciais e futuras explorações planetárias.
Starship

O primeiro protótipo Starship da SpaceX, em uma plataforma de lançamento em setembro de 2019 Créditos: Alamy

No sábado, ocorreu o retorno à Terra das quatro pessoas que foram à órbita da Terra levadas pela SpaceX, a empresa de Elon Musk. Denominada Inspiration4, essa foi a primeira missão de voo espacial totalmente civil,e pode ser vista como  um marco.  No entanto, sem levar em consideração a coletagem de dados para estudos sobre a saúde humana e seu desempenho no espaço, o valor da Inspiration4 como missão de pesquisa é questionável.

Embora a missão Inspiration4 tenha atraído tanta atenção, a grande reviravolta que esperamos na exploração espacial pode acontecer com outro projeto da SpaceX cujo andamento está em segundo plano. A Starship, conforme previsto pela empresa, será um sistema de transporte totalmente reutilizável. Em maio deste ano, a Starship SN15 tornou-se o primeiro protótipo deste sistema a ser lançado com sucesso para uma altitude de 10 mil metros. O voo orbital inaugural da espaçonave pode acontecer ainda no final de 2021. Já  um sobrevoo da Lua usando o sistema está programado para 2023.

Se tudo correr de acordo com o planejado, o sistema Starship reduziria exponencialmente os custos de lançamento,  dando início a uma nova era de exploração comercial do espaço. De fato, como os autores de um recente artigo escreveram, “O sistema SpaceX Starship muda fundamentalmente o paradigma para o desenvolvimento e testes de novas tecnologias e para a exploração humana do espaço”.

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As grandes inovações da espaçonave estão relacionadas ao seu tamanho e potencial para reutilização. A SpaceX diz que seus 120 metros de altura poderão transportar uma carga útil de 100 toneladas métricas. E, ao contrário de qualquer outro sistema de lançamento orbital, a Starship seria totalmente reutilizável. Segundo Musk, isso pode reduzir os custos de lançamento para cerca de US $ 2 milhões por unidade.

O lançamento um grande telescópio espacial pode custar mais de US $ 100 milhões. Reduzir esse preço em duas ordens de magnitude teria um impacto imenso no sensoriamento remoto, explica Waleed Abdalati, diretor do Instituto Cooperativo de Pesquisa em Ciências Ambientais da Universidade do Colorado. O lançamento de mais telescópios e satélites em órbita ajudaria a ciência do clima de duas maneiras, diz ele. Em primeiro lugar, ao reabastecer dispositivos que normalmente têm uma vida útil de três a cinco anos, a espaçonave poderia criar uma maneira mais barata de realizar observações do nosso planeta. Depois, isso ainda possibilitaria missões científicas mais ambiciosas para o programa Earth System Explorer, que estabeleceu em US $ 350 milhões o custo máximo de cada.

“Se o seu veículo de lançamento já consumir US $ 60 milhões [do total de US$ 350 milhões] ou mais, você já atingiu um limite bastante significativo de recursos para sua missão real”, diz Abdalati. “Se a Starship puder reduzir o custo de lançamento, haverá mais recursos que podem ser direcionados para a missão científica em si.” Os astrônomos possuem esperanças semelhantes: pelo menos uma proposta de telescópio de próxima geração já foi aprovado pela SpaceX para um possível futuro lançamento do sistema.

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Indiretamente, a Starship poderia beneficiar estudos ciência suborbitais e orbitais ao trazer detritos espaciais de volta para a Terra. O lixo espacial apresenta riscos para os veículos de lançamento e orbitadores operacionais. E, de acordo com Abdalati,  qualquer solução para reduzir o congestionamento nos céus seria “tremendamente importante”. Tal missão de limpeza poderia até mesmo fazer com que a Starship recuperasse satélites mortos da SpaceX conforme eles aumentem em número. Porém, críticos podem apontar que, neste caso, a empresa estaria limpando sua própria bagunça orbital. Então a remoção dos satélites Starlink extintos não alivia as dores de cabeça que a enorme constelação de detritos está causando nos astrônomos.

Depositar aparelhos e recuperar outros objetos em órbita é uma vantagem extra em relação ao objetivo declarado da Starship. Este objetivo é o transporte de carga e, eventualmente, de tripulações, para a Lua e Marte. De acordo com o recente artigo, cuja lista de autores inclui pesquisadores afiliados à Nasa e à SpaceX, a empresa atualmente planeja lançar várias missões para Marte a cada dois anos.

Se não houver necessidade de transportar tripulantes,  escrevem os autores, há um grande potencial para que o sistema sirva para enviar cargas ao Planeta Vermelho, bem como para trazer amostras. E oportunidades semelhantes existem em relação à Lua. Neste caso, especialmente, o tamanho da Starship é um trunfo. “Como ela pode retornar dezenas de toneladas de carga útil da superfície da Lua, a massa da amostra de retorno de uma única missão seria muito maior que a massa total de todas as missões de retorno de amostras até o momento”, escreveram os autores.

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Mas é importante questionar a alegação da SpaceX de que a Starship poderia reduzir significativamente os custos de lançamento, disse Pierre Lionnet, diretor de pesquisa da Eurospace, organziação que atua como ponte entre a Agência Espacial Europeia e instituições semelhantes de casa país do continente europeu. Lionnet diz que as pessoas costumam dar uma atenção desmedida ao custo de lançamento quando, na verdade, há uma série de outras despesas. Por exemplo, a sonda espacial Rosetta e a sonda Philae, a primeira pousar tranquilamente em um cometa, custaram à Agência Espacial Europeia cerca de € 1,4 bilhão (cerca de US $ 1,7 bilhão). Mas seu custo de lançamento representou menos de 10% do fatura total.

A relação entre o custo de lançamento e o custo total de criação e implantação de satélites, telescópios e outros dispositivos determina quais organizações poderão enxergar as inovações trazidas pela Starship como algo particularmente valioso, explica ele. “Para uma empresa, reduzir o custo de lançamento pode mudar drasticamente a equação econômica”, acrescenta. “Para um programa científico, nem tanto.”

E, embora o custo de lançamento de US $ 2 milhões seja atraente, o número não conta toda a história. A SpaceX não é uma empresa de capital aberto. É por esse motivo que não foram revelados os custos de tudo o que foi investido na Starship. Os gastos variam desde a construção de mais de uma dúzia de protótipos até o emprego de um exército de designers e engenheiros. A nave terá que recuperar essas despesas eventualmente, constatou Lionnet.

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Isso pode, em parte, explicar a amplitude de suas aplicações. A SpaceX promoveu o sistema não apenas como uma balsa interplanetária, removedora de lixo espacial e lançadora econômica de grandes satélites, mas também um serviço de transporte global capaz de enviar cargas e pessoas para qualquer lugar da Terra em apenas uma hora.

“Se amanhã você abrir uma lanchonete e me disser: ‘Eu sou tão inteligente; meu hambúrguer custará 10 centavos em vez de US $ 1,50′, eu gostaria de saber ‘Onde você vai comprar sua carne? Onde você vai comprar pão? Como você vai pagar as pessoas que trabalham para você?’ Isso é exatamente o que está acontecendo com Elon Musk ”, diz Lionnet.

Porém, outras pessoas, como a ex-vice-administradora da Nasa, Lori Garver, têm uma visão mais otimista . Em 2010, Garver ajudou a arquitetar um acordo de orçamento federal que ofereceu o financiamento para a agência desenvolver parcerias com empresas espaciais comerciais. Segundo ela, a tenacidade dos sonhos espaciais de alguns bilionários muitas vezes supera sua imprevisibilidade.

Garver acrescenta que é do interesse de Musk conseguir contratos com o governo e usar a Starship para ajudar nos esforços de pesquisa a fim de compensar os custos iniciais do projeto. Obter esses contratos significa fornecer um serviço mais barato do que uma agência como a Nasa ofereceria. Há, então, um limite máximo fixo para o que a SpaceX poderia cobrar de um cliente federal.

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Ao mesmo tempo, diz ela, à medida que a Starship lança cargas úteis com mais eficiência do que nunca, o Congresso buscará realocar os fundos anteriormente reservados para os custos de lançamento da Nasa. A possibilidade de que a Nasa continue a receber estes recursos  dependerá do sucesso da agência em se expandir em áreas de interesse público, como soluções climáticas ou exploração espacial tripulada por humanos, acrescenta.

“Quanto mais pudermos nos conectar aos interesses nacionais, mais dinheiro receberemos”, diz Garver. “A razão pela qual crescemos durante o programa Apollo não foi porque ‘Nossa, queremos ver do que a lua é feita ’. Não, foi para derrotar os russos. Então, qual é a nossa missão hoje? ”

Em sua opinião, o principal foco da Starship pode servir como essa missão. Musk acredita no uso do projeto para estabelecer uma colônia em Marte. Se você concordar com o valor da premissa, então tudo aquilo que é necessário para atingir esse objetivo pode ser considerado uma façanha científica válida, diz Garver. E não é um objetivo novo.

“Quando trabalhei na National Space Society na década de 1980, nossa missão era criar uma civilização de viajantes espaciais”, diz ela. “Simplesmente não é preciso muita liderança para saber que não podemos sobreviver neste planeta para sempre.”

Maddie Bender 

Publicado em 20/09/2021

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