Erupção vulcânica pode ter mergulhado os Maias em uma “era de trevas”
Novo estudo de cinzas antigas liga erupção do El Chichón com época de inexplicável agitação cultural da história Maia
Uma pluma escura saltou no céu do sul do México. Sob ela, ondas de gás quente e rochas desciam as encostas vulcânicas, destruindo a montanha e a vegetação a sua volta, matando todo ser vivo ao seu alcance. Gás e rochas juntaram-se aos rios, criando torrentes de água, barro e um material tão denso quanto concreto úmido. Dias depois, sobreviventes adoeceram ao inalar o ar sufocado por cinzas – estilhaços microscópicos de vidro. As cinzas caíram como neve, obstruindo rios e criando grandes inundações que destruíram a agricultura. Isso foi em 540 D.C., quando o pequeno vulcão El Chichón mergulhou a civilização Maia em caos e escuridão.
Essa é a história segundo um artigo publicado na edição de fevereiro da Geology, entrando no longo debate arqueológico sobre o que levou a civilização Maia, uma das mais sofisticadas de sua época, a uma “era de trevas” que durou um século.
Os Maias, que viveram entre 250 e 900 D.C., são considerados a civilização pré-colombiana mais avançada. Eles desenvolveram um sistema de escrita, calendários precisos, novos cálculos matemáticos e grandes cidades com pirâmides das quais restam, até hoje, vestígios. Contudo, ainda existe um grande mistério. Em 1938, um arqueólogo percebeu uma estranha brecha na datação dos monumentos maias. Por mais de 100 anos, eles inexplicavelmente largaram seus projetos de construção e aparentemente desertaram de algumas áreas, entrando em guerra. Nos 75 anos desde o achado, os arqueólogos não conseguiram encontrar uma explicação, embora tenham surgido várias hipóteses. Alguns especularam sobre um terremoto ou furacão que teria atingido a área, outros acreditam que rotas comerciais podem ter ruído.
Uma dica inicial sobre uma antiga erupção vulcânica ser a possível culpada veio da Groenlândia e da Antártica, bem longe das planícies maias. Um vulcão pode mandar uma grande quantidade de partículas de enxofre para a estratosfera, onde elas podem facilmente se espalhar pelo globo. Assim que chegam sobre os pólos, juntam-se a cristais de neve, caem e eventualmente ficam presas nos lençóis de gelo, deixando um registro para cientistas descobrirem séculos depois. Foi assim que Michael Sigl, químico do Instituto Paul Scherrer na Suíça, deduziu que uma grande erupção deveria ter acontecido em algum lugar do mundo em 540 D.C. – bem no começo da misteriosa era de trevas maia.
A resposta veio do encontro de Sigl com Kees Nooren, um estudante de doutorado da Universidade de Utrecht, na Holanda. Ambos estavam apresentando suas pesquisas em uma conferência. Nooren estava estudando sedimentos do delta de um rio a oeste da Lagoa Términos, ao longo do Golfo do México, perto da Península de Yucatán, quando desenterrou algumas camadas brilhantes de cinzas vulcânicas. Ele analisou fragmentos individuais do vidro vulcânico no sedimento e os rastreou de volta ao El Chichón; então, usou datação com carbono para ligar o material à 540 D.C., com uma margem de erro de 16 anos. Quando Nooren viu, na apresentação de Sigl, o pico de enxofre correspondendo à mesma época, ele disse: “Talvez eu tenha um candidato”.
O estudo resultando claramente mostra que El Chichón teve um erupção na mesma época em que aquelas partículas de enxofre chegaram aos lençóis de gelo e também em que a “era de trevas” maia começou. Ainda assim, cientistas discordam sobre qual teria sido o real efeito da erupção para os Maias. Se realmente foi a responsável por levar as partículas de enxofre ao outro lado do mundo, ela não teria causado apenas invernos mais rigorosos (como visto em registros dendrocronológicos), mas talvez secas regionais. É isso que Payson Sheets, arqueólogo da Universidade do Colorado em Boulder o qual não esteve envolvido na pesquisa, acredita que interrompeu a civilização maia. Quando Tikal – uma poderosa cidade maia, que dominava grande parte da região – foi devastada por consequência da seca, outras cidades maias a atacaram, o que causou um colapso temporário, segundo Sheets. Ele também acha que a seca afetou outras civilizações ao redor do mundo, da Dinastia Wei no norte da China à cidade pré-colombiana de Teotihuacán nas montanhas mexicanas (acredita-se que ambas as civilizações se revoltaram contra suas regras depois de colheitas pobres na metade do século VI D.C.).
Também é possível que El Chichón não tenha causado essas mudanças globais e que o verdadeiro culpado ainda não tenha sido encontrado. “A região equatorial do Pacífico é uma área onde acontecem grandes erupções”, diz Matthew Toohey, climatólogo do Centro de Pesquisa Oceânica Helmholtz de Kiel, na Alemanha, que não se envolveu no último estudo. “Mas é também um ponto cego. Pode haver uma erupção lá da qual não temos nenhum registro, no momento”. Alguns estudos tentaram ligar outros vulcões tropicais com o pico de enxofre, porém com datas menos precisas. Descobrir cinzas nos núcleos de gelo, juntamente do enxofre previamente detectado, daria aos cientistas uma forte evidência, permitindo que ligassem aquelas cinzas a um vulcão específico. Contudo, nada ainda foi descoberto.
Os pesquisadores nem ao menos podem ter certeza que a erupção de 540 D.C. do El Chichón foi grande o bastante para que seus efeitos que espalhassem por todo o globo. A equipe de Nooren assume que ela foi tão grande quanto o evento devastador ocorrido em 1982, quando a montanha expeliu enorme quantidades de gás de dióxido de enxofre, enterrou nove vilas e matou duas mil pessoas. Juan Espindola, vulcanólogo da Universidade Nacional Autônoma do México, que também não esteve envolvido no estudo, concorda com a avaliação, levando-se em conta a distância entre o local onde a equipe de Nooren estudou as cinzas depositadas e o vulcão, em si. Apenas uma grande erupção teria jogado cinzas a mais de 100 quilômetros, ele acredita. Vulcanólogos terão que procurar por outros depósitos de cinzas para realmente mensurar a magnitude do ocorrido.
Entretanto, mesmo que a erupção tenha sido pequena demais para causar efeitos globais, a sua proximidade poderia tê-la ajudado a cumprir um papel na “era de trevas” maia. Noreen e seus colegas acreditam que cinzas e fluxos piroclásticos do El Chichón pode facilmente ter levado cidades vizinhas ao caos.
Outros arqueólogos, os quais não fizeram parte da pesquisa, concordam que o hiato maia possivelmente foi causado pelo vulcão – mas eles acreditam que isso se deve pelo fato de a erupção ter sido benéfica, não desastrosa. “Sociedades humanos são incrivelmente resilientes e adaptáveis a desastres naturais”, diz Robin Torrence, arqueólogo do Museu Australiano. “As pessoas podem se recompor e, em muitos casos, tirar vantagem em novas oportunidades”. Essas oportunidades podem ter incluído as cinzas vulcânicas: em pequenas quantidades, elas podem ser um ótimo fertilizante. Kenneth Tankersley, arqueólogo da Universidade de Cincinnati, acredita que os Maias devem ter desertado de algumas áreas após a erupção para ficarem mais próximos das cinzas “benéficas”. Ele ainda sugere que a civilização dependia tanto das cinzas para a fertilização que uma escassez de atividade vulcânica no final do século VIII talvez a tenha levado ao seu grande colapso – outro mistério esperando para ser resolvido.
Grande ou pequeno, El Chichón provavelmente teve seu papel na misteriosa era de trevas Maia. Para Sheets, ela poderia facilmente ser tornar um roteiro. “É um bom drama”, ele explica, “e é baseado em fatos reais”.
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