Notícias

Rosto mais fino do Homo sapiens surgiu graças à evolução, diz estudo

Desenvolvimento de comportamento cooperativo na espécie humana nos fez desenvolver faces com feições mais finas

Shutterstock

As representações artísticas do Homem de neandertal — uma espécie de hominíneo  que ocasionalmente se acasalava com o Homo sapiens — geralmente incluem características faciais mais largas e duras do que as nossas, como uma testa menor e mais inclinada e sobrancelhas grossas. Em comparação, nossos olhos, nariz e boca são mais estreitos e ocupam menos espaço da face. Embora muitas espécies de primatas iniciem a vida com essa aparência mais delicada, somos os únicos a mantê-la durante a idade adulta.

Uma hipótese para explicar como os seres humanos teriam feito a transição de uma aparência mais robusta no estilo neandertal para a capacidade de reter características mais refinadas ao longo da vida é a de que nós “autodomesticamos” nossa face. Essa ideia sugere que, à medida que os humanos precisavam se basear cada vez mais em interações sociais pacíficas para prosperar, nossos ancestrais começaram a selecionar parceiros favorecendo traços menos agressivos na face, assim como  outras características corporais. Mas não há muitas evidências genéticas que conectem as características físicas a esse processo de autodomesticação.

+ LEIA MAIS:

Serotonina pode explicar por que “congelamos” quando tomamos um susto

Por que o comportamento homossexual é tão comum entre animais?

Um novo estudo publicado em 4 de dezembro na revista Science Advances revela um novo vínculo até então desconhecido. Os resultados mostram que alterações no DNA relacionadas ao desenvolvimento facial são bastante diferentes entre humanos modernos e nossos parentes extintos mais próximos, os Neandertais e os Denisovanos — um outro ramo extinto da árvore genealógica humana.

Essas diferenças seriam esperadas em um cenário em que os humanos modernos fossem uma espécie autodomesticada, diz Richard Wrangham, professor de antropologia biológica da Universidade Harvard, que não estava envolvido no novo trabalho. Estudos anteriores tangenciaram o tópico de genes potencialmente ligados à domesticação em humanos, diz ele, mas o “avanço crítico” do novo artigo é que ele estabelece um importante candidato a ser o gene procurado e o vincula a um resultado esperado da domesticação: características faciais mais refinadas.

Para descobrir essa ligação, os pesquisadores usaram células de pessoas com uma condição genética bem caracterizada, chamada síndrome de Williams. As características faciais e o comportamento de pessoas com essa síndrome tendem fortemente ao extremo mais amigável do espectro humano. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que as alterações no DNA responsável por essas características podem ajudar a explicar a genética da evolução facial humana. Os genes relacionados a síndrome de Williams estudados pela equipe são responsáveis por orientar a migração e a ação de células da crista neural, que têm diversas funções no desenvolvimento embrionário inicial — sendo uma das funções ajudar a construção dos ossos do rosto.  

Para este estudo, Matteo Zanella, da Universidade de Milão, na Itália, e seus colegas estudaram um gene associado à síndrome de Williams, o BAZ1B, que regula a migração de células da crista neural. Usando células de pessoas com e sem a síndrome, os pesquisadores avaliaram o impacto de diferentes “doses” desse gene. Eles descobriram que o BAZ1B é um “grande controlador” das células da crista neural, com efeitos diferentes em doses baixas e altas.

Os pesquisadores compararam sequências de DNA que interagem com o BAZ1B em humanos modernos com as mesmas regiões do DNA de nossos parentes hominínios extintos. Eles encontraram diferenças, dizem os autores, sendo que nos humanos modernos há uma leve interrupção da atividade da crista neural, enquanto os neandertais e denisovanos experimentam a intensidade total dos seus efeitos, sem ônus por qualquer interrupção. O resultado desse leve descarrilamento em seres humanos modernos são as nossas características faciais reduzidas. Os pesquisadores sugerem que a versão mais delicada das características faciais prosperou amplamente entre os humanos à medida que caminhavam em direção a um estilo de vida mais social e menos agressivo.

Usar uma condição genética bem caracterizada como a síndrome de Williams é uma boa maneira de estudar os genes envolvidos em processos de desenvolvimento, como o desenvolvimento facial, diz Marcelo Sánchez-Villagra, professor de paleobiologia da Universidade de Zurique, que não estava envolvido em o trabalho. Essas ferramentas abrem caminho para entender o que aconteceu durante uma fase crítica da evolução humana, diz ele.

O autor sênior do estudo, Giuseppe Testa, professor de biologia molecular da Universidade de Milão, enfatiza as contribuições de pessoas com síndrome de Williams no trabalho. “É cientificamente emocionante, mas também muito agradável, pensar que essa diversidade genética por trás de síndromes é como um mosaico que, devidamente analisado, pode revelar muito sobre o nosso passado”, diz ele.

A equipe de Testa também identificou outros genes possivelmente ligadas a comportamentos sociais associados à auto-domesticação. Um deles, o FOXP2, está relacionado a nossa capacidade de falar. Wrangham diz que será importante pesquisador genes ligados a uma redução no tamanho do cérebro, onde as células da crista neural não desempenham nenhum papel — afinal, os neandertais tinham um cérebro maior que os humanos modernos.

Testa diz que estudos que comparem o DNA humano moderno com o antigo são uma enorme oportunidade. “Nós começamos a abrir um campo de pesquisa que se baseia nos ombros de muitos gigantes, e esperamos também atrair muitos gigantes”, diz ele.

Emily Willingham